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Seis poemas dos Diários do Exílio, de Yannis Ritsos

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Por Pedro Belo Clara     I. (27 de Outubro de 1948)   Aqui os espinhos são tantos — espinhos castanhos, espinhos amarelos, ao longo de todo o dia, espinhos até no sono.   Ao saltarem o arame farpado, as noites deixam para trás pequenas tiras da saia.   As palavras que outrora nos pareceram belas perderam a cor, como o colete de um velho num baú, como um pôr-do-sol embotado nas vidraças.   Aqui as pessoas caminham com as mãos nos bolsos ou gesticulam por vezes como se afugentassem uma mosca que poisa uma e outra vez no mesmo ponto no rebordo do copo vazio ou dentro dele um ponto tão indefinido e persistente quanto a sua recusa em reconhecê-lo.     II. (29 de Outubro)   O que dormimos é pouco: não chega. Toda a noite ressonam os exilados — rapazes cansados, tão cansados.   Lá fora estão as estrelas — estrelas enormes estrelas rapadas cujo cabelo cresce selvagem como da cabeça de São João Baptista ou do nosso Panayótis. Há também peque...

Cinco poemas de Wallace Stevens

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Por Pedro Belo Clara Wallace Stevens: Foto: Sylvia Salmi     O BONECO DE NEVE ( Harmonium , 1923)   É preciso que a mente se faça Inverno Para olhar o frio e os ramos Dos pinheiros encrostados de neve   E ter tido frio durante muito tempo Para ver os juníperos, hirtos de neve, Os toscos abetos no distante brilho   Do sol de Janeiro; e sob o som Do vento não pensar em dor alguma, O som das poucas folhas,   Que é o som da terra, Cheia do mesmo vento Que sopra no mesmo deserto lugar   Para o ouvinte, que ouve na neve E, nada sendo, nada vê do que Ali não está e vê o nada que está.     COMO VIVER. QUE FAZER ( Ideas of Order , 1935)   Ontem a lua nasceu por cima deste rochedo. Impura sobre um mundo inexpurgado. O homem e a sua companheira pararam Para repousar face à heróica altura.   Frio, o vento caiu sobre eles Por entre sons de grande majestade: Eles que tinham deixado o sol de estranha chama Buscando um sol de fogo mais inteiro. ...

Oito poemas de Li Bai (Li Po)

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Por Pedro Belo Clara (Seleção, versões e notas)*     PARA TU FU, 1 COM HUMOR   Ei! És tu, no topo da montanha Fan-Ko, Com um enorme chapéu ao sol do meio-dia? Quão magro, miseravelmente magro, tu estás! Deves ter sofrido outra vez de poesia…     O TEMPLO DO CUME 2   Esta noite fico no Templo do Cume. Aqui, posso colher as estrelas com a minha mão. Nem me atrevo a falar alto no meio do silêncio: Temo perturbar os residentes do paraíso.     A TABERNA LAO-LAO TING 3   Os amigos vêm até este lugar para se despedir, entre lamentos. Oh, Lao-lao Ting, a taberna onde todo o coração dói. Aqui, até a brisa da primavera conhece a mágoa da partida; Não permite que os ramos do salgueiro fiquem verdes.     A NOITE DOS LAMENTOS   Uma bonita mulher descerra A delicada persiana de bambu. De expressão ausente, As sobrancelhas tremelicam como mariposas. O que lhe pôs o coração dorido assim? No seu rosto apenas Húmidos vestígios de lágrimas. ...

Sete poemas de “Animal de bosque” (2021), de Joan Margarit

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Por Pedro Belo Clara Joan Margarit. Foto: JM Website     OS DOIS NEVÕES   Vendo nevar tanto em todo o lado, sem sairmos de casa, tu e eu lembrámos a neve onde encontrámos o nosso amor. Ainda mal nos conhecíamos e passámos o dia até de madrugada a passear pelas ruas iluminadas por uma branca luz, cálida e fria. E descobrimos uma nova intimidade pelos dois até então desconhecida. A tua mão, enluvada na minha, tinha começado a salvar-me a vida. Passaram já sessenta anos, luminosos e escuros: mesmo nos mais duros sentimos o calor dessas ruas nevadas. Neste último também, quando, debilitado pelo linfoma e pela químio que não me cura, com o mesmo sorriso, e ao meu lado, me ajudaste a compor estes poemas. Ofereço-tos agora. Este é para mim um dos anos mais felizes da minha vida.     MUSEUS   Sempre me aborreceu e me cansou observar os retábulos de igrejas, quadros representando cenas bíblicas, monarcas a cavalo, luxuosas vestes onde o pintor se exibe em cada pre...

Cinco poemas de Robert Penn Warren

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Por Pedro Belo Clara (Seleção e versões) Robert Penn Warren. Foto: Joel Katz     (VII) CONTA-ME UMA HISTÓRIA ( Audubon: A Vision , 1969)   [A] Há muito, no Kentucky, eu, um rapaz Junto duma estrada de terra batida, ouvi, no crepúsculo, O grito dos gansos selvagens rumando ao norte.   Não os conseguia ver, não havia lua no céu E as estrelas eram escassas. Escutava-os.   Não sabia o que se estava a passar dentro do meu coração.   Era a época antes do sabugueiro florir, E eles voavam para norte.   O som passava por mim rumo ao norte.   [B] Conta-me uma história.   Neste século, e momento, de loucura, Conta-me uma história.   Que seja uma narrativa de grandes distâncias, de luz estelar.   O nome da história será Tempo, Mas não deverás pronunciar o seu nome.   Conta-me uma história de encantar.     UM FALCÃO À TARDINHA ( Can I See Arcturus From Where I Stand? , 1975)   De plano em plano de luz, as asas mergulhand...

Sete poemas de “Poemas Sin Nombre” (1953), de Dulce María Loynaz

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Por Pedro Belo Clara         I.   Solidão, solidão sempre sonhada… Amo-te tanto que às vezes temo que Deus me castigue um dia enchendo-me a vida de ti… Ontem quis subir a montanha, e o corpo disse não. Hoje quis ver o mar, descer à luminosa enseada, e o corpo disse não. Estou desconcertada ante esta obscura resistência, esta inércia que me contrapesa a vontade não sei a partir de que lugar e me sujeita, me solda a invisíveis grilhões aos pés. Até agora palmilhei todos os meus caminhos sem nunca me dar conta de que eram justamente esses os pés que me levavam, e enchi-me de todas as paisagens sem nunca me aperceber se me entravam pelos olhos ou se as levava já comigo antes de se desenharem no horizonte, e nutri luzeiros, sonhos, almas, sem reparar que as minhas próprias veias se esvaziavam do seu próprio sangue. Agora pergunto-me que estrela virá a espremer-se gota a gota no coração exausto, que fonte haverá para lhe dar de beber como ao animal cansado… Pergunt...

Renina Katz, ilustradora de Cecília Meireles

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Por Pedro Fernandes Renina Katz. Foto: Vidal Cavalcante/ Folha de São Paulo Renina Katz está entre os principais nomes das Artes Plásticas no Brasil. Situada numa geração que primeiro se profissionalizou no seu ofício, quando novos rumos para a arte da gravura neste país começavam a se estabilizar, suas contribuições estão visíveis em campos diversos. Ao lado da carreira com as artes, ela atuou em várias frentes do ensino durante quase três décadas na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, instituição onde se estabeleceu e construiu uma pioneira formação acadêmica, como a dissertação e a tese que dispensaram o conteúdo verbal, ou antes, tiveram o verbal substituído pelo visual numa série de serigrafias e litografias, respectivamente.   Antes disso, fez a Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, onde estudou com figuras como Henrique Cavalleiro e Quirino Campofiorito; fez Desenho pela Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro; curs...

Cinco poemas (e um texto de prosa poética) de James Wright

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Por Pedro Belo Clara (Seleção e versões)   James Wright. Foto: Thomas Victor   SÃO JUDAS (Saint Judas – 1959)   Quando saí para me matar, encontrei Uns arruaceiros a distribuir pancadaria. Correndo para poupar a angústia do homem, olvidei O meu nome, o meu número, como começara o dia, Como os soldados deambulavam junto à pedra do jardim, Cantando divertidas canções; como o dia inteiro Os seus dardos mediram multidões; como por mim Regateei as moedas certas e fugi, ligeiro.   Banido do paraíso, encontrei a vítima agredida, Despido, entregue ao seu choro, no chão ajoelhado. Larguei a corda, ignorei os uniformes, estuguei a passada: Então recordei o pão que a esta carne serviu de comida, O beijo que comeu a minha carne. Sem esperança, esfolado, Segurei o homem nos braços a troco de nada.     ETAPAS DUMA JORNADA RUMO A OESTE (The Branch Will Not Break – 1963)   1. Comecei no Ohio. Ainda tenho sonhos sobre a minha casa. Perto de Mansfield, cavalos enorme...

Doze poemas aforísticos de “Pássaros Vagabundos” (1916), de Rabindranath Tagore

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Por Pedro Belo Clara (Seleção e versões)* I.   Pássaros vagabundos do verão vêm à minha janela cantar e para longe voar. Folhas de outono amarelecidas, que não conhecem canção, agitam-se e tombam com um suspiro.        II.   Oh, trupe de pequenos vadios do mundo, deixai em minhas palavras as vossas pegadas.        III.   São as lágrimas da terra que mantêm em flor os sorrisos da terra.     IV.   Se derramares lágrimas por sentires falta do sol, perderás o brilho das estrelas.     V.   Aquilo que és não poderás ver, o que vês é a tua sombra.   VI.   Lançam as suas sombras adiante, aqueles que carregam a lamparina em suas costas.     VII.   O Homem é uma criança que nasceu, o seu poder é o poder do crescimento.     VIII.   A luz que brinca, como uma criança nua, no meio das folhas verdes, alegre desconhece que o homem pode mentir.        IX. ...

Cinco poemas de Delmore Schwartz

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Por Pedro Belo Clara (Seleção e versões) Delmore Schwartz. Foto: Jane Lougee     NESTE MOMENTO   As pessoas incertas compelem-me. Elas temem O Às de Espadas. Elas temem O amor espontâneo, voltam costas à cornija, Encantadoramente decididas. E não confiam No fogo-de-artifício junto ao lago, primeiro o aparato, Depois as luzes coloridas, subindo no céu. Cautelosas, hesitantes, cheias de dúvida, cobiçosas Consomem o César à proa, no seu regresso, Preso à pedra do seu acto e da sua função.   Enquanto a charanga rebenta cintilante sobre a água, Elas permanecem na multidão, delineando a margem, Cientes da água a Seus pés. Elas sabem. Os seus olhos São assombrados pela água.   Elas perturbam-me, compelem-me. Não é verdade Que “nenhum homem é feliz”, mas não é esse O sentido que te guia. Se somos Inacabados (e somos, a não ser que a esperança seja um sonho mau), Tu és preciso. Puxas a minha manga Antes de eu falar, com uma amizade de sombra, E lembro-me que nós, os...