Maria Madalena Antunes

Madalena Antuntes, 1940. Foto: arquivo Lúcia Helena Pereira



Maria Madelena Antunes de Oliveira nasceu no dia 25 de maio de 1880, no engenho Oiteiro, município de Ceará Mirim; filha do coronel José Antunes de Oliveira e Joana Soares de Oliveira. Posteriormente, ao se casar com Olympio Varela Pereira, passou a assinar Maria Madalena Antunes Pereira, tornando-se, a partir de 1958, mais conhecida como a Sinhá - Moça do Oiteiro.

Para os que conheceram a escritora, falam de uma Madalena Antunes criança alegre, virtuosa, cheia de amor pela família, pelos irmãos Juvenal Antunes de Oliveira, que foi poeta, Etelvina Antunes de Lemos, também poeta e Ezequiel Antunes de Oliveira.

Senhorinha ou Sinhá de engenho, Madalena parece não ter levado a alcunha muito ao pé da letra; relatos dizem ter sido ele afetiva e carinhosa para com as filhas de escravos; citem-se Tonha e Patica, "crias da casa do coronel", com as quais apegou-se, em correspondida afeição, além, da fidelidade das jovens mucamas, suas companheiras diletas nos tempos de criança.

Do engenho Oiteiro, Madalena Antunes mudou-se com a família para Natal. Já pela época escrevia seus manuscritos no palco do velho terraço da casa da avenida Hermes da Fonseca, 700, a título de fuga de seus momentos de solidão. Vale salientar que Madalena está numa época de muitos preconceitos ao papel da mulher na literatura e em outras atividades quase que destinadas apenas ao homem. Mas, preconceitos à parte a escritora desenvolveu fortes laços com intelectuais como Luiz da Câmara Cascudo, Manoel Rodrigues de Melo, Esmeraldo Siqueira, Veríssimo de Melo, Nilo Pereira, entre outros. Foi do convívio com o meio que surgiu a possibilidade para editoração e lançamento do seu livro, o qual, em manuscritas páginas já estava concluído. 

"Os preparativos para o lançamento do livro de vovó foi um acontecimento raro! Presenciei essas cenas por algum tempo, observando a empolgação dos intelectuais diante da perspectiva de uma norte-rio-grandense infiltrar-se no mundo literário. E foi desses nomes da nossa rica literatura, que ela recebeu os melhores estímulos, até que, através do contato de Câmara Cascudo e Nilo Pereira, com um escritor pernambucano, seus manuscritos chegaram à Editora Irmãos Pongetti (Rio de Janeiro) e o livro foi editado com o apoio da Casa Euclides da Cunha, Coleção Nísia Floresta em 1958."
(Lúcia Helena Pereira, escritora e poeta)

"Largo é o sorriso que me acompanha e estreito o caminho daqueles que não compreendem as poesias da alma. Eu sou apenas uma mulher feliz, alguém que aprendeu a canalizar os sentimentos, sem se queixar diante dos embates da vida! Madalena Antunes!"
(palavras anotadas, em letras de forma, na contra capa em cartolina, do rascunho do livro, oferecido à neta Lúcia Helena Pereira)

Com toda a movimentação para o lançamento do seu livro, Madalena foi surpreendida com a visita de Maria Tereza, redatora-chefe da Revista carioca Da mulher para mulher, 1958, para uma entrevista.

"Como a senhora se sente ao publicar o seu primeiro livro, com tantas manifestações de carinho, notícias em jornais, intelectuais cercando-a a todo instante? E esse terraço, haverá um história?

"Saí de um vale encantado para a cidadezinha dos Reis Magos. Aqui, então, fui reunindo as minhas reminiscências e encontrando escritores que me incentivaram na árdua caminhada. Deixar o Oiteiro e a velha Ceará-Mirim - O Solar Antunes, para morar em Natal, deu-me algumas vantagens e os primeiros vislumbres intelectuais. Por outro lado, venho sentindo falta da minha paisagem de infância, da mansidão do vale, dos parentes e amigos que lá ficaram. Quanto ao terraço, nele está a fronteira do meu pequeno grande mundo, a minha “ilha”, o meu refúgio, a mangueira frondosa e bela! Afinal, as árvores também saem dos seus lugares e dão sombras e frutos, e os pássaros pousam e cantam as suas lindas estrofes musicais! Sobre o meu livro, creio que a vida vai escrevendo a nossa história e o Oiteiro vai me levando de volta a um tempo ameno, cheio de poesia e beleza, ao meu “templo” de gratas recordações que vou deixando para as novas gerações.

Então, somente as recordações e saudades do vale levaram-na a escrever um livro?

Foram os encantamentos da infância que enriqueceram as minhas lembranças; o feitiço do Oiteiro com suas perfumadas auroras e os crepúsculos enchendo-me de inspirações! O Oiteiro, o velho engenho com o oitizeiro à beira da estrada! Aquele pedaço de céu foi o palco iluminado das minhas recordações! A fonte perene dos meus sonhos de menina! Saiba, Maria Tereza, desde criança fui aprisionando no coração as minhas lembranças, o que não imaginava é que, um dia, elas seriam impressas nas páginas de um livro. Creio que isso foi seduzindo o meu espírito e me privando da solidão comum desses novos tempos, na cidade. Escrever, pelo menos para mim, é um belo exercício da alma, uma forma de suprir as solidões e as saudades. E no Oiteiro, ficou o grande oitizeiro, o qual devo bendizer: Oh! Velho oitizeiro, figura do passado, templo de minhas primeiras impressões! Quantas coisas recordas! Oh! Árvore do pomar da minha felicidade!"
(trecho da entrevista)

Madalena Antunes morreu em 11 de junho de 1959, na mesma casa onde veio morar em Natal.

"Natal, 23 de março de 1935: Meu querido filho, Abel, hoje, dia do seu aniversário, quero dar-lhe minha benção espiritual, como o melhor presente que poderia ofertar-lhe neste dia tão especial. Ela vai perfumada do olor daquelas rosas, que você plantou, com tanto amor e cuidados, no jardim do meu coração. Plantamos, nos jardins da vida, muitos balcões de plantas preciosas. Qual a mais bela? Não saberia dizer. Mas, em você, meu filho, jamais encontrei a pequena graminha comum, entre as rosas do amor filial. Por tudo isso, peço - lhe, que quando chegar a hora derradeira, você possa entrelaçar as minhas mãos frias com as contas do rosário, onde oro por sua felicidade. Um beijo de sua Lhene (Madalena!)"
(fragmento de carta de Abel Antunes Pereira, pai da poetisa, Lúcia Helena Pereira, neta da escritora, recebida, em 1935, de sua mãe, Madalena Antunes)

Madalena Antunes, nasceu no engenho Oiteiro, morou no Solar Antunes - construído pelo pai José Antunes de Oliveira, costumeiramente passava férias na casa-grande do engenho Guaporé (construído na metade do séc. XIX, que pertencera ao Barão do Ceará-Mirim, Manoel Varela do Nascimento) foi a primeira mulher na história do Rio Grande do Norte, a publicar um livro regionalista e de memória.

"Outra obra de qualidade literária excepcional e que é, certamente, a mais interessante entre as aqui escritas no campo da memória é Oiteiro, da cearamirinense Madalena Antunes Pereira. Oriunda de uma família que já revelara um poeta extraordinário, Juvenal Antunes, e já na maturidade, revela-se aquela que se tornaria a mais importante memorialista, potiguar, aí incluída também a contribuição masculina. Esta afirmativa se justifica pela análise dessa obra enquanto transcendência do registro meramente biográfico. E o seu livro, como nenhum outro no gênero, em nossa literatura, revela-se, em vários trechos, como ótima e, em muitos outros como excelente literatura. Como uma atenta observadora do universo marcado pelo fausto da cultura canavieira, refletida no poderio de alguns Senhores de Engenho, na incampáravel beleza do vale, no romantismo das sinhazinhas, tão familiares essa escritora temporã e de um só livro vai registrando, movida por grande sensibilidade, tudo o que sob sua ótica tinha importância. E o faz tão bem, como tamanho talento memorialístico, que o privilegiado leitor acaba concordando, digamos assim, com a sua escolha. Não surpreendente que ao passar do crivo cascudino, o registro memorialístico dessa filha da aristocracia cearamirinense tenha feito, o mesmo, entusiasmado invocar Helena Morley, a de Minha vida de menina que tanto encantou a intelectualidade brasileira na época de seu lançamento, continuando ainda hoje, a interessar à nossa melhor crítica. É que, embora pertencendo a extratos sociais e culturas diferentes, como o livro da inquieta e vivaz menina mineira, o de Madalena Antunes é narrado com graça de uma personagem onde se confundem inteligência e autenticidade, esperteza e bastante humor, mas que contém, igualmente, a marca de uma observadora perspicaz que não abre mão de consignar aspectos interessantes da sociedade em que viveu e os resgata, enfatizando, pela via literária, sua importância etnográfica, sociológica, genealógica, historiográfica, folclórica. De Oiteiro, bastaria uma página, onde a memorialista narra o sonho da negrinha Tonha (de ultrapassar um dia os limites do engenho, onde a fantasia expande apenas na sessão de estórias em Patica), numa viagem imaginária a "Olindra", para que merecesse reconhecimento em qualquer literatura."
(Tarcísio Gurgel)

"Tomava parte em nossos serões a negrinha Tonha esparralhada no chão, coçando os pés e não perdendo uma só história de Patica.
Nos lances às vezes aterradores, de passagens de gibóias engolindo incautas crianças, fantasmas de um olho só no meio da testa, correndo pelos desertos e fazer penitência, as crianças ficavam de olhos esbugalhados e cabelos em pé.
Nesta altura, cotucava-me a Tonha: - Sinhá Lica, estou toda arrepiada! Mas, os seus grandes olhos de jaboticaba cresciam mais e arredondavam-se, oscilando como pêndulo de relógio, de um lado a outro, quando nas novelas aparecia um "lobisomem" e Patica, encarando-a sizuda, dizia: "Era o homem que comia barro..."
Neste caso, eu é que cotucava a Tonha...
Não sei se as histórias da nossa excelente contista influíram para as travessuras na negrinha que falava puxando os r r...
Ficam recordadas algumas:
Uma vez me afirmou, em tom confidencial, que ia à cidade de "Olindra". Decorridos dias, falara num lugar encantador chamado "Olindra", onde havia coisas fantásticas e fabulosas. Perguntava-lhe admirada:
- Tonha você conhece a cidade?
E ela, com um muchocho e alguma gravidade:
- Ora, se eu não conhecesse não falava; e mesmo a gente só fala do que conhece? Já vi perfeitamente a cidade de "Olindra" em livros da estante o Doutô Meira. Quando vou lá com Tetê, minha avó, leva presente da Sinhazinha pra mulhé do doutô, assim que tenho uma escapula rumexo nos livro!
Fazia uma pausa, revirava os olhos e continuava: Sinhá Lica não sabe daquela moda que fala numa rua de briante só pra meu passiá? Pois aquela rua é na Olindra...

...

Pasma, perguntava-lhe: Tonha, e o que o francês? Respondia, estalando a língua: coisa muito facir: - Faca é garfo; caneta é lápis; livro, pote, onde a gente bebe água; vinho, água; farinha, arroz; e assim por diante. É só trocá o nome das coisa. O fabriqueiro lá da Igreja, quando está contando história do tempo antigo aos menino diz que na torre de Babé foi assim... De repente tudo ficou atrapalhado purquê começaram com a ganança e Deus castigou trocando os nome das coisa. Aí saiu o inguilês, o francês e o alemão.

...

(fragmentos de Oiteiro, Capítulo V, Tonha e Patica)

Essa contribuição masculina de que fala Tarcísio Gurgel acima, diz o autor em nota, foi trazida em períodos diversos por, entre outros, Eloy de Souza, Memórias; Clementino Câmara, Décadas; Luís da Câmara Cascudo, O tempo e eu, Ontem e Na ronda do tempo; João Maria Furtado, Vertentes; Augusto Severo Neto, Ontem vestido de menino; Raimundo Nonato, Memórias de um retirante; Artéfio Bezerra, Memórias de um sertanejo; Geraldo Batista, Moleque do Acari. Entre as mulheres há também um interessante livro que sequer chegou a ser notado, Menina Feia e Amarelinha, de Chicuta Nolasco. Registre-se ainda a narrativa romanceada de Nilo Pereira, Rosa Verde, que embora tenha sido marca dum estilo inconfundível, se frusta, justamente na indefinição do seu autor e oscila perigosamente entre um e outro gênero. (T.G.)

"Um livro amorosamente cultivado como quem cultiva uma amizade, ou quase um mito – é um passado que nos arrasta à contemplação de uma cidade, romântica à sua época, é uma viagem que se faz do Ceará-Mirim ao colégio São José no Recife.

O Ceará-Mirim dos seus grandes dias está nessa lembrança da menina que se fez sinhá-moça e senhora de engenho, escritora e poetisa, aquarelista do vale.

Aquela que viu crescer uma civilização na doçura do canavial, que viveu mergulhada sempre num sonho, quer escritora ou pianista, no seu sobrado antigo, do qual fez uma admirável descrição”.
(escritor Nilo Pereira, em seu livro Imagens do Ceará-Mirim ao falar do livro Oiteiro)


Todo o texto que se segue até antes da citação do professor Tarcísio Gurgel foi escrito graças às anotações da neta da escritora Lúcia Helena, registradas no blog Vivi Eventos. O restante dos detalhes são de Tarcísio Gurgel em Informações da literatura potiguar.


Comentários

LÚCIA HELENA disse…
Olá, Pedro,

Li essas páginas do seu site, sobre vovó Madalena.
Amanhã, 25 de maio, seu aniversário de 130 anos.
Só uma correção sobre "antiga casa-sede do engenho da família".
Não, Pedro, o Solar Antunes, construído pelo meu bisavô, era a residência patriarcal. Do solar iam para o Guaporé, onde festas inesquecíveis aconteciam. O Guaporém dos meus trisavós: Manoel Varela do Nascimento e Bernarda Dantas Varela.

Beleza essa matéria.

Abs.


Lúcia Helena Pereira

www.outraseoutras.blogspot.com

xiscada@hotmail.com

84 - 8821 - 5195
Salles Jr. disse…
Onde posso encontrar o livro Outeiro?
Pedro Fernandes disse…
Olá, Salles Jr.

Fiz algumas buscas online e não encontrei de nenhuma maneira o livro. Se eu tivesse uma edição lhe conseguia uma cópia. Mas, perdi numa das mudanças. Entre em contato com o pessoal do Sebo Vermelho. Geralmente eles têm livros raros da literatura potiguar, ou se não, podem oferecer alguma recomendação de onde encontrar.

Saudações.

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