16 títulos indispensáveis: a literatura e as memórias de uma guerra

A Segunda Guerra Mundial foi um dos marcos assustadores de até onde podem ir os limites da maldade do ser humano. Quase todos os países do globo envolveram-se de uma forma ou de outra no conflito. Foram cerca de 60 milhões entre soldados e civis mortos nos confrontos e 6 milhões de judeus exterminados no pior genocídio da humanidade. Um conflito tão vasto, tem também um campo vasto de bibliografia sobre. Letras in.verso e re.verso toma por base os textos do Dossiê Memórias da guerra, produzido pela antiga Revista Entrelivros e destaca as obras literárias mais importantes que tratam do maior conflito do século XX.

Ficção

1 – As benevolentes, de Jonathan Littell. O livro cujo título faz alusões às Erínias (ou Fúrias, as figuras mitológicas encarregadas de atormentar os criminosos e as chamadas por Ésquilo de “benevolentes” na Orestéia) dá voz a um nazista convicto e cínico, Max Aue, que ao longo de 900 páginas, sem remorsos, registra os crimes e perversões das quais participou.

Günter Grass

2 – Nas peles da cebola, de Günter Grass. Autor de O tambor, um dos maiores da literatura alemã, Descascando a cebola tem tom e caráter diferente do livro anterior, por se tratar de um livro autobiográfico, em que Grass confessa ter servido na SS, tropa de elite nazista, no final da Segunda Guerra Mundial, quando tinha 17 anos de idade.

3 – O castelo na floresta, Norman Mailer. Um demônio chamado D. T. vem a lume escancarar as raízes familiares e os primeiros anos de vida de Adolf Hitler. Mailer transforma em verdade muitas das especulações que cercam as origens familiares e a primeira infância do pequeno Adi, dando destaque compulsivo aos detalhes picantes de forma a exagerá-los.

Memórias

1 – O diário de Anne Frank. Anne Frank (1929-1945), seus pais e a irmã Margot, e mais quatro amigos da família, num total de oito pessoas, permaneceram quase dois anos escondidos no anexo secreto de um edifício comercial em Amsterdã. A família Frank, de origem alemã, deixara o país natal logo depois que Hitler assumiu o poder e a perseguição aos judeus se intensificou, no final da década de 1930. Na Holanda, os Frank encontraram tranquilidade, mas só por algum tempo. Na tentativa de evitar a deportação iminente, optaram pelo esconderijo e não pela fuga. Após uma denúncia anônima, em agosto de 1944, foram presos e levados para Auschwitz. Anne e Margot tiveram de seguir pouco depois para Bergen-Belsen, onde morreriam de tifo duas semanas antes de o campo ser libertado por soldados britânicos. Seu diário foi encontrado pelo pai, Otto Frank, único sobrevivente dos oito habitantes do anexo secreto, assim que retorna de Auschwitz, em 1945.

2 – É isto um homem?, Primo Levi. O livro é inspirado na experiência em Auschwitz, para onde Primo Levi (1919-1987), então um jovem químico, havia sido levado em 1944, após participar de um grupo de resistência ao fascismo na Itália de Mussolini. Levi esteve no chamado “campo da morte” por onze meses e sobreviveu por alguns fatores, entre os quais o fato de compreender um pouco o idioma alemão e por ter sido considerado útil trabalhando no laboratório.

Cena de O pianista.

3 – A morte de uma vida (republicado em 1998 como O pianista), Wladyslaw Szpilman. O judeu polonês Wladyslaw Szpilman (1911-2000) era pianista clássico de uma rádio de Varsóvia quando seu país foi invadido pelas tropas de Adolf Hitler, em 1939. Quando sua família é deportada, ele consegue escapar por acaso. Esconde-se no gueto de Varsóvia e, quando este é desocupado, transforma em esconderijo edifícios abandonados da cidade durante mais de dois anos. É salvo, ao final de uma combinação de sorte e astúcia, por um oficial nazista que também gostava de música clássica. Szpilman escreveu suas memórias pouco depois do fim da guerra.

4 – Suíte francesa. Irene Nemirovsky (1903-1942) já era escritora quando foi levada do vilarejo francês para Auschwitz. Suíte francesa é resultado de um manuscrito encontrado por sua família seis décadas depois de sua morte.

5 – Amiée e Jaguar, Érica Fisher. A autora nascida em 1943 não viveu diretamente a experiência da guerra. Nascida na Inglaterra durante o exílio dos pais austríacos, Amiée e Jaguar, que assim como O pianista, de Wladyslaw Szpilman, se tornaria filme em 1999, conta a história de Elisabeth Wust, dona de casa alemã, casada com um oficial nazista e Felice Schragenheim, jornalista judia.

O que restou da guerra

1 – A sétima cruz, Anna Segheres. Apesar de não ser uma obra publicada no pós-guerra, ela data de 1942, seu tom é eminente o de um pós-guerra ou a demonstração de um encorajamento às vítimas dos campos de concentração ao demonstrar a vulnerabilidade do Estado Hitlerista narrando a fuga de sete judeus – um deles exitoso – ao jugo do nazismo.

2 – Stalingrado, Theodor Plivier. Publicado em 1945, trata-se da primeira obra publicada na Alemanha pós-guerra. O romance mostra – documentária e factualmente – toda a miséria do País ao narrar a derrota do 6º exército alemão frente às forças russas no inverno de 1942-1945.

3 – Lá fora ante a porta (teatro), Wolfgang Borchert. Borchert é o grande nome da lost generation, vítima direta da tragédia da guerra; é o primeiro de uma série de escritores a analisar a volta de um combatente, Beckmann, a seu lar. Beckmann volta e não encontra sua pátria; ainda vê o mundo através dos óculos de guerra, factual e metaforicamente.

4 – Papoula e memória (poesia), Paul Celan. A obra é de 1952. Nela o leitor encontra o célebre poema Todesfuge, escrito em 1945, uma dança macabra, um jogo pervertido e melódico entre os assassinos nazistas e suas vítimas.

5 – A estética da resistência, Peter Weiss. A obra foi publicada entre os anos de 1975 e 1981 e é apesar de não ser sua obra de sagração, porque a que tomou esse caráter foi a peça Murat-Sade, em 1964. Em A estética da resistência Weiss leva o experimentalismo às últimas consequências e demonstra de maneira definitiva as convenções estruturais e formais do romance.

6 – Jakob, o mentiroso, Jurek Becker. Trata-se do primeiro romance do romancista, o primeiro de uma trilogia e é também sua obra-prima. A trilogia que aberta com esse romance dá conta da aniquilação dos judeus no Terceiro Reich. O romance Jakob, o mentiroso trata de uma cidade qualquer da Europa Central transformada em campo de concentração durante o regime nazista e Jakob, o personagem-título, é um dos prisioneiros que diz ter conseguido se apoderar de um rádio e espalha notícias ouvidas a seus colegas em primeira mão, declarando que as tropas russas avançavam a cada novo anúncio, colorindo assim a desgraça cinzenta da rotina dos prisioneiros. Tanto o rádio quanto as notícias são inventadas e o romance antecipa – com grande qualidade literária, humor e suspense – a temática abordada por Roberto Benigni, no filme A vida é bela. A trilogia de Becker encerra com Os filhos de Bronstein (1986), romance no qual o autor aborda a vida dos descendentes daqueles que viveram em campos de concentração, mostrando que a polêmica contra a perseguição aos judeus não é apenas uma tarefa da geração diretamente atingida.

Cena da adaptação de O leitor, de Bernhard Schlink

7 – O leitor, Bernhard Schlink. O romance narra a relação entre o adolescente de 15 anos Michael e Hanna, uma mulher 20 anos mais velha. Ela é forte e ele tem de “andar na linha” para não ser castigado com a privação de sexo. A relação é, entretanto, coroada por momentos de intensa afetividade, em que o adolescente lê em voz alta os clássicos da literatura universal para Hanna. Depois de meio ano juntos, Hanna desaparece de repente e Michael só a encontra anos mais tarde, por acaso, quando ela está sendo julgada por ter trabalhado para a SS em um campo de concentração. Hanna é condenada a prisão perpétua e Michael descobre o grande mistério que envolve a mulher: ela é analfabeta. Comovido, o rapaz passa a mandar fitas cassetes com os clássicos para a condenada. Esta fica 18 anos na prisão e aprende a ler e a escrever acompanhando as fitas, e um dia antes de ser solta se suicida.

8 – Escombros e caprichos (contos), Bernhard Schlink. A coletânea de contos publicada em 1999 é a amostra mais uma vez do brilhantismo da narrativa de Schlink. Se em O leitor, o leitor é coroado por uma linguagem simples e faceira, bem talhada, não difere em Escombros e caprichos, feixe de narrativas dotadas da elaboração e o do refinamento da linguagem. Destaque para o conto A menina com a lagartixa, uma volta ao passado nazista e a melhor produção do conto alemão contemporâneo. Longo, tocando as fronteiras do gênero, o conto oferece um painel dos anos 1950 na Alemanha – quando os reflexos da guerra ainda ofuscavam o lar de famílias aparentemente tranquilas – e combina magistralmente arte, literatura e história, ficção e clássicos e narrativa policial.


* Fonte e fragmentos de CASTRO, Rodrigo Campos. A marca da Maldade; MELLO, Anita C. de. Sobreviver à guerra; BACKES, Marcelo. A grande tragédia na ficção alemã. In: Revista Entrelivros, ano 3, n. 28, p. 23-31 e 36-39.


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