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Mostrando postagens com o rótulo Afonso Junior

“Carga viva” e a vida que resiste

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Por Afonso Jr Ana Rüsche. Foto: Arquivo pessoal da escritora (Reprodução)   Cheguei bem cedo ao lançamento para comprar o livro sem fila. Ana Rüsche, a autora, a quem eu já havia entrevistado antes, nos recebe com um sorriso e diz: “Deixa eu assinar agora, porque depois...” Eu faço uma piada meio descabida: “E se um milhão de pessoas aparecem?” (em minha defesa lembro que se noticiou que a queda no número de leitores foi de mais de 11 milhões de pessoas desde 2015). Ela estava certa. Quando deixei a livraria, a fila saía pela porta...   Existe um motivo. (Meu eu crítico vai fingir que não me sinto próximo da autora por uma espécie de sintonia telepática, e que não a considero uma referência na investigação da vida, ou essa crônica seria apenas um grande néctar de bajulação de vizinhos de geração).   No debate do lançamento, ouvi dos palestrantes que seria um livro em que aparece o tema do HIV nos anos 1980, em que a autora homenageia o crítico e dramaturgo Alberto Guzik...

Com Marco Aurélio, o que dele nos aproxima

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Por Afonso Junior   O fundador do estoicismo, Zenão de Cítio, teria nascido em torno de 333 a. C.; Marco Aurélio nasceu em 121 de nossa era. Quase quinhentos anos, portanto, e muitas diferenças. Dos livros escritos pelos primeiros estoicos nos resta quase nada — das centenas de escritos de Crisipo, restam os títulos e alguns fragmentos. Do estoicismo romano, entretanto, temos abundante material de Sêneca, as conversas de Epicteto recolhidas em dois livros, e os diários de Marco Aurélio. E, como veremos, algo mais...   Uma das diferenças é que esse estoicismo de Marco Aurélio, ainda que fundamentado em uma tese sobre a ordem cósmica e em uma moral baseada na physis , nos parece muito diverso do estoicismo grego — com seus complexos argumentos sobre o logos, as representações que nos aparecem em um mundo de fenômenos, nossos juízos, a conflagração final e os princípios sem forma (ativo e passivo) que são base dos elementos do mundo. Tudo isso aparece em Marco Aurélio, mas de for...

Aproximações ao Manual de Epicteto e suas Diatribes — nossa ação num mundo de instabilidade

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Por Afonso Junior Epicteto. Retrato imaginado. Oxford, 1715. Recentemente, a série Adolescência tornou-se um sucesso global por trazer à tona vários problemas relativos à nova configuração entre crescimento, redes sociais e violência: por um lado, os pais não têm tempo ou interesse nos filhos, por outro, a machosfera está pronta para radicalizar os meninos, vulneráveis nessa época em que precisariam ainda de apoio, mas estão sozinhos; outros pais se preocuparam em dar todo o conforto material, mas não são capazes de ouvir seus problemas. A paranoia de que as mulheres odeiam os homens acaba “exigindo” ação perversa — mais ou menos, guardadas as proporções, como o povo judeu foi descrito pela ideologia dos anos 1930 como perigoso. Aquilo que os adultos teriam a ensinar foi substituído pelo ensino das telas — com seu iminente fanatismo e preconceito. Os antigos tinham até mesmo um deus, Janus, de duas faces, deus dos portais, para observar essa transição — Carl Jung deu atenção ao mito d...

“Entre o meu ser e o ser alheio”: metamorfoses contra o fascismo cultural

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Por Afonso Junior Ilustração: Daniel Arce Lopez (Reprodução)   Roberto Bolaño no seu livro Literatura nazista na América imagina uma galeria de mediocridades literárias reacionárias, algumas delas buscando referências em Philip K. Dick e Borges... Seria apenas uma piada artística genial, se a América não estivesse provando que o fascismo cultural não morreu e gerou novos produtos na era da internet. Porque é impossível não perceber que o neofascismo voltou a mobilizar as massas depois das “redes sociais”.   “Os alemães piraram de tanto ler, não foi?”, alguém me diz no contexto da caça às bruxas. Se imagina que em torno de 60 mil pessoas foram assassinadas por bruxaria, 25 mil delas no território da atual Alemanha. Lutero morrerá em 1546; em 1532, já temos o Constitutio Criminalis Carolina , código penal que legitima as perseguições. Depois da rebelião do Sola Scriptura, o país prendeu e raspou a cabeça de mulheres e as torturou por voarem, com a fé de que, se eram cris...

A ilha, os fantasmas e o despertar do imaginário

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Por Afonso Junior Marc Ferrez. Ilha de Paquetá, 1885.   A Associação Brasileira de Escritores de Romance Policial, Suspense e Terror (ABERST) realiza anualmente um encontro — o Ghost Story Challenge. A ideia é, repetindo o que ocorreu com o lendário encontro, em Villa Diodati, entre Mary Shelley, seu esposo, Lorde Byron e seu empregado Polidori, inspirar os participantes com ambientes e temas fantásticos.   O local escolhido foi a ilha de Paquetá, no fundo da baía de Guanabara no município do Rio de Janeiro. Ainda que bastante abandonada pelo poder público atualmente, a ilha é muito preservada e guarda histórias que remetem ao Império e ao romantismo.   Eu poderia falar do livro que trouxe o romantismo para o Brasil, A moreninha (1844), escrito por Joaquim Manuel de Macedo, autor que inspirou o jovem José de Alencar. De Pedro Paulo Bruno, pintor que imaginou a ilha como refúgio bucólico romântico. Ou mesmo de nomes como João Saudade (um escravizado), do Solar de...

Visitações à Defesa de Palamedes, de Górgias

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Por Afonso Junior Antonio Zanchi. Palamedes e Odisseu . Museu Nacional de Arte da Bielorrússia   Em Análise dos argumentos jurídicos presentes na Defesa de Palamedes de Górgias , Thatiane Santos Meneses se debruça sobre o texto gorgiano que recorre a um episódio da mitologia: Palamedes discípulo de Quíron, descendente de Dânao, rei do Egito, foi enviado à Ítaca para buscar Odisseu para a guerra; usando de astúcia, desmascarou seu estratagema (a loucura fingida); segundo versão posteriormente fixada por Gaius Hyginus, autor latino, Odisseu mais tarde forjou uma carta de Príamo, rei dos troianos a Palamedes e conseguiu condená-lo à morte.   O livro, que tem origem em dissertação defendida na Universidade Federal de Sergipe, começa por mergulhar no mundo dos sofistas, no qual Protágoras colocará em jogo o conceito de verdadeiro, já que cada um o julgaria a partir de como chegam-lhe os fatos e as informações, e Górgias defenderia que entre o lógos e as coisas reais há um abismo...