As ficções da representação factual

Por Pedro Fernandes



O título da post é o título de um texto de Hayden White que, em duas palavras, reflete acerca das relações entre o discurso ficcional e o discurso histórico. Tomo emprestado do título, mas não entro no mérito da questão porque meu interesse aqui é outro: pensar o discurso acadêmico, sobretudo no âmbito das ciências humanas e, reduzindo ainda mais o meu campo de visão, no âmbito das ciências da linguagem. São notas. Nada sério, logo.

***

O aparelho textual que dispomos a elaborar e por em funcionamento, isto é, o plano de um trabalho acadêmico, é o de colocar em operação um sistema composto basicamente de sistemas menores num fio de sentido que ofereça algo perceptível, de modo que determinada questão a que chamamos de problema, apresente-se em parte solucionada.

Para isso desenvolve-se um conjunto de meios abstratos de reflexão sobre um objeto também aparentemente abstrato. A ilusão é crer, e isso eu pensei que já tivéssemos vencido, que o conjunto de dados que levaremos a "análise" falará alguma coisa em si e por si como se o sentido fosse algo que se desapegasse do texto (se o corpus é o texto) e saísse por conta próprio dizendo ao pesquisador o porquê que está ali e o porquê que se comporta daquela maneira.

Traduzo: ainda é válida para muitos - e aqui eu incluo até as ciências ditas exatas - a idéia de mergulho num arquivo para depois de um exame ou manipulação detalhada encontrar uma resposta, um real-em-si, que materializará aquilo que estabeleceremos como resposta ao problema dado. Doce ilusão. Na verdade os dados não falam por si, é o pesquisador quem fala por eles, em nome deles.

O tal ato de purificação do objeto ou de bisturicização (de bisturi) do corpus não pode ser dado por outra via senão a de uma construção representativa, já que tudo desemboca em linguagem. Logo, o discurso acadêmico não perde em nada para o discurso ficcional.

No fundo, o que fazemos todos é ficção. Quando digo isso, estou usando o termo ficção expurgado de todas as anomalias de sentido a ele impostas. Falo de ficção como reconstrução daquilo que apreendemos por real sensível. Ficcionalizar não é um processo de construção do falso, dele também, mas é, sobretudo, um modo de representação da práxis, de materialização do sentido aparente, base imediata para a elaboração das nossas elucubrações em torno de determinado objeto de pesquisa.


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