Camilo Pessanha

Por Pedro Fernandes
 
Eu vi a luz em um país perdido.
A minha alma é lânguida e inerme.
Oh! Quem pudesse deslizar sem ruído!
No chão sumir-se, como faz um verme…




O texto mais significativo de crítica literária que li até agora sobre o poeta português Camilo Pessanha — e não sou um leitor versado no tema — é da professora Leyla Perrone-Moisés e está publicado no livro Inútil poesia e outros ensaios breves. Chama-se “Camilo Pessanha e as miragens do nada”. Depois, encontrei com a edição de Clepsydra — única obra de Camilo — que no Brasil foi reeditada pela Ateliê Editorial organizada pelo professor Paulo Franchetti, quem também assina um ensaio crítico e notas explicativas ao longo do livro. Tive interesse, logo, em comentar sobre o autor por aqui. Mas, acossado ainda pelo ensaio de Perrone-Moisés, achei por bem não tocar no assunto.
 
Agora, outra vez o destino me coloca diante da questão: descubro que a Biblioteca Nacional de Portugal, ao modo do que fez a outros escritores canônicos, disponibilizou na web uma página com informações sobre Camilo Pessanha e seu espólio. Incentivado pelo contato com tanto aparato textual, mesmo não lido detidamente, arrisco-me nessas notas. São mais de função informativa que crítico interpretativa; são caminhos para este leitor — e por que não, outros — construir alguma apropriação da leitura da obra do poeta simbolista tão fundamental para obras como a de Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa.
 
O espólio de Camilo Pessanha dispersou-se por volta de 1926, quando da sua morte. Segundo Daniel Pires, quem assina o texto de apresentação do material na mencionada página produzida pela BNP, “sabe-se que João Manuel Pessanha, dias depois do óbito do pai, iniciou a venda dos objectos de arte chinesa que o poeta naquele ano não doara […] No que particularmente concerne aos seus manuscritos, a avaliar pelo depoimento de Sebastião da Costa, que visitou o poeta dois anos antes do seu falecimento e testemunhou o seu quotidiano caótico e a sua incúria, sofreram a usura do tempo e do acaso, sendo de lamentar o desaparecimento, por exemplo, da correspondência de Ana de Castro Osório, de Wenceslau de Moraes, quiçá do primeiro Presidente da República chinesa, Sun-Yat-Sen, com quem o poeta aparece em pelo menos duas fotografias, bem como aquela que se prendia com a sua actividade no seio da Maçonaria. Os poucos manuscritos que resistiram à insensibilidade de João Manuel Pessanha foram recolhidos em 1931, na sequência da sua chegada a Macau, por Danilo Barreiros”.
 
Aventuras de pesquisadores à parte, que isto poderá o leitor entrar em contato numa visita à página criada pela BNP, o que faz o difícil acesso ou mesmo a impossibilidade de acesso a integralidade da obra de Camilo Pessanha se atribui a várias questões: uma parece ser o fato de que o poeta não era muito afeito a sistematizar ou organizar o que produzia. Assim, se muito escapou das imposições do tempo foi das mãos de familiares e depois do trabalho de pesquisadores.
 
Camilo Pessanha passou boa parte de sua vida em Macau, pequena cidade portuária chinesa que esteve sob domínio português até 1999. Mudou-se para este lugar em 1894, depois de deixar uma vida que se estabelecera primeiro em Coimbra, onde nasceu em 1867 e cumpriu sua formação em Direito, e Óbidos. No Oriente, desempenhou várias atividades públicas importantes: nos três primeiros anos trabalha como professor de Filosofia Elementar no Liceu de Macau, depois é nomeado como conservador do registro predial e mais adiante juiz de comarca.
 
Influenciado por outros do seu tempo, Camilo Pessanha contraiu o vício em ópio. O desregramento e o consumo da droga com uma já delicada saúde favoreceram, em curto tempo, ao desenvolvimento de uma tuberculose e sua redução à miséria até sua morte. Nesse tempo, visita Portugal algumas vezes, sempre em busca de cuidados para a saúde e foi numa dessas ocasiões que estabelece algum contato com Fernando Pessoa.
 
Desde antes publicação do conjunto de trinta poemas em Clepsydra em 1920, Camilo Pessanha já aparece aceito pela crítica como o maior poeta do simbolismo na literatura portuguesa. Sua obra se marca pela irresolução de ambiguidades, alusões difusas e pela sonoridade musical. E, insere-se como autor até então inédito no movimento porque diferentemente de outros simbolistas, não nutriu simpatia pela sensibilidade romântica, ainda que em alguns poemas, tal sensibilidade se faça aí presente.
 
Os primeiros poemas de Clepsydra viram a lume quando por influência de Ana de Castro Osório, “mulher eleita pelo escritor para partilhar a sua vida havendo correspondência entre ambos relativa a um pedido de casamento que foi declinado em 1893”, em 1916, na revista Centauro.
 
A publicação da sua poesia em livro ocorrida quatro anos mais tarde se deu quase à revelia do próprio autor; Clepsydra se apresenta primeiro como uma recolha dos poemas aí reunidos se deu por mãos de Ana de Castro a partir de recortes de jornais. As edições posteriores seguiram tratamento parecido: o filho de Ana acrescentou vários dos textos que conseguiu recuperar de aparições esparsas na imprensa. Em texto para a Veredas, Paulo Franchetti diz, ao se referir ao título do livro com a poesia de Camilo Pessanha que este “é o nome de um livro que não existe. Não existe como desenho seqüencial significativo, e nem sequer existe como conjunto avalizado por uma clara assunção autoral.”
 
Além de poesia, Camilo Pessanha escreveu contos, artigos de opinião e crítica — material que só mais tarde é reunido em Correspondências, dedicatórias e outros textos (Biblioteca Nacional de Portugal; Editora da Unicamp).

Concluo estas notas com uma passagem do referido texto de Leyla Perrone-Moisés, para quem, Camilo Pessanha foi um decadentista: “Pessanha nunca foi um literatura, ainda menos um poeta de grande público.” E acrescenta: “Entretanto, é ele quem encarna as tendências mais profundas do simbolismo, na linhagem dos poetas malditos, com a ressalva de que ele nunca glorificou essa maldição.”; Pessanha, “era um vidente como Rimbaud e musical como Verlaine. Praticou a poesia como linguagem da alma, sonho desperto, emancipando-a da prosódia clássica para a transformar em música pura, puro encantamento.”

 

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