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Mostrando postagens de outubro, 2014

Crise

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Por Rafael Kafka   Um grande problema para todo escritor é quando ele percebe que está há um bom tempo sem conseguir escrever. Isso está acontecendo em 2014. Mas já ocorreu antes. Lembro qjue comecei a escrever inspirado pelas letras de Kurt Cobain do Nirvana, que em si não eram um primor de poesia como as composições de outras bandas roqueiras, como a nacional Engenheiros do Hawai. Mas naquele momento de minha vida, com 17 anos e me sentindo um verdadeiro grunge solitário de Seattle, mesmo morando em Belém e sendo mulato, as letras tortuosas do cantor que se matou aos 27 anos eram o supra sumo da poesia cantada. Inspirado nelas, comecei a pegar folhas de papel avulsas e colocar ali meus sentimentos e pensamentos em forma de poesia. E eu era um poeta estranho: li pouquíssimos livros de poesia e as minhas inspirações na maior parte eram as letras das bandas que fui conhecendo e os textos lidos em algumas aulas da escola. Eu queria escrever para me tornar mais eterno e

1964: annus mirabilis de Clarice Lispector

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Por Alfredo Monte Clarice Lispector. Foto: Bluma Wainer. Detalhe “De que Deus estava querendo me lembrar? Não sou pessoa que precise ser lembrada de que dentro de tudo há o sangue! Não só não esqueço o sangue de dentro como eu o admito e o quero, sou demais o sangue para esquecer o sangue, e para mim a palavra espiritual não tem sentido, e nem a palavra terreno tem sentido... Então era assim? eu andando pelo mundo sem pedir nada, sem precisar de nada, amando de puro amor inocente, e Deus a me mostrar o rato? A grosseria de Deus me feria e insultava-me. Deus era bruto...” (de “Fundo de gaveta”, A legião estrangeira , 1964) “Vida irremediável, mas não concreta. Na verdade era uma vida de sonho. Às vezes, quando falavam de alguém excêntrico, diziam com a benevolência que uma classe tem por outra: Ah, esse leva uma vida de poeta. Pode-se talvez dizer, aproveitando as poucas palavras que se conheceram do casal, pode-se dizer que ambos levavam, menos a extravagância, uma v

Promoção pelo Dia Nacional do Livro

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Como recordamos no texto de hoje, 29/10   aqui no Letras , 2014 é o ano em que duas obras de Clarice Lispector chegam aos 50 anos: A paixão segundo G.H.  e A legião estrangeira , ambos publicados em 1964. Para assinalar a data e comemorar o Dia Nacional do Livro, o blog sorteia entre os amigos do Facebook uma edição de cada uma das obras (sendo que a edição de "A paixão..." será a lançada recentemente pela Editora Rocco). Para participar leia atentamente o regulamento e veja o que necessário fazer: 1. Seguir o Letras in.verso e re.verso no Facebook; 2. Partilhar essa post no modo público; 3. Inscrever-se na aba "Promoções" aqui ; 4. Deixar um comentário na postagem no Facebook dizendo qual livro gostaria de ganhar, se sorteado e marcar dois amigos (os comentários que não atenderem esse item serão removidos pelos administradores da página). O sorteio só é válido para amigos do Brasil. Será realizado através da ferramenta sorteie.me no próx

Desenhos, de Sylvia Plath

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A fascinação mitômana que rodeia a figura da poeta suicida Sylvia Plath e seu cruel reflexo no marido infiel e também poeta premiado Ted Hughes se soma agora a uma faceta pouco conhecida da autora de Ariel , o desenho. Os inéditos, conservados até sua morte em 1998 por Hughes, foram trazidos a lume por seus herdeiros em 2011 e reunidos depois no livro Desenhos , que é publicado no Brasil pelo selo Biblioteca Azul da Globo Livros. Rascunhos a tinta ou grafite que demonstram como a mão de Plath não se limitava à escritura mas era também uma delicada e talentosa artista. Os desenhos de Plath são esboços que recolhem instantes de sua vida cotidiana, esquetes de uma mesma verve criativa que ora eram apenas exercícios plásticos, ora ilustravam as páginas de suas cartas, de postais ou de entradas para os diários. Os desenhos apresentados no álbum agora publicado no Brasil datam de entre 1956 e 1957. Umas vacas em Grantchester Meadows, uns barcos pesqueiros em Benidorm, ou os telhados

Poesia, saudade da prosa, de Manuel António Pina (Parte II)

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Por Pedro Belo Clara Um dos aspectos mais originais e extraordinários que no trabalho poético de Manuel António Pina se poderá apreciar é a projecção do “eu”. Este “self”, digamos assim, que se apresenta e de si mesmo se descola, é plasmado na realidade que o envolve. Temos então o íntimo pessoal transposto no outro, sendo ele – o outro – nada mais do que o íntimo que se transpôs.  Este exercício é deveras curioso, logo pela diversidade de resultados que pode apresentar. Por exemplo: o “eu”, ao plasmar-se no outro que vê, perde a noção de individualidade e se acha como parte de algo ainda incógnito. Ao fazê-lo e senti-lo, contudo, deixa de ser aquilo que julgava ser. Será ele, agora, o outro? Sendo o outro, como pôde ser ele? E como pode ser outro se sempre foi ele? As fronteiras são ténues... Além desta nebulosa troca de identidades, pode surgir a revelação: ele e o outro, se apresentam tão esbatidos contornos, não poderão ser uma coisa só? A ideia de um certo “todo” fo

Boletim Letras 360º #86

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 Detalhe de uma correspondência de Van Gogh. Pesquisadores preparam-se para apresentar uma edição com cartas do pintor. Mais informações a respeito ao longo deste boletim.  Uma semana dedicada às leituras e para preparar as celebrações que faremos em torno do nosso aniversário de sete anos on-line. Aguardem só quando entrar novembro. Enquanto o mês seguinte não chega, relembremos aquilo que publicamos de notícia esta semana em nossa página no Facebook que caminha para os 12 mil seguidores.  Segunda-feira, 20/10 >>> Estados Unidos: Um conjunto de materiais inéditos de Flannery O’Connor Os estudiosos ou simplesmente leitores da obra de Flannery O’Connor estão prestes a ampliar suas informações sobre a escritora. Através de um acordo assinado entre os parentes detentores dos direitos autorias de O’Connor e pesquisadores da Universidade Emory, trinta caixas de cartas inéditas e outros materiais, incluindo cerca de 600 correspondências que ela escreveu para

Henry James, o abismo entre a Europa e a América

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Por José Andrés Rojo O jovem Henry James. Foto: Alice Boughton/Corbis Já quase no final de  O início da maturidade  (título inédito no Brasil, tradução livre a partir do espanhol), Henry James se ocupa de um encontro com Louisa Lady Waterford, uma fascinante dama da velha aristocracia. Refere-se a ela em termos de uma rendida admiração, deslumbrado pelo preciso e finíssimo conhecimento que têm da pintura veneziana e de outros mestres como Ticiano e Rubens, e se vangloria de haver chegado a tempo para conhecer os restos da velha ordem,  o que restou desse Ancien Régime que liquidou a Revolução Francesa. Lady Waterford é uma das últimas sobreviventes de um mundo onde uma mulher como ela podia alcançar “tais alturas no ar extático da sabedoria”. O início da maturidade reúne as recordações que Henry James conserva de suas primeiras impressões sobre a Inglaterra depois de desembarcar em Liverpool em 1870 e é, também, uma reconstrução do final da juventude: estava a ponto de comp

Dez livros que poucos conseguiram terminar

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Por Miqui Otero O romancista britânico Nick Hornby, na última edição do festival literário de Cheltenhan, encorajava os leitores a jogar numa fogueira os livros complicados. A não insistir com esse romance que se instala na mesa de cabeceira como um parasita porque seu leitor é incapaz de lê-lo, mas não quer admitir sua derrota. “Toda vez que seguimos lendo sem coragem reforçamos a ideia de que ler é uma obrigação e ver televisão é um prazer”, afirmava, num elogio da leitura como atividade hedonista. Na direção de sua percepção, muitos fóruns discutiram quais títulos são mais indigestos, uma versão a mais do eterno debate sobre se leem obras complicadas para poder dizer que leram pelo prazer de lê-las. Alguns levam essa ideia demasiadamente longe. O romancista britânico Kingsley Amis disse em seus anos de maturidade que, a partir de então, com pouco de vida pela frente, só leria “romances que começasse com a frase “Ouviu-se um disparo”. Talvez o pai de Martin Amis tenh

O Crédito é da Cor

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Por Cesar Kiraly § se algum dia lhe faltarem as moedas para molhar as ossudas mãos do velho Caronte. por esquecimento ou por mesquinharia. se o homem dos ritos fúnebres as roubar. & o bom barqueiro te propuser uma pergunta em troca. lembre que recusou os jogos que te propus. enquanto eu te esperava / estivera sempre de livro aberto / um animal a lamber as patas para pentear o rosto § ela acreditava que o passado não a buscaria. por isso andava resoluta para fora de casa. as sobrancelhas finas. o vestido florido bem assentado no corpo bonito, delimitado na cintura. poderia andar sem culpa, sem medo, imbatível contra todos os destinos que o mundo poderia pensar para ela. eles não ficariam roxos de serem agarrados sem vontade, seus braços brancos teriam as marcas doces e vermelhas de dedos que a puxariam mais para perto. ela resistiria para dar aquele assentimento confuso próprio às coisas de amor. apenas os cabelos cresceriam, como concessão à gravidade das coisas. se