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A revolução é melancólica: ler Jorge Edwards hoje

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Por Arturo Fontaine Jorge Edwards. Foto: Ulf Andersen   O real é sempre muito mais do que o real documentado. A intuição, imaginação, fornecem hipóteses, interpretações, conjecturas. A ficção é então uma forma de iluminar a realidade através da imaginação da realidade. Não é que a ficção invente um mundo à parte: nos romances de Jorge Edwards, a ficção é uma forma insubstituível de tentar compreender a realidade. Edwards escreve para entender.   Sua poética situa a ficção em relação à história. A tradição realista tem sido criticada, argumentando-se que se temos realidade, por que uma cópia? É uma velha objeção já levantada pelo velho Platão. Na melhor ficção de Edwards, a realidade aparece como algo a ser descoberto. A narrativa vasculha essa realidade que não se entrega facilmente. A verdade deve ser procurada através de aproximações sucessivas e imperfeitas. O estilo de Edwards incorpora esse espírito. As tentativas e conjecturas se sucedem.   A escrita de Edwards tem esse dom irred

Seis poemas de Robert Frost

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Por Pedro Belo Clara (Seleção e versões) Robert Frost. Foto: Alfred Eisenstaedt   CEIFANDO ( A Boy’s Will , 1913)   Nada se ouvia junto à mata, sendo isto a excepção: A minha gadanha à terra sussurrando. Que era que sussurrava? Não saberei dizer; Talvez o sol e seu calor fosse a questão, Talvez que nenhum som se estava escutando – E por isso sussurrava na vez de falar. Não foi nenhum sonho de dádiva das horas ociosas, Ou oiro fácil nas mãos de fada ou elfo a resplandecer: Algo mais que a verdade iria decerto fraquejar Diante do sincero amor que em filas a vala colocou, Não sem arrancar os frágeis picos de flores vaidosas (Pálidas orquídeas), e assustar uma cobra de verde avivado. O facto é o mais doce sonho que o labor experimentou. A minha gadanha sussurrou e o feno por fazer foi deixado.     REPARANDO O MURO ( North of Boston , 1914)   Há algo que não morre de amores por muros, Que faz o chão congelado inchar debaixo deles, E desarranja os pedregulhos do topo, ao sol; E cria falhas

Boletim Letras 360º #524

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DO EDITOR   1. Olá, leitores, desta vez, passamos apenas para deixar o recado de costume: sobre as possibilidades de apoio ao Letras .   2. Nosso projeto é feito e distribuído gratuitamente, mas precisamos pagar despesas mínimas para a manutenção do blog online, como domínio e hospedagem. E, para isso, a sua ajuda é importante. Para descobrir todas as formas de colaborar, basta ir aqui .   3. Entre essas formas de apoio, está a aquisição de qualquer um dos livros apresentados neste Boletim pelos links nele ofertados ou mesmo qualquer produto adquirido online usando este link .     4. Deixamos o desejo de um excelente final de semana, com boas leituras e algum descanso. Elizabeth Bishop. Foto: Yale Collection of American Literature.   LANÇAMENTOS   A vida de Elizabeth Bishop em uma prosa arrebatadora .   “A arte de perder não é nenhum mistério”, vaticinou Elizabeth Bishop em “Uma arte”, um dos seus poemas mais conhecidos. Nesta biografia fascinante, Thomas Travisano joga luz sobre a

Johnny vai à guerra, Dalton Trumbo

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Por Bruno Botto Dalton Trumbo. Foto: Bettmann.   Dalton Trumbo lança Johnny vai à guerra no dia três de setembro de 1939, dois dias depois do começo da Segunda Guerra Mundial. Para um livro com uma proposta de ser pacifista é uma baita ironia. Mas nem Trumbo na década de 30, poderia prever que tal livro deveria resistir às várias intervenções militares estadunidenses nas décadas seguintes. Afinal, a paz parecia uma fruta ainda meio verde para a maioria do mundo no começo do século XX.   Para quem possa achar que Trumbo era um desses escritores panfletários vazios, ele foi um dos célebres roteiristas da época de ouro de Hollywood dos anos 1930 e 1940; roteirizou filmes como Trinta segundos sobre Tóquio (1944), Roman Holiday (1953) e Spartacus (1960).   No final dos anos quarenta e começo dos anos cinquenta, Hollywood decretou caça às bruxas aos comunistas e Dalton Trumbo, que era filiado do Partido Comunista dos Estados Unidos, entrou para a lista negra; deliberadamente esquecido,

Quando ela era boa, de Philip Roth

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Por Pedro Fernandes Philip Roth. Foto: Inge Morath.   Antes de publicar When She Was Good , em 1967, Philip Roth já era autor de outros dois livros: Goodbye, Columbus and Five Short Stories (1959) e Letting Go (1962). É ainda um escritor interessado em explorar o folhetinesco ou à procura do grande romance. O leitor custa se integrar no universo dos acontecimentos porque, como criança aprendendo a andar, um narrador titubeia sem saber ao certo como caminhará. Enquanto nos adaptamos ao sobre o que irá contar , eis outro problema, ele nos oferece um complexo enredamento de núcleos familiares, cada um, com múltiplas personagens e múltiplos enredos. Somente quando encontra um dos fios e o elege como principal é que nos situamos e podemos melhor acompanhar os passos muito precisos da narração que não se descuida de alinhavar os aparentes fios desconexos do começo. Tudo isso serve para dizer como este romance constitui um sério exercício de aprendizagem que resultará o engenhoso Portnoy’s

A revolução como imagem de paz: “Agitação”, de Cyril Schäublin

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Por Alonso Díaz de la Vega   O diretor multinacional Fritz Lang disse que todo grande filme está contido na primeira cena. Também me lembro que o autor estadunidense John Steinbeck disse que os melhores romances podem ser resumidos em uma frase. Se for esse o caso, Agitação ( Unrest , 2022), do cineasta suíço Cyril Schäublin, pode ser descrito como uma resposta insubordinada a um famoso lugar-comum: “Tempo é dinheiro”. A frase foi repetida tanto que pode ter perdido seu impacto. Para a maioria, é apenas uma forma de apressar as pessoas para entregar um pedido, terminar de montar um produto ou enviar um e-mail para convocar imediatamente uma reunião de trabalho, mas suas implicações são encontradas em cada um destes exemplos: pensar que tempo é dinheiro significa dar mais importância para as receitas do que para o trânsito de cada um por uma dimensão que causa marcas e memórias, significa submeter as maravilhas da natureza ao desejo de explorar os seus recursos e os trabalhadores que