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Mostrando postagens de setembro, 2021

Antonio, de Beatriz Bracher

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Por Pedro Fernandes Beatriz Bracher. Foto: Piudip.   Sabedores de que toda família guarda um esqueleto no armário, de quantas maneiras é possível compor uma saga familiar? O romance tem oferecido diferentes e interessantes respostas desde sempre. Na literatura brasileira podemos listar, de um rol nunca concluído, A falência de Júlia Lopes de Almeida, Crônica da casa assassinada de Lúcio Cardoso, A menina morta de Cornélio Penna e Antonio de Beatriz Bracher que com Leite derramado de Chico Buarque formam alguns dos melhores exemplos das publicações recentes — este último se publicou dois anos depois de 2007, data da primeira edição do livro da escritora paulista.   Podemos ler Antonio como um romance produto da feliz combinação de alguns recursos narrativos e temáticas dos seus antecessores e com os de um romance certamente vislumbrado pela crítica desde o anúncio de sua chegada: Enquanto agonizo , de William Faulkner. Aqui, enquanto esperam a morte de Adie Bundren, a família cuida

Boccaccio e sua vida de Dante

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Por José Luis Romero Ilustração: Lisa Gelli.   Uma admiração devota, um puro e intenso amor pela figura excelsa do poeta da Commedia que chamaram de “divina”, levaram Giovanni Boccaccio a escrever a narrativa de sua vida, junto com seu elogio e seu retrato espiritual. Este é, em suma, o breve opúsculo intitulado La vita di Dante , ou, mais exatamente, Trattatello in laude di Dante , como seu autor preferia chamá-lo. Quem pega o livro em mãos e se acrescenta em sua leitura, poderá encontrar nele coisas diferentes e gostará dele por diversos motivos. Porque contém uma visão de Dante que é pelo menos, sem dúvida, uma das visões possíveis de sua complexa personalidade; e ao mesmo tempo constitui um testemunho do próprio Boccaccio, que mergulha nos segredos do seu espírito e da cultura do seu tempo. Se o primeiro desses aspectos atrai o leitor, o segundo significa, para o estudioso que se sente atraído pela análise histórica da cultura, um incentivo e um estímulo. La vita di Dante é, em s

Dante na música

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Por Fernando Álvarez del Castillo Codex Palatinus . Biblioteca Nazionale  Centrale di Firenze.   No século XIV, Florença tinha noventa mil habitantes, sem contar os eclesiásticos, enquanto nos arredores e na província, muito povoada para época, moravam outras oitenta mil. Na cidade, os homens uteis para as armas, isto é, os maiores de 15 anos e menores de 70, somavam cerca de 25 mil. Existiam 1500 nobres e 250 cavalos. Anualmente nasciam entre cinco mil e quinhentas a seis mil crianças, a maioria homens, e aprendiam a ler entre oito e dez mil estudantes. Destes, entre 550 e 600 se iniciavam no Trívio (o grupo de estudo formado pelas disciplinas de Gramática, Dialética e Retórica).   Existia provavelmente 126 igrejas, incluindo as possíveis de se transformarem em abadias; 57 paróquias e cinco abadias com dois priores e oitenta monges. Contavam-se vinte e quatro monastérios que acolhiam um total de quinhentas monjas; dez comunidades de irmãos; trinta capelas de hospitais e algo em torno

Uma passagem pelos infernos políticos de Dante

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Por Raúl Rojas Dante e Virgílio no inferno. Gustave Doré. A divina comédia é um livro alucinante. O famoso florentino Dante Alighieri levou décadas para retrabalhar a história alegórica que terminou, pouco antes de sua morte em 1321. A obra é difícil de ler, pois em seus versos Dante faz referências veladas a uma infinidade de motivos religiosos e da mitologia grega. Além disso, passa em revista muito dos seus muitos inimigos colocados nos níveis apropriados de punição no inferno. Para ler a obra sem as anotações necessárias, seria preciso ter vivido naquela época e estudado história e teologia. Hoje é altamente recomendável usar uma versão anotada, talvez com a versão italiana contraposta a tradução, e incluindo as fabulosas ilustrações de Gustave Doré.   Dante foi um homem político: exilado de Florença no calor das disputas públicas das quais participou, aí viveu até sua morte. Talvez seja por isso que Dante reservou a antessala do inferno para os indecisos e para aqueles que não tom

Treze haikus de Yosa Buson

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Por Pedro Belo Clara (selecção e versões¹)         I.   junto à pereira em flor com o luar por candeia a rapariga lê a sua carta     II.   sem roupa interior o traseiro de súbito ao léu – rajada de vento primaveril     III.   estes ociosos dias de primavera continuam – longe os tempos d’outrora!     IV.   de longe chega o aroma das glicínias – pálido luar     V.   ao longo da estrada a lentilha-d’água floresce sob a chuva nocturna     VI.   solidão imensa – outro grande prazer no crepúsculo outonal     VII.   noite de outono um corvo de súbito grita – desejo profundo                                                                                            VIII.   a chuva cai sobre as ervas enchendo os sulcos deixados pelo carrinho festivo       IX.   talhando um Buda de madeira numa longa e fria noite – pobreza sacerdotal     X.   a chuva vergando o trevo como o pé dum vagabundo – longa, dura jornada     XI.   ao vento frio um monge curva-se diante palavras cravadas na ped