O hábito da leitura

Por Pedro Fernandes


Ser culto é não ser curto






Imaginemos viver um só dia apenas como analfabeto. Sem ler. Será que conseguiríamos? Num mundo como este, em que a leitura é fundamental, seria possível passar por tal experiência? Bom, creio que não há como ou necessidade de passarmos por essa experiência se ao menos não formos atingido por alguma dessas fatalidades neurológicas. Entretanto, conhecemos os que ainda não tiveram a oportunidade de aprender a ler e são pessoas que vivem essa experiência diariamente.

Não saber ler devia ser considerado deficiência. O analfabeto vive preso apenas a um mundo e os múltiplos mundos feito com palavras só acessa pela intuição. É como andar no escuro.

Agora, o Brasil padece de uma deficiência outra. Os que sabem ler não sabem o que leem. Não tiram proveito da leitura. Nesse grupo, estão aqueles que quando leem alguma obra literária, por exemplo, não sabem ou não conseguem construir um sentido que valha sobre o que leram. 

Ler não é apenas o processo de decodificar o escrito e redizê-lo. Através da leitura aprendemos e guardamos aprendizados para toda uma vida. Mas, para tanto, é preciso um passo a mais: construir sentidos a partir do lido. 

Também padecemos de outra estatística negativa. Não lemos o quanto deveríamos ler. As pesquisas estão aí sempre reforçando que outros povos leem mais e nós sempre aparecemos na lanterna destas listas. Tudo isso porque por aqui ainda perdura o mito de que a leitura é, na verdade, uma perda de tempo. Lemos para ver o tempo passar. Lemos quando não temos nada a fazer.

Combina-se aos mitos desse tipo, o acesso ao livro. É baixíssimo o número de escolas com bibliotecas. E muitas possuem espaços defasados. É baixíssimo o número de bibliotecas públicas. É baixíssimo o número de livrarias. É baixíssimo o salário. Ainda estamos preocupados com o que comer e o dinheiro mal supre essa necessidade básica. Fecha o ciclo negativo: a carestia do livro.

É um mal estrutural. Começa pelo pensamento errôneo acerca da atividade da leitura e expande-se para a acessibilidade. Ler nunca será uma perda de tempo. Ler pode até ser um passar de tempo, mas necessariamente, se pela leitura entendo que posso enriquecer mais em termos de conhecimento linguísticos e em termos de conhecimento de mundo, não posso querer que o gesto da leitura seja mera perda de tempo. 

E para os que pensam que só os músculos precisam de exercícios, na era de uma academia em cada esquina, a leitura é o santo remédio para o exercício da mente. De mente atrofiada seremos sempre um país atrofiado.

Ficamos ricos cada vez que lemos um livro interessante. Disso sabemos. Ler é, pois, um hábito inteligente. Ler é não se prender num só mundinho. Ler é conhecer o mundo, ainda que não tenhamos a oportunidade de sair de onde estamos. 

Enquanto não mudarmos os péssimos números negativos da leitura, seremos essa sociedade analfabeta. Estaremos sempre presos nas rédeas que os outros adoram pôr na gente.

Ser culto é não ser curto.


Nota: este texto que posto hoje no Letras in.verso e re.verso foi escrito em novembro de 2002 e faz parte, portanto, daquele conjunto de textos que encontrei em alguns arquivos adormecidos e agora acordam neste espaço.

Comentários

Marcio Rufino disse…
Querido Pedro,

Sinto-me muito honrado com seu convite. Gostei muito do blog.

Visite http://emaranhadorufiniano.blogspot.com

Prazer.

Abrçs

Marcio Rufino
CLUBE DOS ESCRITORES DE ALVORADA
RIO GRANDE DO SUL
PODEREMOS TROCAR ALGUMAS LETRAS?
http://www.clubedosescritoresdealvorada.blogspot.com/

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