Grazia Deledda


Apesar de pouco conhecida no Brasil, Grazia Deledda escreveu algumas verdadeiras joias do romance – são obras em pleno vigor da forma, erguidas com todas as faculdades de grande romancista. Seu nome não é só uma marca indelével na literatura italiana, mas para a literatura universal.

Nasceu no ano de 1871 em Nuoro, interior de uma Sardenha brava, violenta e luminosa. Seu pai era um agricultor rico e um louvável poeta no dialeto local. Na sua biblioteca, Grazia Deledda aprendeu logo a amar os livros, a sentir a nobre ação de descobrir as pessoas, a luz, os costumes trágicos que a rodeavam ou que só conhecia através de relatos e lendas populares. Toda sua obra é uma revelação constante, sempre atrativa de sua terra natal, a esquecida, quase ignorada melhor dizendo, antes dela descobri-la com o fervor realista com o qual pintou sua literatura. A Itália não via na Sardenha mais que uma ilha maldita, ninho e refúgio de seres brutos.

Fazendo por seu país o que Verga e Capuana fizeram pela Sicília, Fogazzaro por Lombardia e Veneza, Gabriel D’Annunzio pelos Abruzzos, Grazia Deledda começou a revelar, primeiro aos italianos, depois a toda Europa, a gente sarda de rude existência, de paixões incendiadas, de vinganças inexoráveis, unidos pelas solenes cerimônias religiosas e agitando-se no marco incomparável de sua terra áspera. Estes homens sombrios, essas mulheres ardentes, tão aproximadas de uma Natureza enérgica e quente, esses primitivos intocados, cujas paixões transbordantes ignoram as barreiras de outra justiça que a de seus prejuízos tradicionais, surpreenderam a alma decadente do mundo em finais do século XIX.

Para Andréa Guerini, "embora os traços típicos das correntes naturalista e decadentista estejam bastante presentes na obra de Grazia Deledda, os temas do amor, dor, morte, religião, somados a lugares, figuras, paisagens, são combinados de tal maneira que tornam problemática a aplicação mecânica de certos rótulos. Não por acaso, a parte mais famosa da justificativa do Prêmio Nobel, elaborada pelo júri e lida durante a cerimônia de entrega, diz que Deledda fora escolhida 'pelos seus escritos idealistas inspirados com claridade plástica das vivências na sua ilha natal, e com profundidade e simpatia pelos problemas humanos em geral'".

Embora a crítica leia de maneira diversa essa construção do universo ficcional de Grazia, poucos divergem de que seu nome é um dos importantes do chamado Novecento italiano e, logo por isso facilmente associada a nomes como Jane Austen, Emily Brontë e Virginia Woolf.

Grazia Deledda publicou sua primeira obra em prosa (e sabe-se que também escreveu poesia) já aos quinze anos. Era uma pequena narrativa dramática e delicada ao mesmo temo que se intitula Il sangue sardo e que aparece numa revista romana de modas. Desde então, esta mulher incansável, entusiasta de sua arte e de seu povo, não parou de produzir. “Eu comecei a trabalhar muito jovem – disse numa ocasião – porque para mim eu era mais velha do que sou.”

Certamente. Logo depois de seu primeiro romance, vem Fior di Sadegna, racconti sardi, Le anime oneste, isso entre os anos de 1894 e 1896.  E terá ultrapassado facilmente meia centena de títulos. Le tentazione é lida pela crítica como a obra que a consagrou na Itália; e Elias Portulu, logo traduzida para o francês fez o seu nome ser lembrado por toda a Europa como uma das maiores ficcionistas de seu tempo. Canne al vento é, possivelmente sua obra mais conhecida no mundo e La madre, que na edição inglesa mereceu o prefácio de D. H. Lawrence.

E mesmo com o nome em expansão de reconhecimento, ela nunca terá deixado longos intervalos sem publicar e sua obra só aumenta: Il tesoro, La giustizia degli uomini, Il vecchio della montgna, La regine dele tenebre dopo, Il divorzio, Cenere, L’edera, L’ombra del passato, Il nonno... Em todas elas e muitas outras, o leitor encontrará a essência perdurável de sua escrita: o talento agudíssimo de uma escritora capaz de seduzir o leitor na leitura.

Seu estilo personalíssimo, apropriado aos temas diversos, é produto de uma observação profunda da realidade e uma sinceridade clara com o que narra; é sensível, espontânea, sem retórica rocambolesca, nem rebuscamento linguístico. Tudo emana com graça límpida e feliz como se no espírito sempre estivesse impregnada de uma meninice para o que quer dizer, e lendo se sente o encanto inolvidável de saborear algo único e, portanto, original.

A partir de 1900, Grazia Deledda abandona – mas não totalmente – a Sardenha. Casa-se com um empregado do Ministério da Guerra e se muda para Roma. Com frequência volta à sua ilha natal para longas temporadas. Tem dois filhos, Sardus e Francesco e divide o tempo com outra paixão sua: a pintura, exercício artístico que trabalhou com a mesma força com que exerceu a escrita. As artes plásticas de Grazia são um retrato vigoroso das paixões rudes e ferozes, um excelente espaço onde exercita sua ternura, timidez e modéstia.

Nas suas últimas obras é inútil o leitor buscar os elementos temáticos que deram graça à sua obra: os tipos e costumes o povo da Sardenha. A escritora viu-se encantada pela grande cidade e dedicou-se na descrição dos contrastes dramáticos entre a raça grosseira dos novos ricos e os nobres em decadência social. Mais que nunca, a vida de Grazia é agora distante e tranquila em sua vila romana situada num desses bairros novos que ela descreve tão fielmente em seu último romance.

O auge de obra encontra-se marcada pela recepção do Prêmio Nobel de Literatura em 1936; Grazia foi a segunda mulher a ganhar a honraria. A nomeação da escritora se configura como a marca que faltava para silenciar a crítica oportunista do seu tempo que nunca deixou de criticá-la quase por unanimidade pelos seus escritos, sendo que, nela em grande parte vigorava um apelo machista de rebaixamento da obra de uma mulher que com apenas os estudos primários e a leitura de romances europeus não era autora digna de escrever. De certo modo, Grazia rompeu com essa tradição marginalizada de perseguição da crítica.

A escritora morreu em agosto de 1936; depois ainda vieram vários títulos seus. Um deles, Cosima, traduzido no Brasil; trata-se de um romance autobiográfico e narra a história de vida da protagonista, a que tá título a obra, da infância à vida adulta, passando pelas vicissitudes cotidianas, do amor à morte, tendo sempre como pano de fundo a Sardenha com sua lendas e personagens. Além desse título, no país saíram O drama de Regina (1932) e Caniços ao vento (1964), mais tarde novamente traduzido como Juncos ao vento.

* Atualizado em outubro de 2015.

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