Raul Pompeia




A vida de Raul Pompeia foi breve. E agitada. Nasceu a 12 de abril de 1863 em Jacuecanga, interior de Angra dos Reis, Rio de Janeiro. O pai, Antônio d’Ávila Pompeia, formado pela Faculdade de Direito de São Paulo e herdeiro de uma tradicional família de cafeicultores da região de Rezende, havia se instalado aí para assumir o cargo de juiz municipal. A estadia durará de entre 1859 e 1873, quando se muda em definitivo para o Rio de Janeiro. Neste ano, o filho é matriculado como aluno interno na 3ª série primária do conceituado Colégio Abílio, no bairro das Laranjeiras; ficou aí pelos quatro anos seguintes.

Os leitores que costumam estabelecer conexões entre a biografia do autor e sua obra, costumam creditar que esse período fermentou a realização do romance pelo qual Raul Pompeia ficaria reconhecido O Ateneu. Publicado em 1888, primeiro em folhetins no jornal Gazeta de notícias e depois em livro, este livro passou para o cânone literário brasileiro por razões de variada ordem: ora é a rica inovação linguística com o pendor para a prosa poética e descrição detalhada e em movimento, ora são os acontecimentos que transformam a narrativa numa crônica sobre os modelos educacionais e pedagógicos do Segundo Reinado, ora é a construção de uma dimensão interior da personagem que está muito à frente dos modelos de criação vigentes no seu tempo.

Mas, esse ponto alto na carreira de Raul Pompeia não foi produto do acaso. Todo trabalho com a literatura passa por longos anos de dedicação obcecada para com a palavra e o feitio da escrita. E, no caso do escritor carioca, as coisas começaram por volta de 1874, quando se registra as primeiras publicações e invenções com pendor para as letras: no primeiro não do ensino secundário, redige e ilustra o jornal manuscrito O Archote. Essa publicação composta integralmente por ele é marcada por criações variadas: poemas, sátiras, caricaturas e textos de denúncia contra os desmandos dos professores e funcionários do Abílio César Borges. Se repararmos de perto, é uma publicação que reúne já todo o universo que seria engendrado nos anos seguintes, nos jornais, nos folhetins e nas atividades de intervenção desenvolvidas em favor do fim da escravidão e pela constituição da república.

Ao sair do colégio das Laranjeiras, Raul Pompeia vai estudar noutra instituição de renome no país, o Colégio Pedro II, no centro do Rio. Nesse período volta a morar com a família e começa a colaborar com pequenos jornais formados por alunos do grêmio escolar; seu primeiro texto impresso sai nesse tempo (em 1880), anonimamente intitulado “Um réu perante o futuro, grinalda depositada sobre o esquife do Ministério 5 de janeiro, por um moço do povo”. Daí se seguem a publicação, aos custos de financiamento do pai do seu primeiro romance pela Tipografia Cosmopolita; chamava-se Uma tragédia no Amazonas. Com subtítulo de Ensaio literário, o livro tinha trama aventuresca ambientada na região do rio Japurá.

O interessante neste primeiro trabalho ― se estivermos atentos sobre a narração dos episódios nestas notas ― é que se trata de uma narrativa totalmente produzida das vivências intelectuais e imaginárias, talvez por isso o subtítulo, visto que o rapaz de quinze anos nunca conheceu a região aí referida se não pelos livros. E é um romance com descrições bastante vivazes do cenário que é palco para a tragédia que envolve senhores e escravos, um tema pelo qual o escritor nutria simpatia (e causa pela qual lutou) e cujas tintas deve à leitura do poema “Navio negreiro”, de Castro Alves. Aqui, pelo embate entre esses dois elementos que constituem enquanto polos de desigualdade na sociedade brasileira de então, o escritor explora a raiz da violência entre um dos problemas históricos e sociais do nosso país: a exploração e o domínio da terra bem como o embate entre homens no interior de um embate entre estes e a natureza no contexto de formação das primeiras cidades no interior do Brasil, além, claro está, de uma denúncia sobre a ausência de Estado nesses lugares isolados do país profundo, sobretudo, a revisitação do tema da posse da terra, até hoje nunca resolvido.

Em 1881, vai morar em São Paulo. É a segunda vez que deixa a casa familiar. Vai estudar direito na Faculdade do Largo de São Francisco, tal qual o pai. Instala-se numa pequena pensão situada à Rua do Chá (atual Barão de Itapetininga). É nesse cenário que conhece, por através dos colegas de faculdade nomes como Luís Gama e Antônio Bento, líderes do movimento abolicionista. As contribuições para imprensa continuam: textos, caricaturas, sobretudo. E no mesmo ano de chegada à capital paulista escreve o conto “Como nasceu, viveu e morreu minha inspiração” para o jornal estudantil A comédia; mais tarde, para outro periódico do mesmo gênero, O Boêmio, excertos de um romance que ficou por cumprir, Violeta (romance original brasileiro).

Nos anos que seguem, ampliam-se suas atividades pró-abolicionismo. As marcas desse envolvimento serão sentidas mais tarde, quando se vê reprovado nos exames na faculdade; na ocasião, os estudantes, entre eles, Raul Pompeia, denunciam a perseguição sofrida pela instituição com a reprovação em massa dos ligados às causas políticas contrárias às ideologias em domínio. Ele e dezenas de colegas mudam-se para o Recife; e é nesta cidade onde concluiu seu curso. Até este ano, 1884, data também da morte de seu pai, Raul Pompeia publica uma variedade de contos: “O modelo do anjo”; “A andorinha da torre”; “Durante a noite”; “Último castelo”, entre outros, como a seleta do que chamou “contos microscópicos” publicada em jornais do Rio de Janeiro, A comédia e Gazetinha. Em 1883, publica excertos de uma novela que contaria a vida do estudante Luís Gama A mão de Luís Gama; e inicia a escrita das suas Canções sem metro publicadas no Jornal do comércio e lapidadas ao longo de sua vida.

“Criando-as e recriando-as através dos anos, numa intermitente faina de polimento, Raul Pompeia não logrou fazer delas a obra-prima prioritária de sua existência literária. Esse work in progress terminou por um evidente malogro; à infatigável busca da perfeição não correspondeu ao resultado perseguido. Contudo, esse malogro tem as dimensões simbólicas: de um lado, ele representará, na história artística de Raul Pompeia, a presença mallarmeana da obra em projeto, do Livro, desenvolvida através de um pertinaz esforço de auto-superação, e testemunho de uma inteligência poética lúcida e confiante em seus poderes de vigília, e, de outro, a fábula de uma frustração. Apesar de ter capinado tanto essas Canções sem metro, Raul Pompeia já dera o melhor de sua fortuna artística quando, em três meses de intenso trabalho, no qual se valera de escritos e anotações esparsas anteriores (o que explica os laivos naturalistas de vários trechos de seu romance), produziu O Ateneu para a Gazeta de notícias.”

A observação de Lêdo Ivo em “O universo poético de Raul Pompeia” (ABL, 1996) acima transcrita não irreleva o trabalho de Raul Pompeia com esse livro de poemas. Do contrário, ressalta, como faz mais adiante no texto em questão, a valiosa contribuição para a nossa poesia por razões variadas: se desloca da cena poética em domínio no Brasil, o parnasianismo; flerta com trabalhos do simbolismo francês, de forte inspiração baudelairiana; além das inovações estético-formais nunca antes praticadas por aqui e encontradas só muito mais tarde nas revirações do modernismo de 1922 com este livro, Pompeia foi o introdutor do poema em prosa em nossa literatura, “apelando para sistema de repetições regulados menos pelas leis dos manuais eu pelo código vital da respiração e formando, com essa aparente liberdade, singulares blocos rítmicos e novos consórcios sonoros submetidos a certas leis obscuras do espírito e do corpo, e ao ritmo da vida e da natureza”, reconhece Lêdo Ivo.  

Seu retorno do Recife, parece ampliar sua presença na imprensa da corte: em 1885, publica a novela Alma morta, na Gazeta de notícias; a segunda parte das Canções sem metro em A gazeta da tarde; e, a partir de 1886, a colaboração regular com estes dois jornais mais o Jornal do Comércio com crônicas e operísticas, rodapés literários, artigos sobre ciências e política e contos. Destes últimos, escreve neste período títulos como “Decote de quinze anos”, “É morto Pulcinella”, “Dia de gala”, “Rogério, o rude”, “Mocinha”, “Tílburi de praça” e “A batalha dos livros” (estes três últimos no jornal A rua. Além do trabalho com a escrita, multiplica-se também seu trabalho com a ilustração: em 1886, por exemplo, ilustra a coletânea de poemas Pâmpanos, de Rodrigo Octávio; em 1889, realiza ilustrações para a capa de um livro do amigo Lúcio de Mendonça, Vergastas.

Data de 1892, o período mais dramático na vida e na carreira profissional de Raul Pompeia; é ativa sua presença na imprensa, agora por outra causa, a República. Em março desse ano inicia um imbróglio violento com Olavo Bilac depois de ser atacado por este no jornal O combate. A resposta de Raul Pompeia, que incluía várias desqualificações, levará a uma briga de ataques físicos em plena rua e a tentativa de reparar a situação num duelo que, no último momento finda num aperto de mãos entre os inimigos.

Em 1894 foi nomeado diretor da Biblioteca Nacional, cargo no qual fica poucos meses. A posse veio em junho; no dia 29 morreu Floriano Peixoto e meses depois, no sepultamento do ex-presidente profere diante de Prudente de Morais e outras autoridades de governo um discurso de tintas florianistas, mais tarde, atacado furiosamente como desrespeitoso pela imprensa governista. A situação enfraquecerá ainda mais as relações e, em outubro, é demitido do cargo. Sentindo-se injustiçado pelo gesto arbitrário, torna público e texto na intenção de provar que não guardava interesses de afrontar o presidente. Daí, multiplicam-se os desafetos: ataques na imprensa e a não-publicação dos seus textos. O fim do ano de 1895 é marcado pelas tentativas da família de demovê-lo da celeuma instaurada no Rio de Janeiro. Incapaz de contornar os fatos, suicida-se a 25 de dezembro no sobrado da família, na Rua São Clemente. Deixou um bilhete ao jornal A notícia: “Ao jornal A notícia e ao Brasil, declaro que sou um homem de honra”. No dia seguinte, o jornal publica seu artigo sobre o livro A Galileia, de Pierre Loti que havia sido ignorado quando enviado a 12 de dezembro.

Nos anos seguintes, tomam forma final alguns dos seus trabalhos: em 1900, publicam-se Canções sem metro, organizadas por João Andréa e Collatino Barroso; em 1905, a segunda edição de O Ateneu, agora com as ilustrações que chegou a compor para o romance; em 1962, As joias da coroa. A obra foi organizada em dez volumes pela Civilização Brasileira por Afrânio Coutinho e publicada entre 1981 e 1991.

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