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Todos juntos, de Vilma Arêas

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Por Eduardo Galeno Num sentido certeiro, nós podemos enunciar que Vilma Arêas é mestre da forma breve. O que significa: ela detém esse aspecto correlativo que o conto curto — sem o floreio técnico da narração do romance ou da novela — precisa ter para dar seu respiro de vida.   Em Todos juntos , reunião de escritos ficcionais do período entre 1976 e 2023, quer dizer, de toda a sua ficção (que começa em Partidas , sob a ditadura militar, e escoa em Tigrão , escrito durante o governo Bolsonaro e a pandemia da covid-19), Arêas elenca variações do seu estilo como “contista”. Contista entre aspas: ela, além de resgatar a astúcia da velha estrutura das histórias lineares, também brinca com o conto não-genérico.   Vilma adentra num jogo que é assumidamente característico da contraparte dos escritores de nosso tempo: não generalizar. Ou melhor: não corresponder — pelo menos no limite da produção, do mercado e da distribuição literárias — ao ethos dominante. Seus contos poderiam ter sido pos

Animalia, metafísica do fim de um mundo

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Por Bruno Padilla del Valle   O filme Animalia (Marrocos, 2023) é uma das surpresas no fértil terreno da fantasia, como endossado pelo Prêmio Especial do Júri Visão Criativa no Festival de Sundance, e a inclusão da diretora na lista dos “10 to Watch” da Unifrance, uma seleção de dez talentos emergentes do cinema neste ano, junto com outros três diretores franceses — e seis atores. Sofia Alaoui (Casablanca, 1990) estreia no longa-metragem com este título, mas um olhar sobre a sua carreira desde 2015 mostra que ela não é uma novata no audiovisual.   Fundamental em sua carreira foi o curta Qu'importe si les bêtes meurent (2020), que nessa categoria foi vencedor no Sundance e no Prêmio César, e que tem muito em comum com Animalia : as montanhas marroquinas do Atlas como cenário, diálogos em berbere, atores inexperientes (e, neste caso, não profissionais), componente sobrenatural e uma mistura de perspectiva documental e de fantasia que atualizou a singularidade dos filmes de Jacques

Um ditador na linha, de Ismail Kadaré

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Por Henrique Ruy S. Santos Ismail Kadare. Foto: Eric Garault   Desde as primeiras luzes do racionalismo moderno, lançadas sobre o mundo por epígonos do Renascimento e do Iluminismo, as relações da arte com o mundo, digamos assim, externo se modificaram definitivamente. Afastando-se de maneira cada vez mais radical do domínio religioso e das funções de culto, a esfera do artístico passou a se autonomizar de maneira decisiva. A consagração do sentimento estético e da maneira tipicamente moderna como encaramos a ideia do Belo passa por esse processo de consolidação da arte como um mundo regido por valores próprios, ainda que, por vezes, subordinados a princípios absolutos.   Essa progressiva autonomização leva ao surgimento de tendências artísticas que, em última instância, se fecham sobre si mesmas e se concentram em seus próprios procedimentos e técnicas. O hermetismo literário, as concepções da ideia da arte pela arte e a popular imagem da torre de marfim são, de certa forma, manifest

José Donoso. Perito em monstros

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Por Claudio Zeiger José Donoso. Foto: Zuma Press   É tão óbvio quanto inevitável começar pela posição de José Donoso no boom latino-americano. Para não dizer tão mal e rapidamente, dir-se-ia que ele foi algo como a perna mais burguesa do grupo, a retaguarda clássica e saxónica (à frente dos afrancesados Mario Vargas Llosa e Julio Cortázar), o abastado e mimado na infância, o leitor de Henry James. Tinha uma distância que o permitiu escrever uma História pessoal do Boom e um romance ( O obsceno pássaro da noite , um título complexo se eles existem) que deveria estar entre os textos canônicos do boom e ainda assim não está neste céu de Cem anos de solidão , A região mais transparente ou O jogo da amarelinha ; está, no entanto, num outro céu de matizes infernais, nebulosidade variável, um lugar turbulento onde terminam os romances que num momento parecem ameaçar a própria vida, desviam-se do rumo, andam por aí como almas penadas.   Donoso se fascinou com os seus colegas do boom , com

Boletim Letras 360º #604

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Ágota Kristóf. Foto: John Foley   LANÇAMENTOS   Mais três livros de Ágota Kristóf acessíveis para o leitor brasileiro .   Na impressionante Trilogia dos gêmeos ― que inclui os livros O grande caderno , A prova e A terceira mentira ―, Ágota Kristóf ergue o monumento literário que fez dela um dos maiores nomes da literatura europeia do século 20 e referência de artistas, escritores e pensadores de todo o mundo. Aqui acompanhamos a história dos gêmeos Claus e Lucas, deixados na casa da avó numa pequena cidade para que tenham alguma chance de sobreviver à guerra. Os anos que transcorrem são duros, assim como os desafios em que os dois se colocam e que por eles cruzam ― mas nenhum é maior que a separação entre eles. Enquanto acompanhamos a trajetória dos irmãos, testemunhamos também outras transformações igualmente marcantes: da Europa como continente, da própria noção de moralidade, do que pode ou não ser verdade, e até mesmo da prosa da autora, que se transforma à medida que a história

Alfabeto das colisões, de Vladimir Safatle

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Por Herasmo Braga Vladimir Safatle Foto: Ana Paula Paiva   Observa-se hoje, sem grande esforço, o quanto diversas relações e instrumentos sociais têm ficado cada vez mais precarizados. Essa visão não é escatológica, e sim, pequena descrição de como as informações, ideias e manifestações opinativas têm resultado em sentidos distintos do que a trajetória da humanidade desenvolveu ao longo da sua história. Se antes a frase de Marx, contida na obra O 18 de Brumário , “Tudo que é sólido desmancha-se no ar”, hoje, a maior parte das informações e das opiniões não se sustentam à mínima observação crítica, ou mesmo possuem em seu interior alguma base constitutiva de argumentos. Na contramão dessa precarização hegemônica, há livros com ideias fundamentadas que fazem despertar a atenção não pelo apelo, e sim, pela proposição que faz mover os sentimentos críticos que outros materiais buscam aniquilar. Um desses grandes exemplos é a obra do filósofo Vladimir Safatle, lançada recentemente e intitula