Dalton Trevisan


Dalton Trevisan. A foto é uma das últimas feitas do escritor que escolheu a reclusão como lugar estético.


Conforme foi notícia na imprensa, o Prêmio Camões, hoje o maior prêmio literário de língua portuguesa, teve mais uma vez um ganhador brasileiro  deste lado, quase desconhecido. Não totalmente porque seu nome e alguns títulos seus como O vampiro de Curitiba, título aliás, que acabou, como li depois em algures, sendo epíteto de Dalton, circularam de alguma maneira nos corredores de literatura brasileira, no curso de Letras.
 
Já na 24ª edição, o Prêmio Camões, que foi instituído por Portugal e Brasil, distinguiu escritores como Miguel Torga, o primeiro vencedor, José Craveirinha, Vergílio Ferreira, José Saramago, Pepetela, Sophia de Mello Breyner Andresen, Eugénio de Andrade, Agustina Bessa-Luís, António Lobo Antunes, Arménio Ferreira. Dos brasileiros, ganharam o poeta João Cabral de Melo Neto, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Antonio Candido, Rubem Fonseca, Lygia Fagundes Telles, Ferreira Gullar, Autran Dourado e João Ubaldo Ribeiro.   

***

Dalton Trevisan nasceu em 1925, em Curitiba. É formado em Direito. Foi jornalista policial e crítico de cinema, antes de se dedicar à literatura. Começou a publicar em 1945, apesar de renegar as duas primeiras publicações suas Sonata ao luar e Sete anos de pastor

Entre 1946 e 1948 foi editor da revista Joaquim, por onde passaram alguns dos importantes nomes da cena literária brasileira, como Antonio Candido, Mário de Andrade, Otto Maria Carpeaux, Carlos Drummond de Andrade, José Paulo Paes, Candido Portinari, Di Cavalcanti, Vinicius de Moraes, entre outros. A revista, de tiragem irregular, ainda rendeu 21 edições e marcou-se com um importante espaço para a chamada terceira geração dos modernistas e do Grupo de 45.

Os livros de Dalton Trevisan são publicados há mais de 30 anos pela editora Record. A alcunha de Vampiro de Curitiba herdado do seu livro de mesmo título não é gratuita. Dalton, como Rubem Fonseca, perdeu o afã de aparecer publicamente, seja para fotos, seja para entrevistas, seja para as cerimônias de premiações literárias. (Se bem que Rubem quando esteve em Portugal se soltou, mas Dalton não, e olhe que já recebeu diversos prêmios antes do Camões, só o Jabuti foi quatro vezes).

E, por falar em premiações, recebe o primeiro Jabuti com 
Cemitério de elefantes e o último com O anão e a ninfeta; também recebeu o PEN Club do Brasil, por Morte na praça e em 2003, dividiu com Bernardo Carvalho o Portugal Telecom com o livro Pico na veia. 

Essa escolha pelo isolamento se reflete no próprio desenvolvimento gráfico da obra, como bem repara Luiz Guilherme Barbosa num ensaio publicado na edição do jornal Rascunho:

"Seus livros são publicados há mais de 30 anos pela editora Record, em projeto gráfico simples e preciso: em geral, a capa reproduz, sobre fundo branco, alguma gravura — do paranaense Poty Lazzarotto, do alemão Georg Grosz ou do mexicano José Guadalupe Posada; a contracapa, a mesma gravura; as orelhas, um trecho da obra que se lerá. Nenhuma nota biográfica a respeito do autor, nenhuma apresentação pelo editor, nenhuma frase de jornalista ou crítico, nenhum prefácio. Quando a gravura ocupa toda a extensão da capa e da contracapa, como em Violetas e pavões, talvez até se estranhe a presença do logotipo da editora à frente ou do código de barras atrás, como um excesso a edição tão concisa — ares de edição marginal produzida pelo maior conglomerado editorial do país. Trata-se de um projeto gráfico que encena a circulação social desta obra, além de oferecer uma imagem dos próprios contos."

No centro dessa aparente radicalidade  para usar ainda dos termos de Luiz Guilherme  está a ausência de notas biográficas, marcando um insulamento quase que total do homem Dalton e o universo que circunda os livros. 

É ainda Luiz Guilherme quem observa a atitude do escritor como um gesto estético que aposta no caráter autônomo da obra literária. 

"Além disso, mantém-se o anonimato do habitante da cidade grande [...] homem da multidão que devolve literatura e anonimato para a paisagem urbana, sem contribuir com suas falas e seu rosto para a circulação da cultura nas mídias ou nas universidades. Essa recusa à encenação constitui ela mesma uma encenação de escritor, mesmo que à revelia."

Além das obras aqui citadas, Dalton Trevisan publicou também Morte na praça, Mistérios de Curitiba, Guerra conjugal, O rei da terra, O pássaro de cinco asas, A faca no coração, Abismo de rosas, A trombeta do anjo vingador, Virgem louca, loucos beijos, Crimes de paixão, Desastres do amor, A polaquinha, Pão e sangue, Em busca de Curitiba perdida, Dinorá: novos mistérios, 234, Capitu sou eu, Macho não ganha flor, Desgracida, O maníaco do olho verde, entre outros. É uma obra não apenas singular na literatura brasileira, mas ampla e diversa.

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