Invencível, de Angelina Jolie


Estas linhas não tem o mérito de avaliar a adaptação da obra de Laura Hillenrand, mas, para início de conversa, é preciso observar por que tanto do uso sem necessidade da frase que já virou moda desenxabida nas produções literárias e cinematográficas da hora – “Esta é uma obra baseada em fatos reais”. Estaremos tão insensíveis à arte da ficção que, agora, só temos tempo para nos emocionar como o tido como verdade? A questão merece ser pensada noutra ocasião. Quanto a relação cinema-literatura, sublinhe-se, não se pode falar sobre o que não conhecemos. Agora, é evidente que ao falar sobre o filme falaremos, de uma forma ou de outra, sobre o trabalho da diretora, marinheira de segunda viagem.

Só gostaria de antecipar que Invencível é um filme ruim. Seduz qualquer um pela forma como o trailer foi apresentado, mas o filme mesmo finda por ser mais um daqueles que vão para extensa lista de exortação heroica de figurões dos Estados Unidos, claro, com altas doses do xarope de autoajuda da superação. No caso específico, chega a ser enfadonha e um martírio não apenas para a personagem mas também para o espectador ficar diante da mesma série de repetições, com diálogo pobre e a força exagerada de ressaltar a martirização do herói. A impressão que fica é a de querer construir um Ulisses e não ter passado do rabisco. Sim, a narrativa é boa, a intenção também, mas há erros grosseiros demais.

É bem verdade que desde sua estreia, em 2011 com Na terra do amor e ódio, o título agora apresentado representa um salto significativo. Lá, tivemos de aturar o que a crítica já bem classificou como um romance brega com péssimas atuações. Ainda assim, há muita coisa daquele filme que se repete nesse; de certo modo, os dois são alinhados pela mesma intenção: a preocupação central para ser denúncia das atrocidades cometidas pelo homem sobre seu semelhante. Sim, há um apelo humanitário com justificativa histórica sobre aquilo que já não devíamos mais ser. E isso é interessante. Mas, só até aí.

Em linhas gerais, Invencível é a biografia do atleta olímpico Louis Zamperini, filho de descendentes italianos refugiados nos Estados Unidos, que, passa por poucas e boas entre deixar de ser o sujeito que tinha tudo para dar errado e um figurão de renome para os Estados Unidos. Claro, não fosse haver, não muitas pisadas dos adversários pelo caminho, mas a Segunda Guerra Mundial. Quando o país onde vive resolve fazer parte do confronto na Europa, Louis é então um dos muitos convocados para a frente de combate. Numa das atividades corriqueiras para o grupo a que pertence, o avião é atingido por bombardeio inimigo. 

Da tropa, o saldo final é que apenas dois sobrevivem cometendo todo tipo de peripécias: perdendo um bote que misteriosamente reaparece em cena; tendo o bote atingido por uma saravaida de tiros, mas resolvendo todos os furos com um só remendo; debilitados pela fome, pela sede e por um sol pálido de estúdio, mas capazes de matar um tubarão a porradas com um remo que aparece misteriosamente num bote que leva dias e dias a flutuar no mar; enfim, disparates à parte para uma obra que se diz real, depois de mais de quarenta dias em alto mar, Louis e o amigo são resgatados pela marinha japonesa. Ainda assim, essa longa introdução que, na verdade, ocupa pouco menos da metade do filme, é o que há de bom em Invencível. Talvez esteja aí os olhares de quem indicou o título para o Oscar de Melhor Fotografia porque, de fato, há sequências muito ricas nesse quesito. Mas, não esquecendo da narrativa, as cenas que darão forma à história bem poderiam ser reduzidas a pouco mais de meia de hora e, ao invés, de mais de duas horas de embromação, ficarmos satisfeitos, ao menos com o tempo, com uma hora de filme.  

Até compreendo que houve uma tentativa de ressaltar a máxima de que, pela guerra, não há glórias; todos os envolvidos são conduzidos pela mesma loucura porque não lidam apenas com o poder, mas com a sobrevivência, a preservação, a todo custo, de suas próprias vidas. Numa guerra, poderia ser essa a conclusão, não há ganhadores, só perdedores e a máxima se encaixaria na coerência de se falar sobre o estágio de desumanização do homem quando tomado pelo exercício de se sobrepor ao seu semelhante. Mas, a insistência em tornar relevante o sofrimento do protagonista – Zamperini passa a ser maltratado pelo comandante Watanabe e segue assim até o fim da Guerra, que é também o fim do filme – induz o espectador a cair novamente naquela dicotomia entre bons e maus e de que, entre a luta de um e outro há um vencedor. E é aí que todo trabalho, que poderia até então ser muito bom, desmorona.

Nessa tentativa de se parecer com real, a escolha dos atores para encarnar as personagens foi acertada. Mas, o trabalho de nenhum deles nos convence de alguma coisa. Tanto o mocinho quanto o vilão, por exemplo, têm para si, dois grandes papeis, mas conseguem, em momento algum tocar-nos com sua atuação – seja a dor que um sente, seja o prazer de odiar do outro. São duas figuras apáticas num teatrinho escolar de alunos do ensino médio. Não conseguimos sentir amor pelo protagonista e nem ódio pelo antagonista; só mesmo uma crise de riso quando, acreditamos que tudo está no fim, e a narrativa ainda nos reserva um segundo round nesse duelo entre as duas personagens. 

O desfecho é então ainda mais patético: uma amálgama de água com açúcar em nome da moral e do cidadão de bem estadunidense devotando a natureza da dama da sociedade, título semelhante a que foi eleita a diretora pela realeza britânica. O que parecia ser uma biografia individual finda por ser um exercício de pedagogização dos sentidos e docilização das atitudes à moda do confortável sujeito que passou pelo que passou e superou tudo em nome da pátria a ponto de ganhar em troca nenhuma sequela. É um Ulisses de plástico, adestrado para as convencionices. Angelina tem potencial, mas não foi dessa vez.


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