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Mostrando postagens de março, 2010

Incerto caminhar, de David Leite

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Por Pedro Fernandes Caminante, no hay camino, se hace camino al andar (António Machado) Na orelha da edição bilíngue de Incerto caminhar (Editora Sarau das Letras), do poeta David Leite, diz o poeta Fernando Gil Villa: Al final, el tiempo pasó sin pasar y en algún momento, David decidó irse a casa para escribido todo, aunque tardó mucho em llegar, porque el poeta es el único ser sobre la tierra que no tiene raíces, sino que las va echando continuamente, razón por la cual es incierto su caminar , y sin emabrgo, misterio de los misterios, llega más lejos que nadie (os grifados são meus). Parece-me que os termos em destaque definem bem o que o leitor encontra por esse caminho: um caminho que se é feito de palavras, de palavras que transpiram paisagens, sons, cores, cheiros, emanados todos de um veio que é o próprio veio da memória, esse fio de Ariadne que costura o livro de David, esse fio que é o próprio fio da viagem de idas e vindas "Na mesma estrada longa e sinuosa&

Cidade de Deus, de Fernando Meirelles

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A realidade da favela carioca serve como palco para uma história eletrizante sobre guerra de gangues do tráfico de drogas Cidade de Deus  foi o grande acontecimento do cinema brasileiro dito "da retomada" (ocorrido a partir dos anos 1990, com a quase suspensão da produção nacional pós-fechamento da produtora estatal Embrafilme). O longa de Fernando Meirelles foi dos mais populares trabalhos nacionais dos últimos anos. Além de aparecer com destaque na mídia internacional, fomentou uma larga discussão acerca de qual seria o "filme ideal" capaz de representar o Brasil e seus problemas sociais. Ao tocar em assuntos centrais do país (miséria e criminalidade), a obra rachou os intelectuais. Uns viram suas qualidades de entretenimento. Outros apontaram uma negação ao que o cineasta Glauber Rocha propôs como estilo adequado de retratar a pobreza do país - a chamada "estética da fome". O estilo aqui estaria mais próximo do cinema de ação de Hollywood, co

O Selo Letras in.verso e re.verso

O Selo Letras in.verso e re.verso dispõe, agora, de nova casa (pode acessá-la clicando aqui ). O espaço foi criado no dia 25 de março de 2010 e ainda passa por ajustes; já este selo foi criado no início do ano e é uma iniciativa a partir deste blog, visto que, depois da publicação virtual Um retrato de Joyce in amostra fotográfica  passaremos a editar material relacionado ao conteúdo do Letras . A empreitada de criação de um selo surge dado o número significativo de edições virtuais lançadas nos dois últimos anos pelo espaço e também porque é de nosso interesse a edição de materiais extras para acompanhar as postagens, tais como, contos, fotografia, poemas, excertos de romances etc. Isto é, não se trata de uma editora virtual e nem estamos abertos a receber textos para publicação pelo selo; poderá haver edições fora  desse universo do blog, se for para o interesse do caderno-revista 7faces , um periódico que também nasceu a partir do Letras e que terá vínculo com essa nova c

Lembranças, de Allen Coulter

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Por Pedro Fernandes Bem há uma série de questões a se falar desse filme (e falar mal como aponta a força da expressão). Mas, por que se dá ao trabalho de gastar saliva com uma obra ruim se nem crítico de cinema sou? Na pergunta está, pelo menos resposta: que o que vou dizer não deve ser levado a sério, porque não tem interesse de ofender o expectador capaz de se nutrir com histórias triviais. Apesar de minha leitura ser impulsionada por uma questão de gosto pessoal, não é para servir de atentado ao gosto de ninguém. É antes uma maneira de expressar por aqui a direção contrária dos comentários que me fizeram perder algumas horas, algum dinheiro, no cinema. Aqui é o legítimo caso de alguém que se deixou levar pelas expectativas (lógico, positivas )   de quando viu o seu trailer do filme. Sim, eles são feitos para fisgar futuros expectadores, eu sei; mas, há uns que mesmo essa ferramento oferece alguma barreira capaz de lhe impedir concluir o sacrilégio com a compra do ingresso

Pier Paolo Pasolini: metáfora por metáfora

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Por Alberto Giordano  Tantos anos depois de uma morte tão trágica como trágica foi sua personagem, a obra de Pier Paolo Pasolini segue no centro do debate intelectual e cultural que ela representa e quer representar; ninguém duvidará que é uma obra de força prodigiosa e de igual maneira provocativa. Muitos que tentam fazer um balanço provisório do entre-décadas 1975-1986 (depois de sua morte) sempre chegam à conclusão de que as contas não resultam de um todo exatas; falta assim algo como uma quarta dimensão, uma chave interpretativa não plenamente aceitável, mas iluminadora e inquietante; e o que falta é exatamente o ponto de vista de Pasolini, seu esforço autodestrutivo de encontra-se sempre no ponto mais incômodo. Por um lado, Pasolini nos aparece como a última e irrepetível figura do intelectual tradicional em sentido humanístico e por outro, o ponto de vista que ele representou deu extrema dignidade a um modelo de intelectual alternativo, destinado talvez a extingui

A garota de Mônaco, de Anne Fontaine

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Por Pedro Fernandes Às vezes, mesmo ao acaso, conseguimos não queimar o tempo à toa; geralmente tenho feito o trabalho de, antes de assistir a um filme no cinema, ler o crítica tem dito sobre. Resolvi, nesse caso, apenas apostar que estava indo a uma sessão Cine Cult e não poderia me decepcionar com o que encontraria por lá. Essa sessão ocorre na franquia Cinemark que, em Natal, funciona no Shopping Midway Mall; o horário tem sempre sido inconveniente. Mesmo não tendo uma hora fixada, sempre as sessões ocorrem às 14h; muito provavelmente uma provocação de que, quem vai ao cinema a essa hora é porque não tem o que fazer. Bom, ao menos o preço compensa: as sessões são mais baratas que as convencionais. Mas, o resultado é sempre sala quase vazia. E o filme de Anne Fontaine ficou marcado (por isso essas notas aqui no blog) como uma das melhores produções que até hoje vi nessas sessões Cult; afinal, sempre que posso estou lá.  A garota de Mônaco   é um filme da safra francesa de

Mário de Carvalho

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Nunca é demais sublinhar a extensa quantidade (e a qualidade) da literatura portuguesa contemporânea; a chegada de obras como a de António Lobo Antunes e José Saramago, sem dúvidas, dois grandes autores desse entre-século, parece que (embora um fenômeno não leva a outro, é verdade) deu força para o soerguimento deste cenário. E um dos nomes, entre tantos que chegam deste lado do Atlântico é o do escritor Mário de Carvalho, autor de uma vasta obra que se afirma como uma das mais importantes entre as produções literárias pós anos 1980. Não é uma literatura fechada apenas num tipo textual, mas desenvolvida entre a prosa curta, o romance e o teatro. Mário de Carvalho nasceu em 1944 em Lisboa, mas a forte ligação da família com o Alentejo colocou-o desde cedo em relação com um tipo de vida marcado pela miséria do trabalho forçado nos graves anos em que o seu país viveu sob o domínio execrável da ditadura. A própria geração dos pais do escritor fora vítima do regime, e mais dire

Raul Pompeia

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A vida de Raul Pompeia foi breve. E agitada. Nasceu a 12 de abril de 1863 em Jacuecanga, interior de Angra dos Reis, Rio de Janeiro. O pai, Antônio d’Ávila Pompeia, formado pela Faculdade de Direito de São Paulo e herdeiro de uma tradicional família de cafeicultores da região de Rezende, havia se instalado aí para assumir o cargo de juiz municipal. A estadia durará de entre 1859 e 1873, quando se muda em definitivo para o Rio de Janeiro. Neste ano, o filho é matriculado como aluno interno na 3ª série primária do conceituado Colégio Abílio, no bairro das Laranjeiras; ficou aí pelos quatro anos seguintes. Os leitores que costumam estabelecer conexões entre a biografia do autor e sua obra, costumam creditar que esse período fermentou a realização do romance pelo qual Raul Pompeia ficaria reconhecido ― O Ateneu . Publicado em 1888, primeiro em folhetins no jornal Gazeta de notícias e depois em livro, este livro passou para o cânone literário brasileiro por razões de variada

A viagem do elefante, de José Saramago

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Por Pedro Fernandes O caráter fabulador das viagens, reais ou imaginárias, já foi posto à prova pelo escritor português. Cito para efeito as rotas alteradas de Blimunda a vagar nove anos por territórios da Ibéria à busca de seu amado Baltasar em Memorial do convento , as rotas sem rumos de uma barcaça gigante de pedra a vazar o Atlântico e de seus habitantes em A jangada de pedra , as rotas de uma viagem marítima em torno de si em O conto da ilha desconhecida , as rotas condenadas e coordenadas por deus a Caim, no seu recente romance homônimo, ou ainda, a viagem real empreitada por um guia turístico por Portugal em Viagem a Portugal . Como todo grande escritor, em Saramago a viagem é tema recorrente em sua escrita, até o aflorar na doce frase que epigrafa esse seu mais recente livro, "Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam". A viagem do elefante  vem mostrar que tudo na vida, inclusive ela própria é peremptória, é território movediço, placa em movimento, rota ca

Literatura e uso

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Por Pedro Fernandes Por causa destas faltas e outras semelhantes é que pomos a inventar histórias de tesouros, ou já as encontramos inventadas, sinal de muita necessidade antiga, não é só de hoje. E há avisos que devem ser entendidos com muita atenção, ao mais pequeno engano desfaz-se o ouro em pez e a prata em fumo ou fica um homem ceguinho, têm-se visto casos. (José Saramago, Levantado do chão ). Do interior da materialidade de outras reflexões que costurei acerca da Literatura eis que se me apresenta mais esta: Literatura e uso. Chamo-a aqui e acho por bem colocá-la em pauta. É sobre tal relação de que este texto trata. Há vários sentidos com que empregamos a palavra “uso” e, consequentemente, vários sentidos para a relação aqui proposta. Mas o que eu quero é justamente aquele uso corriqueiro que leva em consideração o sentido de “manipulação” do texto literário; sobretudo do texto literário enquanto matéria de estudo no campo dos estudos da linguagem. Acerca de

Chico Buarque

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Novamente ponho meu Saramago na estante para dá lugar a outro escritor; já muitas vezes o fiz isso desde que me decidi por estudar o escritor português, em meados de 2006. Se não me perco nas contas e na sequência foi para falar de Carlos Drummond, depois de João Cabral de Melo Neto, Auta de Souza, e mais recente, Jorge Amado; enfim, tenho estado a passear por outros nomes tão importantes quanto o nosso Nobel. Agora, é para falar de Chico Buarque, ao preparar uma fala para um congresso que terá lugar em finais de abril desse ano em Recife. E por está entretido em Chico por esses dias quero deixar alguns dados sobre esse escritor, já eleito pela crítica estrangeira, o nosso Kafka. Vale salientar que Chico - como é sabido de todo o público nacional - começa pela música e desde então tem sido senhor de uma vasta obra - seja pelas peças teatrais, seja pelos romances, estes iniciados sua safra em princípios da década de 1990, quando da publicação de Estorvo, considerado oficialmente

Quanto Mais Quente Melhor, de Billy Wilder

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Eleita a melhor de todos os tempos, comédia reúne dupla de homens travestidos e Marilyn Monroe em seu auge Apesar de ter se tornado célebre pelo humor e ironia de sua obra, a carreira de Billy Wilder pode ser dividida entre títulos sérios - Pacto de Sangue  (1944), Farrapo Humano  (1945), Crepúsculo dos Deuses  (1950) - e comédias escrachadas - O Pecado Mora ao Lado  (1955), Se meu Apartamento Falasse  (1960), Beija-me, Idiota  (1964). O exemplo supremo do segundo grupo é Quanto Mais Quente Melhor , considerado pelo próprio cineasta sua maior obra-prima. É também, ao lado de O Pecado Mora ao Lado , o trabalho pelo qual Marilyn Monroe costuma ser mais lembrada, embora, durante as filmagens, ela estivesse vivendo sérios problemas pessoais que a levariam à morte poucos anos depois. Outro empecilho era sua enorme dificuldade em decorar diálogos. Foram necessários alguns malabarismos, como colocar frases em gavetas, para ela se lembrasse das falas. Durante a Depressão, Joe (Tony Cur

Pelo Dia Nacional da Poesia, um grande poeta (Parte 2)

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Desde 1h da manhã do dia 14 março de 2010, iniciamos no Orkut uma brincadeira leve e doce. É Dia Nacional da Poesia, e pela data seguimos o que falamos em nota aqui , seguimos enviando poemas de Paulo Leminski; ele o poeta que nos guia nesse brincar. A cada instante temos espalhado como torpedos virtuais com os versos breves do grande poeta. 1h33: "noite alta lua baixa/ pergunte ao sapo/ o que ele coaxa" 12h55: "pelos caminhos que ando/ uma dia vai ser/ só não sei quando" 14h35: "isso de querer/ ser exatamente/ aquilo que a/ gente é ainda/ vai nos levar/ além" 15h33: "não fosse isso/e era menos/não fosse tanto/e era quase" 16h18: "- que tudo se foda, /disse ela,/ e se fodeu toda" 16h35: "vazio agudo/ ando meio/ cheio de tudo" 16h37: "você está tão longe/ que às vezes penso/que nem existo//nem fale em amor/que amor é isto" ** E a brincadeira continuou até o fim do dia: 18h36

Pelo Dia Nacional da Poesia, um grande poeta (Parte 1)

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noite alta lua baixa pergunte ao sapo o que ele coaxa Estes versos podem muito bem serem associados a outros versos imortais "Um galo sozinho não tece a manhã/ ele precisará sempre de outros galos", sendo que estes, do genial João Cabral de Melo Neto poderiam e vem antes. Mas, fundido o poema de João com este da epígrafe teríamos uma tensão e/ou pulsão poéticas de força tamanha como se se encontrassem duas grandes estrelas para formação de um sistema outro de sentidos. A quem ainda não conhece os versos que abrem esta post, apresentamos: trata-se do outro genial poeta, o curitibano Paulo Leminski. Se em João Cabral, os galos estão para a "trupe" dos próprios poetas e um canto de que uma manhã não se tece em apenas um grito, mas em vários, em Leminski os mesmos poetas - na "trupe" dos sapos - estão fundidos num coaxar na noite baixa e só por debaixo da cortina da noite. Coaxar - vejam como um poema puxa outro ou um grito puxa outro - que logo

O conto da ilha desconhecida, de José Saramago

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Por Pedro Fernandes Esta é capa da edição brasileira de O conto da ilha desconhecida  (Companhia das Letras) Semelhante a uma parábola, O conto da ilha desconhecida apresenta-nos apenas um fato que se desdobra em dois momentos na narrativa: primeiro acontece de um homem que bate à porta do rei para pedir um barco, no intuito de encontrar uma ilha desconhecida; o segundo marca-se pela concessão do pedido, a busca e o sonho ou o sonho e a busca, marcados na tentativa de encontrar a ilha desconhecida. O pedido tão simples, assim como são simples os fatos que dele decorrem é o que marca o primeiro momento do texto, é o que desencadeia toda uma história sobre descobrimentos, conforme Gomide (2001), “sobre a possibilidade da criação e sobre a possibilidade do amor”. (p.363) Além destes dois descobrimentos apontados, acrescento mais um; este é a mola propulsora do texto: o descobrimento do ser enquanto ser. O pedido de um barco pode nos parecer simples à primeira vista, s

Memórias do subsolo, de Fiódor Dostoiévski

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por Pedro Fernandes "Tanto o autor como o texto destas memórias são, naturalmente, imaginários." Famosa negativa da literatura feita pelo autor de Memórias do subsolo logo numa nota de entrada a primeira parte do texto que mais na frente se é corroborada pela própria personagem: "Está claro que eu mesmo inventei agora todas estas vossas palavras." Negativas que instauraram ou pelo menos reintroduziram novas reflexões entre as complexas fronteiras entre ficção e realidade; onde que estaria o fim de um e início do outro. Memórias do subsolo, de 1864, antes, portanto de obras como Crime e castigo, é não apenas por constatações desse tipo mais uma obra clássica da literatura. Não também pelo fato de seu autor ser colocado entre os clássicos, mas é que nela o rico estilo de narrar dostoiévskiano - suas indas e vindas, seus meneios com a palavra e com o pensamento - e além disso, o caudal de reflexões que este texto instaura naquele mais inocente leitor são e

Vida e obra de Shmuel Yosef Agnon

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Por Noé Gruss Clássico da literatura hebraica moderna, Agnon possui uma originalidade certa em sua concepção literária e em seu estilo. Por outro lado, sua obra está em harmonia perfeita com sua vida. Os contos procedem de um realismo autêntico, a despeito da impressão que eles dão de ser antes de tudo um tecido de misticismo e de fantasia, tal opinião, justificando-se, ao que parece, pelo estilo enraizado na literatura antiga, medieval e religiosa. Para compreender essas contradições aparentes, é necessário debruçar-se sobre a própria história de Agnon desde a sua primeira infância. Notemos, desde já, que o universo de Agnon compõe-se de Butchatch, sua cidade natal, e de Israel, onde viveu grande parte da sua vida, assim como da Alemanha onde viveu vários anos depois de ter recolhido contos de rabinos, de tsadikim , de hassidim . Assim, Agnon se inspirou quase que exclusivamente no que viu com seus próprios olhos. Infância na Galícia Nasceu em 17 de julho de 1888 em uma