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Mostrando postagens de janeiro, 2018

Roda gigante, de Woody Allen

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Por Pedro Fernandes “Ouça-me bem, amor / Preste atenção, o mundo é um moinho / Vai triturar teus sonhos, tão mesquinhos / Vai reduzir as ilusões a pó”. Os versos de “O mundo é um moinho”, de Cartola bem poderiam ser um resumo sobre Roda gigante , de Woody Allen. O compositor brasileiro bebe na filosofia popular segundo a qual a vida segue o curso dos astros para um eu-lírico que amargurado pela perda de um amor sentencia o que o destino não deixará de revelar: tudo depende das escolhas que fazemos na vida. Curiosamente a sentença também acompanha o pensamento de Ginny, uma atriz frustrada que ganha a vida como garçonete num restaurante em Coney Island, praia no Brooklyn, em Nova York. A roda gigante / moinho é o elemento central da trama; envolve como elemento cênico – é a atração principal do parque de diversões onde trabalha o segundo marido de Ginny e estrutura dominante na paisagem de onde vivem o casal com o filho Richie – e como metáfora para a vida. As personage

Dadaísmo: da falta de lógica como crítica social à resistência a um mundo chocante

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Por Maria Vaz Candy Candy , Joana Vasconcelos. O dadaísmo, enquanto movimento artístico vanguardista, nasceu em Zurique por altura da Primeira Guerra Mundial. A cidade servia de cenário à vida quotidiana de inúmeros artistas que imigraram ou se refugiaram na Suíça, sobretudo por motivos de discordância com os posicionamentos dos seus países no que toca à guerra. Nesse sentido, com pontos de vista, educações e tradições diferentes, apresentavam uma frustração comum: não entendiam o facto de o ser humano não conseguir evitar a guerra, apesar de toda a evolução científica, filosófica e artística. Foi a partir da ausência de sentido, do caos total, de vocação universalista, que designaram a palavra ‘dada’ a mote revolucionário. Segundo consta, ‘ dada ’ foi uma palavra encontrada aleatoriamente no dicionário. Hugo Ball – no primeiro manifesto dada – afirma que a palavra é “ bestialmente simples ”, uma palavra “internacional”. Naquele manifesto, Ball parecia consciente de qu

Nicanor Parra, o último antipoeta (e o primeiro)

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Por Javier Rodríguez Marcos Todos os dias morre algum poeta. Os antipoetas, por sua vez, morrem uma vez a cada século. Ou a cada era geológica. A razão é única: poetas sempre existiram e existirão; antipoetas só houve um, Nicanor Parra. Assim, em contraste com o restante de seus pares, o poeta chileno é apresentado pelo mais importante de seus estudiosos: o professor Niall Binns. Depois de assistir há três anos seu próprio centenário e há um ano o de sua irmã, a cantora Violeta, Nicanor Parra, que nasceu em San Fabián de Alico em 1914 morreu em sua casa de La Reina, em Santiago do Chile. Havia se mudado para esta residência pouco antes de seu aniversário, em setembro, e depois de passar os últimos anos no povoado litorâneo de Las Cruces. Ali permaneceu em abril de 2012 enquanto há 11 mil quilômetros de distância, em Alcalá de Henares, um de seus netos, Cristóbal Ugarte, recolhia em seu nome o Prêmio Cervantes. O avô, cuja idade não era mais indicada para uma viagem tra

Nicanor Parra: Preparado para viver e versejar

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Por Matías Serra Bradford Pareceu que o papa máximo da poesia hispano-americana esperou para morrer depois que partiu do Chile o sumo pontífice da Igreja Católica. Em um de seus textos de ataque, “O sorriso do Papa nos preocupa”, havia escrito: “ninguém tem o direito de sorrir / num mundo podre como este / salvo se tiver pacto com o Diabo”. Nicanor Parra não tinha papas na língua e esse paladar forjou um estilo inconfundível (seus imitadores só parecem repetir piadas alheias). Este deslinguado em série podia rir dos cardeais, ministros ou poetas. E disparar contra seu próprio fim: “A morte não respeita nem os humoristas de boa fama / para ela todos os chistes são ruins / apesar de ser ela em pessoa / quem nos ensina a arte de rir”. A personagem favorita de Parra era Chaplin, mas como advertiu o crítico Alone em 1954, “não o chamemos humorista: sugere a ideia de um profissional encarregado de fazer rir”. Se foi o rei Lear – que traduziu – das letras espanholas, o

As relações de Parra com o mundo

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Por Roberto Careaga C . Nicanor Parra, Miguel Grinberg, Allen Ginsberg, Maria-Rosa, Havana, Fevereiro, 1965. Foi na Inglaterra, em finais da década de 1940, onde Nicanor Parra encontrou a iluminação que buscava. A poesia tradicional que havia explorado em  Cancionero sin nombre  (1938) já não fazia sentido e, então, viu de relance na vitrine de uma livraria o livro  Apoemas , de Henri Michaux. “Perguntei-me: ‘Por que não intitular logo como  antipoemas  ao invés de  apoemas ?’”, contou anos depois, quando já havia iniciado a revolução com a antipoesia. Mas, além da ruptura com a tradição lírica chilena – que teve Pablo Neruda como importante antagonista –, o  projeto de Parra afetaria as bases de toda a poesia hispano-americana da segunda metade do século XX e para além de sua língua. Mas, o reconhecimento foi lento. Salvo os estadunidenses que já nos anos 1960 publicaram a obra do chileno em inglês, a Europa se manteve muito esquiva à antipoesia: tinha 97 anos quando

Boletim Letras 360º #255

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Há uma semana a Revista 7faces propôs um desafio: espalhar poesia brasileira pelo Twitter. E criou o projeto @LeiaPoesiaBr O Letras in.verso e re.verso, que é, praticamente um pai desse periódico de poesia não ficaria sem apresentar um apoio à ideia. Então, destinou todos os livros de poesia que eventualmente sortearia nas redes sociais do blog para os participantes dessa proposta que apenas espera a chegada do centésimo leitor para iniciar suas atividades. Vamos seguir? Antes, eis as notícias que passaram esta semana pelo mural do Facebook do Letras — uma semana, como perceberão, de nuvens negras para a literatura! Um dos últimos registros do poeta Nicanor Parra. Numa semana de perdas para a literatura, a do poeta chileno deixou mais pobre toda a América Latina. Segunda-feira, 22/01 >>> Brasil: A obra em negro , de Marguerite Yourcenar A obra da escritora francesa está um pouco fora de circulação no Brasil; até agora só Mishima ou a visão sobre o vazio  for

Reino de Deus, de Frances Lee

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Por Pedro Fernandes Este filme é sobre a pedagogia dos afetos. A chegada de um trabalhador romeno para ajudar nos afazeres da fazenda da família de Johnny, um rapaz que decidiu substituir a promissora vida urbana pela continuidade na vida rural e vive agora entre a frustração da escolha e a impossibilidade de encontrar uma saída para esta situação, modifica todo um ambiente fundado na rudeza. Gheorghe, o forasteiro, oferecerá, sobretudo a Johnny, que a depender de qualquer saída para as escolhas erradas, o que nos mantém vivos são as pulsões dos afetos e a honestidade para conosco e com os outros. Ser rude consigo, com os outros e com a vida é erguer ante si mais muros pelos quais a existência, que já é um fardo, se constituirá mais pesada e pobre de ideias. E tudo só se complica se, associado à rudeza, pairar o espírito da desonestidade. É que Johnny não consegue aceitar, muito provavelmente por uma sorte diversa de intervenções impostas e autoimpostas pelo ambiente

Boletim Letras 360º #254

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O ano para nós já tem data para começar: 29 de janeiro . E começará com novidades. Em meados do 2017, fizemos uma chamada nas redes sociais, apesar das portas desta casa estarem sempre abertas para novos colaboradores, para selecionar colunistas para o Letras. Recebemos e-mail de 65 pessoas interessadas; destas, 19 responderam ao nosso retorno; e 3 chegaram ao final da seleção. A partir deste ano contaremos com Luiz Mendes , Guilherme Mazzafera e Wagner Silva Gomes . Mas, se você é um interessado em fazer parte do clube, recomendamos ler nossa proposta editorial aqui . Vamos que vamos! Poesia completa de Sophia de Mello Breyner Andresen é publicada pela primeira vez no Brasil. Mais detalhes ao longo deste Boletim. Segunda-feira, 15/01 >>> Brasil: Livro do pai do epigrama ganha nova tradução e edição O epigrama é uma forma poética breve, marcada pelo estilo satírico e engenhoso; Epigramas  compila 219 poemas de Marco Valério Marcial. O tema principal dos Epi

Quando as manhãs eram flor, de Pedro Belo Clara

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Por Pedro Fernandes Pedro Belo Clara     De tanta morte gerámos flores, de tanta vida bebemos sol. Pedro Belo Clara é um dos raros jovens de uma geração – e tom desta consideração pode não encontrar eco no contexto português porque é tomada a partir de uma visão brasileira embora pareça que as transformações se deem já de mesma forma em toda parte – é um dos raros jovens de uma geração, dizíamos, em que a escolha da vivência com a palavra constitui uma espécie de obsessão manifestada na contínua demonstração pública de que esta, a palavra, lhe é o domínio da existência. A geração dos anos 1980 foi concebida no interior de um domínio que se tem revelado cada vez mais cruel e desfavorável ao desenvolvimento dessa vivência, o domínio capital que em tudo que toca torna coisa. Embora, é claro atravessemos uma era da escrita, pressupõe-se que a palavra seja para o que dela se alimenta mais que uso; para este sujeito manipulador da linguagem é necessário a natur