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Boletim Letras 360º #560

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José Saramago em registro de percurso promocional do seu livro Viagem a Portugal , abril de 1981. Foto: Arquivo da revista Blimunda . LANÇAMENTOS Edição inédita de  Viagem a Portugal , com material fotográfico de autoria de José Saramago, mapas com itinerários sugeridos pelo escritor e texto de 1999 nunca antes publicado no Brasil .   Ao longo dos anos,  Viagem a Portugal  já ganhou diferentes edições. Esta, porém, é a primeira composta apenas de fotografias tiradas pelo próprio José Saramago. As imagens, assim como o texto, são as memórias de sua jornada pelo país em que nasceu. A convite do Círculo de Leitores, clube do livro que comemorava o décimo aniversário de sua criação em Portugal, Saramago viajou pelas terras lusitanas por quase seis meses. O relato é transposto nesta obra com o distanciamento do narrador em terceira pessoa, que descreve os deslocamentos de um “viajante” no tempo e no espaço, a conhecer pessoas, paisagens e construções desde Trás-os-Montes ao Algarve e desde

A página mais branca da literatura

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Por Pablo de Santis Ilustração: Saul Steinberg   Há algum tempo, ao ler um livro sobre a correção de textos no Renascimento, pensei: “Que grande responsabilidade é revisar um texto sobre a revisão: se deixar passar um erro, vale o dobro”. Não havia nenhuma errata, mas havia algo piorr: um erro de impressão. Muitas páginas em branco.   Aqueles de nós que visitam livrarias com uma regularidade alarmante às vezes recebem uma folha em branco: um castigo por comprar mais livros do que lemos. Às vezes a falha parece uma ilustração secreta sobre o conteúdo do livro. Descobri páginas em branco em A escritura profana , de Northrop Frye, como se a escrita fosse tão profana que tivesse sido apagada, e também em A arte da memória , de Francis Yates, como se entre tantas referências à memória, o esquecimento tivesse querido deixar sua marca. E em A promessa , romance de Friedrich Dürrenmatt, encontrei o pesadelo do leitor de policiais: o final havia desaparecido.   A outra página em branco involun

Herói sem qualidades

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Por Mario Vargas Llosa Antonio Tabucchi. Foto: Leonardo Cendamo.   Antes de Afirma Pereira  (Milão, Feltrinelli, 1994), Antonio Tabucchi havia escrito excelentes contos, mas nesse romance de tão poucas páginas sua obra atingiu patamares que poucas ficções escritas hoje alcançaram. A história deste sombrio e envelhecido jornalista português, que, em agosto de 1938, numa Lisboa cinzenta e sonolenta sob a ditadura salazarista, vive uma transformação ética e política, que, por um breve momento, faz dele um herói, e depois, previsivelmente, já no exílio, regressa à vida anódina, é uma pequena obra-prima que, além de comovente, desenvolve uma problemática moral e cívica que transcende a sua estreita anedota. A eficácia do estilo, a sua perfeita arquitetura e a essencial economia da sua exposição conferem a este texto uma intensidade que raramente a prosa narrativa alcança, apenas a poesia.   Segundo uma nota que Tabucchi escreveu para a décima edição italiana do romance, este foi inspirado n

Napoleão, de Ridley Scott. A dispendiosa monografia de um personagem histórico

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Por Alonso Díaz de la Vega Há muito por onde escolher, mas talvez a imagem mais crua de Napoleão (2023), dirigida por Ridley Scott, seja uma em que o general francês dá ordem para disparar os canhões durante a invasão do Egito em 1798. Os soldados, obedientes, abrem fogo e, sem outra justificativa senão conseguir uma daquelas cenas que constam no trailer para vender bem o filme, uma das balas acaba enterrada na Pirâmide de Quéfren. Mas na realidade isso não aconteceu. A ficção histórica é perigosa porque desenha imaginários de sociedades inteiras; por conta disso, ainda há quem pense que Cristóvão Colombo imaginava que a Terra era plana — isso foi inventado pelo escritor Washington Irving — e certamente alguém acreditará que uma conspiração entre a máfia, a CIA e os gays matou John F. Kennedy — tal como afirma Oliver Stone em JFK (1991). Estes falseamentos generalizados revelam o fracasso da educação pública e o domínio dos meios de comunicação na formação da consciência política das

Sylvia Plath, sessenta anos presa em sua redoma de vidro

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Por Marta Ailouti  Sylvia Plath em Paris, 1956. Arquivo Lilly Library Em 24 de agosto de 1953, Aurelia Schober foi à delegacia para relatar com preocupação o desaparecimento de sua filha, Sylvia Plath (Boston, 1932-Londres, 1963), uma jovem brilhante, admitida no Smith College, a universidade de artes liberais para mulheres em Massachusetts; ela tinha acabado de passar um mês agitado em Nova York depois de receber uma bolsa como estagiária da revista   Mademoiselle . “Para resumir minha reação ante meus problemas mais imediatos — explicaria mais tarde numa carta a um amigo que a sua mãe nunca chegou a enviar —, o caso é que no início de julho decidi poupar algumas centenas de dólares ficando em casa para escrever e aprender taquigrafia, esquecendo-me da escola de verão. Ou seja, procurei reduzir gastos e ser criativa, já sabe. A verdade é que já tinha a certeza de que conseguiria frequentar o curso de criação literária de Frank O’Connor em Harvard, mas aparentemente vários milhares de

A. S. Byatt

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Por Andreu Jaume A. S. Byatt. Foto: Geraint Lewis.   “É a substituição da celebridade pelo heroísmo que alimentou este fenômeno. E é o efeito nivelador dos estudos culturais, mais interessados ​​na exposição midiática e na popularidade do que no mérito literário, cuja existência questionam. Acham legítimo comparar as Brontë com o romance Best-Seller. Tornou-se respeitável ler e discutir o que Roland Barthes chamou de ‘livros para consumo’. Não que haja algo de errado com isso, mas tem muito pouco a ver com o arrepio que sentimos quando vemos através das ‘mágicas janelas, abertas sobre a espuma/ Dos mares perigosos, nas encantadas terras perdidas’ de John Keats”.   Num artigo para The New York Times em 2003, Dame A. S. Byatt, que morreu em novembro deste ano, interveio assim no debate em torno do sucesso de Harry Potter , de J. K. Rowling. Para muitos, o fenômeno representava uma revitalização da literatura que devia ser saudada com entusiasmo, mas Byatt não detectou nada mais do que