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Mostrando postagens de março, 2008

Troca de pele, de Carlos Fuentes

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Por Maria Antonieta Gomez Um dos aspectos mais significativos em Troca de pele , de Carlos Fuentes é a peculiaridade em seu acesso à “cultura do signo”, própria do gênero romanesco. É Julia Kristeva quem afirma em termos gerais que o romance denuncia a passagem do símbolo (característica da epopeia) ao signo. Nesta afirmativa, ela distingue, tanto no símbolo como no signo, duas dimensões básicas: uma vertical e outra horizontal. Por um lado, o símbolo em sua dimensão vertical possui uma função de “restrição” enquanto mostra-se como o monovalente e unívoco. E, em sua dimensão horizontal (a articulação das unidades significantes entre si), o símbolo é disjuntivo; isto é, em sua lógica se excluem mutuamente duas unidades opositivas. No campo do símbolo, na epopeia, o mal e o bem, por exemplo, são incompatíveis. Caso contrário no ideograma do signo; em sua dimensão vertical não opera, como no caso do símbolo, uma função de restrição que acumula no unívoco ou em referênci

A figura (divina) de Jesus (des)construída - o mito

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Por Pedro Fernandes Há discussões das mais variadas em torno da figura de Jesus, talvez pelo carisma histórico (isso é o que analisaremos), que ainda alimenta multidões e até então líder político algum conseguiu. Logo se percebe que adotaremos aqui a perspectiva de um Jesus como figura política daquela sociedade, tomando por base uma das discussões que gira em torno de sua falsa divindade uma vez que historicamente esta divindade teria sido construída ao longo dos séculos e sido uma decisão política sobre uma renovação do cristianismo. Para tanto admitiremos que a história de Jesus enquanto ser santo tem algo de mítico, uma vez partirmos do pressuposto de que o mito explica a ordem social cósmica vigente e preocupa-se com as origens e a fixação de valores. A imagem de fábula, mentira, tida hoje como sinonímia comum para o termo mito fora estabelecida ainda no mundo greco-romano e, no entanto, sabe-se que o mito narra um fato verdadeiro em busca de uma verdadeira razão par

Dois livros de Kertész de uma trilogia sobre o Holocausto

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Por Rafael Narbona A chaminé de Auschwitz se converteu no símbolo mais radical e o fio de nossa memória não cessa de regressar a essa imagem buscando uma causa capaz de explicar a transformação de seres humanos em colunas de fumaça. Ernst Nolte afirma que não havia nenhuma crueldade neste procedimento. Simplesmente, se tratava de eliminar os responsáveis por um rumo histórico indesejável. Imre Kertész era só um adolescente que vivia em Budapeste, quando Eichmann realizou o milagre burocrático de enviar em alguns meses algo perto de 325 mil judeus húngaros aos campos de concentração alemães. Kertész era judeu, mas não descobriu o que isso significava até que sofreu a experiência da deportação. Sua estadia em Auschwitz foi muito breve (apenas três dias); o resto de seu cativeiro se passou entre Buchenwald e Zeitz. Esse translado significou a passagem de um Vernichtungslager (campo de extermínio) a um Arbeitslager (campo de trabalho). Kertész podia ter relatado sua expe

As mentiras de “O nome da rosa”

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Por Agustí Fancelli  “Tinha vontade de envenenar um monge”. Essa foi a razão de peso que Umberto Eco diz em suas Pós-escrita a O nome da rosa sobre os motivos que o impulsionaram a publicar, três anos antes, em 1980, seu grande romance histórico. Anteriormente o professor de semiótica da Universidade de Bolonha havia escrito apenas ensaios – alguns com muito êxito, como Obra aberta , Apocalípticos e integrados ou Lector in fabula que seus discípulos leram com fruição. O nome da rosa se converteu de maneira fulgurante num Best-Seller. E de alguma maneira o admirado professor deixou de ser patrimônio daqueles estudantes para abraçar o grande público. Não nos surpreendeu: sabíamos de sua extensa habilidade para ir de São Tomás de Aquino a Snoopy, do Superman a Joyce, do Beato de Liébana a Agatha Christie e Mafalda passando por Gertrude Stein, os irmãos Marx e a música de Luciano Berio ou John Cage. Um tipo assim estava chamado a sair dos limites da aula. Confesso, en

Dez curiosidades sobre a vida e a obra de Agatha Christie

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Agatha Christie alcançou até a terceira idade, lúcida e produzindo. Dividida entre os últimos romances policiais, a possibilidade de se reinventar com um novo nome, um novo estilo, e vendo-se incapaz de construir algo que superasse o que já havia feito, ou que menos se aproximasse, a escritora rendeu-se e foi escrever suas memórias. A vida não foi má com ela; não há nada de impactante ou misterioso, qual a obra que construiu, na sua biografia. E mesmo sua autobiografia revela uma mulher típica de seu tempo, a Inglaterra vitoriana, de vida plácida, sem grandes desassossegos. Então, as curiosidades aqui reveladas denotam mais os limites alcançados pela grandiosidade de uma técnica simples que usou com todas as variações possíveis a forma que lhe deu sucesso já na estreia literária em 1920. Vida • Apaixonada por viagem, Agatha chegou a dar volto ao mundo e fez várias expedições ao mundo antigo acompanhada do segundo companheiro, que era arqueólogo. Quando jovem, nessas viagen

Lawrence da Arábia, de David Lean

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Épico ambientado o deserto explora, na forma de espetáculo, os limites do indivíduo alçado à estatura de herói Se há um sinônimo para cinemão, este foi durante anos identificado com os filmes de David Lean. O aumentativo se justifica por seu completo domínio nas narrativas de dramas épicos, no uso recorrente do formato cinemascope, pelo apuro visual de tirar o fôlego (era capaz de esperar dias por um pôr-do-sol perfeito) e pela longa duração de seus filmes. Lean já era um veterano de histórias fascinantes (como Desencanto, de 1945, e as duas adaptações de clássicos de Charles Dickens – Grandes Esperanças , de 1946, e Oliver Twist , de 1948) quando, na década seguinte, só confirmou sua habilidade em produzir espetáculos, como A ponte do rio Kwai, de 1957. Ao longo dos cinco anos seguintes, o diretor entregou-se à difícil tarefa de traduzir em imagens as reflexões existenciais e políticas do escritor T. E. Lawrence, oficial que liderou as forças britânicas em combate

O último amor de Goethe

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  Por Luis Fernando Moreno Claros Um dos raros registros de Ulrike von Levetzow, o último amor de Goethe “O amor, cujo poder sente a juventude, combina mal a velhice”. Sobre esta máxima de Goethe que, da experiência adverte contra as paixões extemporâneas, trata os textos “O homem de cinquenta anos” e “Elegia de Marienbad”, e entre a diversidade de pontos de vista aí assumidos está o último episódio amoroso na vida do autor do Fausto . Na edição espanhola, que copia a singular novela “O homem de cinquenta anos” e os célebres poemas que compõem a chamada Trilogia da paixão, entre eles, “Elegia de Marienbad”, a organizadora, Rosa Sala, recolheu numerosos fragmentos de cartas, diários privados e entrevistas pertencentes a várias personagens do entorno de Goethe. Corria o ano de 1823, quando o nobre conselheiro privado da Corte de Weimar, Johann Wolfgang Goethe, um escritor famoso em toda Alemanha, já septuagenário, se apaixonou como um adolescente por uma linda garota q

Lêdo Ivo

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“Desde a infância eu desejava ser um poeta e escritor. A prosa das primeiras leituras me levava a viver aventuras nos mares do Sul – aos navios-piratas que desfraldavam uma bandeira negra, com uma caveira branca no centro, à busca de tesouros escondidos em ilhas desertas, a tempestades e naufrágios.” Lêdo Ivo, O vento do mar Falastrão. Este é o epíteto que colecionamos a partir de uma declaração do próprio Lêdo Ivo dada ao poeta pelo amigo João Cabral de Melo Neto. A história foi contada ao jornalista Geneton Moraes Neto numa entrevista feita há cerca de dez anos e agora publicada no seu blog: “João foi um grande amigo meu, mas tínhamos temperamentos diferentes. Enquanto ele ia para um lugar, eu ia para outro. Dizia que eu falava muito; achava que só a morte é que me reduziria ao silêncio.” Pela ocasião dessa amizade, João Cabral lhe escreveu um epitáfio: Aqui repousa Livre de todas as palavras Lêdo Ivo, Poeta, Na paz reencontrada de antes de falar E em silêncio

O grande Gatsby e a história de uma capa

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1ª edição de O grande Gatsby  - a capa que se tornou ícone - mais até que o próprio romance - levou bom tempo para ter o resultado final. Levado ao cinema cinco vezes (leia aqui sobre as produções) o livro de F. Scott Fitzgerald que projetou o autor a ser reconhecido por sua literatura ao redor mundo chega em 2013 com bem vividos 83 anos inteirados no último dia 10 quando foi publicado pela vez em Nova York. Tudo começa quando Nick Carraway, um jovem comerciante da região Centro Oeste dos Estados Unidos, torna-se amigo de seu vizinho, o milionário Jay Gatsby, conhecido pelas badaladas festas na sua mansão em Long Island. Símbolo do sonho americano, o status milionário de Gatsby desperta especulações: nada mais natural num período em que todos estão movidos pela mesma sede de chegar aonde ele chegou e mais ainda que, em torno de fortunas como sua fortuna, conseguida assim como obra do acaso, sempre se formam confabulações sobre como conseguiu alcançar o feito da multiplica

As contradições de um romance

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Boris Pasternak será sempre lembrado não pela sua poesia – gênero que terá praticado com certa maestria – mas pelo seu romance Doutor Jivago . Do poeta, Ángel Fernández-Santos o designa como alguém “comprometido com seu ofício, pois criou arquipélagos de luz e de serenidade em tempos obscuros, tempestuosos e nunca obedeceu à realidade, mas criou outra mais habitável pela a gente humana. Sem ser um revolucionário, lutou com suas armas pela revolução enquanto esta foi quando tinha possibilidades de se realizar degolada por Stálin. Sobreviveu a Maiakóvski e Yesenin sem convicção e hoje segue ditando lições de ser russo”. Doutor Jivago foi o romance que custou ao autor a repressão do regime comunista; foi o romance transformado em panfleto pela guerrilha estadunidense no processo de derrocada do regime; foi o romance que lhe deu a fama que talvez nunca tivesse chegado se esperasse pela poesia; foi o título que chamou atenção para a Academia Sueca se decidir por entregar-lhe o Pr

8 ½, de Federico Fellini

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Crise criativa conduz artista a romper amarras e a se lançar numa viagem estética sem bússola  Em 1963, Federico Fellini levou, com  8 ½ , seu cinema a novos patamares. Se seus filmes “realistas” dos aos de 1950 já possuíam forte carga onírica e pessoal (a protagonista de  Noites de Cabíria , de 1957, era uma referência às mulheres de rua que o diretor conhecera), a partir de  A Doce Vida  (1960) a subjetividade do diretor só se acentuou. Em  8 ½ , seu filme assumidamente mais autobiográfico e delirante, funde fantasias pessoais no universo do protagonista, Guido Anselmi (Marcello Mastroianni).  Guido é um cineasta quarentão que vive um vazio criativo (tal como Fellini, vítima da mesma situação) e parte para uma instancia hidromineral a fim de encontrar o sentido de sua vida. Vários flashbacks traçam momentos importantes de sua vida, como a repressão católica (outro dado tirado da biografia felliniana) e suas aventuras com mulheres. Estas, por sua vez, empurram

Dan Brown. J K Rowling. Paulo Coelho. Nietzsche: sobre a fenomenologia nova na literatura

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Por Pedro Fernandes A Literatura Universal (que se frise também a brasileira) tem passado por transformações tantas desde o rompimento com o Clássico em meados do século 18. A partir de então descortinam novas ondas, antes menos pretensiosas, agora freneticamente carregadas de pretensões. Dentre estas a mercadológica talvez seja a mais subjacente. Imaginava-se ao cortar as algemas que se tinha como Clássico uma liberdade literária. Em meio a isso tudo que assistimos, tomemos cuidado para que não se torne libertina se é que isso não já aconteceu. Analiso como suporte a essa crítica alguns escritores que emergiram neste cenário da contemporaneidade, são fenômenos de crítica e público e faço uma breve relação com a teoria acerca da cultura ocidental, de Friedrich Nietzsche; filósofo alemão nascido em 1844. O primeiro, Dan Brown, febre mundial pela polêmica incutida no seu primeiro texto O código Da Vinci ; texto esse carregado de um suspense bem construído, desarmado, porém,