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Mostrando postagens de fevereiro, 2018

Trama fantasma, de Paul Thomas Anderson

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Por Pedro Fernandes O primeiro impulso do espectador ante esta narrativa é o de classificá-la como uma história de amor – e ao estilo romântico. Mas, se à primeira vista essa visão pode se estabelecer e mesmo se confirmar, é porque descuidou-se de reparar na estrutura profunda do narrado. O princípio romântico ronda o encontro de Reynolds Woodcock, um conceituado estilista da alta costura inglesa, com a jovem Alma, uma simples atendente de lanchonete – mas só ronda. Que o desenvolvimento dessa relação não confirma em nada a ilusão barata das histórias de amor entre príncipes e plebeias e o que Paul Thomas Anderson propõe é uma inteira desconstrução desse enredo cor-de-rosa e enfrenta de maneira enérgica um potentado que foi colocado em xeque desde o desvanecimento das cores mais vivas do epílogo do foram-felizes-para-sempre. A realidade só está para conto de fadas quando não se é personagem de conto de fadas; nele, algumas verdades, sempre cruéis, porque cruel é a realida

Escritores russos condenados por pensar fora do imposto para pensar

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Gulag Zombie . Igor Obrosov. Não devem ser poucos os países do mundo em que os arquivos da polícia política sejam relevantes para a história da literatura – afinal este mal que grassa a liberdade de expressão foi e é recorrente em todas as partes do globo. Mas, um deles talvez não deixe de estar entre os principais: o arquivo da União Soviética. A combinação do controle totalitário e o papel que o estado soviético determinava às artes literárias para a vida moral da nação se traduziu no pleno exercício da vigilância e muitos nomes importantes de uma das literaturas mais expressivas de sempre– a bem verdade quase todos os nomes que conhecemos de depois da Revolução –  tiveram duros e sucessivos embates com a polícia, desde a Tcheka, primeira das organizações de polícia secreta da URSS criada por um decreto emitido em dezembro de 1917 por Vladimir Lênin, à KGB. Os resultados, não é preciso dizer, foram letais: para escritores e para a literatura, esta que foi transformada

A cartola do mago Vladimir Nabokov

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Por Andrés Ibáñez De todos os romancistas do século XX, Nabokov é, sem dúvida, o mais inclassificável. Todos sabem, mais ou menos, por que Proust, Woolf, Kafka, Faulkner, Broch, Beckett, Pynchon ou Lezama Lima são grandes, mas a pergunta por que Nabokov é tão grande não é totalmente fácil de responder. Ao contrário de Proust, Joyce ou Faulkner, com suas detalhadas e prolixas recriações de universos em miniatura, seus cenários são quase sempre dolorosamente limitados (um grupo de exilados em Berlim, um triângulo amoroso numa praia do Báltico, um departamento de línguas numa universidade da Nova Inglaterra) e suspeitosamente fantásticos, quando não decididamente fantasmagóricos. Suas personagens são facilmente classificáveis, tal como a divisão da espécie animal que mais amou, em borboletas e mariposas (as mariposas são deslumbrantes, livres e voam alto; as mariposas, cruéis, más e covardes); não têm, nem de longe, a fascinante humanidade de Leopold Bloom ou do Barão de Cha

Boletim Letras 360º #259

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Este boletim é o ponto final de mais uma semana do Letras. E, aproveitamos esta ocasião quando recuperamos todas as notícias que foram divulgadas em nossa página no Facebook para adiantar que na próxima semana neste blog a segunda estreia de novo colunista. Esperem e não se arrependerão —é só o que temos para dizer. Oswald de Andrade, o reinventor de formas. Edição do livro  Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de Andrade ganha fa c-similar noventa anos depois da primeira edição. Segunda-feira, 19/02 >>> Brasil: Kyra Kyralina , de Panaït Istrati ganha edição por aqui Há muito que a obra do escritor romeno não circula no Brasil; títulos como Mediterrâneo: nascer do sol  e Eis vida  datam dos anos 1930 e 1940, respectivamente, estão, desde então fora de catálogo. Kyra Kyralina  foi publicado pela primeira vez em 1923, dois anos depois da tentativa frustrada de Istrati de se suicidar e nunca chegou por aqui. Este é o primeiro livro do ciclo Adrien Zog

Magnólia

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Por Rafael Kafka Acordo pela manhã aliviado por voltar ao trabalho. Três semanas em casa, preso pela chuva, pela folga e pelo trânsito ruim me fizeram entender perfeitamente que por mais que ame o sossego eu gosto mesmo de me sentir em movimento. Em certos momentos, penso que gostaria de ter um dia dobrado em duração ou não ter de dormir tanto para me sentir descansado na manhã seguinte. Coloco os livros na mochila e sigo para a escola em um dia ideal qualquer. Passo horas falando e discutindo com alunos sobre diversos temas, usando a língua portuguesa e a interpretação de texto como pretextos para convite ao pensamento crítico da realidade. Cada fala deles me faz pensar em algum pensador ou escritor já lido por mim. Hoje mesmo, um aluno falou em níveis de homofobia e me fez pensar no conceito de violência simbólica, o qual me remete demais a Pierre Bourdieu. Outra aluna, começa a falar das “mulheres de malandro” e de como as julgamos sem entender que elas, quase sempre,

Laços, de Domenico Starnone

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Por Pedro Fernandes A que ponto somos determinados pelo outro? Qual a força dos laços que casualmente se formam entre nós e os outros? Ao que nos submetemos para manutenção de uma ordem de dominação cujas linhas são apenas aparentemente inofensivas aos rumos de nossas vidas? Como seria nossas vidas se as relações que agora mantemos não fossem essas mas outras? Estas são perguntas que se formam ao longo da leitura de Laços , um romance que se filia a uma tradição em formação na prosa romanesca contemporânea, que poderíamos designar como literatura sobre os afetos. Numa época quando a condição do amor foi institucionalizada pela mecânica da jurisprudência e seus desenlaces explicados de maneira diversa pela psicanálise este sentimento de natureza romântica que dominou vigorosamente a cena literária desde há muito, parece desvanecer. Claro que é o amor o elemento mobilizador dos imbróglios entre pessoas dentro e fora da ficção, mas este ganha agora outros tons que o dista