Postagens

Realismo mágico: de William Faulkner a Gabriel García Márquez sem clichês

Imagem
Por Agustina del Vigo Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa na casa Agurto. Lima, 8 de setembro de 1967. Embora você possa não acreditar e não pareça, Gabriel García Márquez é um homem tímido. É 5 de setembro de 1967 e ele espera Miguel José Oviedo no lobby do Hotel Crillón, no coração do centro Lima: aceitou o convite para falar em público sobre o romance latino-americano e agora está arrependido. O diretor da Extensão Cultural da Universidade Nacional de Engenharia finalmente o encontra refugiado atrás de uma coluna. Como o seu convidado, o acompanha: estão chegando um pouco atrasados.   Oviedo e Márquez chegam à universidade e o auditório está lotado. Terão que abrir caminho entre a multidão. E embora o sucesso do recente romance do colombiano — Cem anos de solidão — seja total e avassalador, ainda há muitos em Lima que não o reconheceriam mesmo que acontecesse de passar ao lado deles.   O escritor então aproveita: esgueira-se por entre a juventude desfrutando do anonimato, c

Escritoras argentinas: uma visão a partir das margens

Imagem
Por Sandra Lorenzano Ilustração: Liuna Virardi   “Por que é que um grande número de nomes, apesar do seu talento, ainda não consegue ultrapassar o limiar do regional, como vimos ao longo dos anos no projeto Hablemos, escritoras ?” Parto desta questão colocada por Adriana Pacheco Roldán no artigo “O termo boom feminino é inadequado e insuficiente” para deambular pelas margens da atual ficção narrativa argentina e parar em alguns nomes que considero especialmente interessantes e propositais.   Antes de tudo, gostaria de pensar que a notoriedade alcançada por um grupo de autoras argentinas pode iluminar também outra parte do imenso corpus da ficção narrativa escrita por mulheres neste país do sul da América. Considerando autoras como Tununa Mercado (1939), Luisa Valenzuela (1938) ou Tamara Kamenszain (1947-2021) que, sem dúvida, abriram uma fresta em tempos difíceis, parece-me hoje essencial que a curta memória do mercado editorial tende a cobrir com sua “paixão juvenil” as que vieram a

Boletim Letras 360º #575

Imagem
    DO EDITOR   Olá, leitores! Vocês continuaram a conhecer os novos autores que agora publicam no Letras a partir deste ano; saíram os textos de estreia de Henrique Ruy S. Santos e Eduardo Galeno. Estejam atentos que virão outros nomes na semana seguinte.   Os estreantes que começaram a publicar por aqui desde a semana anterior foram os selecionados na chamada divulgada no início de 2024. Mas, se você tem interesse em publicar seu texto no blog, saiba que isso pode acontecer sem que seja um colunista. Conheça os interesses editoriais desta página, como organizar e enviar o seu texto, por aqui .   Agradecemos sua companhia. Um excelente final de semana!   LANÇAMENTOS   Um Graciliano Ramos desconhecido do grande público. Os relatórios de quando foi prefeito de Palmeira dos Índios, pequena cidade do estado de Alagoas, ganham edição em livro .   “Evitei emaranhar-me em teias de aranha”, registrou Graciliano Ramos em um dos relatórios dirigidos ao governador do estado de Alagoas, datado

Festival do romance longo

Imagem
Por Alejandro Zambra Arte: Erika Lee Sears (Detalhe)   Há alguns anos, organizei o Primeiro Festival do Romance Longo, que não chegou a se realizar, mas segue me parecendo uma boa ideia. Ainda conservo os e-mails que enviei a dezenas de escritores e professores convidando-os a compartilhar suas experiências como leitores de romanções, embora jamais tenha conseguido precisar um número mínimo de páginas e me perdi um pouco em uma série de conversas graves e simultâneas sobre quais romances eram realmente longos. Tempos depois publiquei um romance muito curto e algumas pessoas me tomaram por defensor da brevidade. Nada disso. Eu prefiro os romances longos, aqueles que reservamos para a primeira gripe do ano, aqueles que nos obrigam a inventar a primeira gripe do ano para ficarmos em casa lendo.   Em algum momento da adolescência comecei a fingir doenças que me permitiam avançar à vontade nas leituras importantes. Meus pais talvez suspeitassem de alguma coisa, pois me obrigavam a ir ao méd

“Todos nós desconhecidos” acompanha o espectador ante o assédio da realidade

Imagem
Por Alonso Díaz de la Vega Duas reações imediatas a um certo tipo de cinema contemporâneo começam a se repetir. Eu gostaria de chamar esse fenômeno de síndrome Aftersun . Quando aquele longa-metragem, o primeiro de Charlotte Wells, foi lançado, os cinéfilos mais severos o odiaram, mas o público em geral o recebeu com imenso apreço. Para alguns, o filme representou uma forma de terapia; para os outros também. Ambos os lados focaram na representação, no tema do pai idealizado, e daí surgiu uma luta irreconciliável baseada na fobia ou na necessidade do cinema como cura.   Houve também uma terceira via: a de quem ficou desconcertado com uma estreia interessante mas que quis agradar a todos com base em emoções intensas, referências cultas e um estilo ambiguamente minimalista, ou seja, um pouco rígido, esparso, embora sempre dominado pelo velocidade e pela comoção. Confesso que comecei por aqui mas depois flertei com o lado radical. A cinefilia mais fanática, que muitas vezes me tenta, esper

Ca-ca-so

Imagem
Por Pedro Fernandes Cacaso. Foto: Alcyr Cavalcanti É conhecida a descrição de Cacaso oferecida por Roberto Schwarz que o designa como alguém de estampa rigorosamente 68: “cabeludo, óculos de John Lennon, sandálias, paletó vestido em cima da camisa de meia, sacola de couro. Na pessoa dele entretanto esses apetrechos da rebeldia vinham impregnados de outra conotação mais remota. Sendo um cavalheiro de masculinidade ostensiva, Cacaso usava a sandália com meia soquete branca, exatamente como era obrigatório no jardim de infância. A sua bolsa a tiracolo fazia pensar numa lancheira, o cabelo comprido lembrava a idade dos cachinhos, os óculos de vovó pareciam de brinquedo, e o paletó, que emprestava um decoro meio duvidoso ao conjunto, também.”   Esse retrato verbal é razoavelmente fácil de comprovar na era da imagem. Com ele, Roberto Schwarz quis destrinçar não apenas a figura de Cacaso mas certas linhas da sua poesia, algo entre a rebeldia comum aos jovens daquela geração reconhecida como