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A ópera da Terra ou a linguagem de Gaia: Krakatoa, de Veronica Stigger

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Por Thiago Roney Veronica Stigger. Foto: Eduardo Sterzi   Krakatoa , o novo livro de Veronica Stigger, conta a história do Fim , partindo do último frame do filme Teorema , de Pier Paolo Pasolini, a partir de dentro e de fora dos vulcões, após o grito desesperado do pai de família nu, atordoado, caminhando sobre o vulcão Stromboli, para, com isso, contar a história de outros fins . Melhor dizendo, Krakatoa conta a história, a partir de dentro e de fora dos vulcões, da coisa viva vista e ouvida que culminou em O grito pelo artista norueguês Edvard Munch, para, assim, contar a história do “grande grito da natureza”. Quer dizer, Krakatoa conta a história do grito inebriante e catastrófico do vulcão Krakatoa durante sua erupção em 1883, que deu origem ao “filho” do vulcão, o Anak Krakatoa, em 1927, na Indonésia, para, dessa maneira, contar a história do “feto infernal gestado pela Terra”. Isso significa que, como afirma um certo Eduardo no próprio livro, Krakatoa “não é um romance”, ma

Uma versão fiel de Pedro Páramo

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Por Ernesto Diezmartínez   Minha afirmação vale como garantia: Pedro Páramo (México, 2024), estreia na direção do multipremiado diretor de fotografia mexicano Rodrigo Prieto, é a melhor versão cinematográfica já feita do romance de mesmo nome de Juan Rulfo, publicado pela FCE em 1955.   Para começo de conversa, esta é uma boa notícia, porque seria preciso dizer que, em geral, a obra de Rulfo não tem tido muita sorte com a sétima arte, embora, até o momento, existam pouco mais de trinta roteiros, enredos e adaptações cinematográficas baseadas ou inspiradas em obras rulfianas, sem contar duas séries de televisão: La caponera (2000) e a recente El gallo de oro (2023). Há duas exceções distantes a esta lamentável regra: o enredo quase borgesiano escrito por Rulfo para o curta-metragem El despojo (1960), dirigido por Antonio Reynoso com fotografia hierática em preto e branco de Rafael Corkidi, e o memorável texto escrito a posteriori para o irrepetível clássico poético-experimental de

Max Ernst, poeta da colagem

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Por José de la Colina Marx Ernst, 1934. Foto: Man Ray   Quando Max Ernst (Brühl, 1891 – Paris, 1976) era um menino de cachos loiros e olhos celestiais, seu pai — professor de uma escola para surdos e pintor por hobby — fez um retrato dele em tons melosos de azul, rosa e dourado, e intitulou de O menino Jesus , doce carpinteiro ... ou algo parecido. Max pode ter ficado tocado por aquele tipo de pintura kitsch à qual anos mais tarde prestaria irônicas homenagens em algumas de suas obras (por exemplo, a pintura a óleo que mostra a Virgem Maria dando umas palmadas no menino Jesus), mas detestava aquele retrato pintado por o pai, em quem se via como um monstrinho de doçura, ou seja, um exemplo perfeito do que Freud teria rotulado de pervertido polimorfo. E assim que terminou os estudos básicos, em 1918, deixou o retrato acumular poeira em algum sótão escuro e se dedicou a estudar filosofia na Universidade de Bonn, a exercitar sua insônia lendo Nietzsche ou Baudelaire e a imitar as pincela

Baumgartner, de Paul Auster

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Por Henrique Ruy S. Santos Paul Auster. Foto: Kate Orne   O jovem György Lukács, num dos mais belos ensaios de A alma e as formas , afirma que “o gesto é o salto por meio do qual a alma avança de um para o outro, trocando os fatos sempre relativos da realidade pela eterna certeza das formas. O gesto, para dizer numa palavra, é aquele único salto por meio do qual o absoluto se faz possível na vida” (Lukács, 2017, p. 66).   Pode-se dizer que Baumgartner , último romance de Paul Auster — que faleceu em 30 de abril de 2024 —, publicado no Brasil pela Companhia das Letras com tradução de Jorio Dauster, é a história do esboço de um gesto ou talvez o esboço da história de um gesto. É a história de uma tentativa de criar as formas necessárias para se chegar a uma compreensão do outro e a uma compreensão de si mesmo sem o outro. Nesse contexto, os principais defeitos do livro — sua falta de coesão estrutural, sua insossa errância narrativa, sua indecisão quanto ao que fazer dos temas com que li

Boletim Letras 360º #608

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Carlos Drummond de Andrade. Foto: Lena Muggiati LANÇAMENTOS   Obra reúne pela primeira vez crônicas de Carlos Drummond de Andrade originalmente publicadas no antigo jornal carioca Correio da Manhã , entre 1954 e 1969 .   A antologia é composta de 150 crônicas do poeta, cronista e contista Carlos Drummond de Andrade, nunca vistas em livro. Estes textos, publicados entre 1954 e 1969 nas páginas do antigo jornal carioca que durante a ditadura militar, foi perseguido e fechado em diversas ocasiões ficaram por quase três quartos de século no vasto acervo pessoal do autor. Organizada pelo também cronista Luís Henrique Pellanda, a obra funciona como uma lente que amplia nossa compreensão acerca do tempo e do cotidiano, refletindo a visão de Drummond sobre o século XX. Pellanda observa, no texto de apresentação à edição, que o cronista é, em essência, “um cortejador de acasos”, e que, apesar de o período em que foram escritas estar claramente marcado nas crônicas, Drummond, mesmo à distância

Mortes de intelectual

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Por Violeta Leiva Sebastian Stoskopff. Até que ponto a nossa ocupação determina a forma como morremos? Deixando de lado os acidentes de trabalho, é mais provável que um vendedor de enciclopédia se engasgue com um camarão do que um toureiro? É sabido que há uma multiplicidade de fatores condicionados pelo trabalho — exposição a substâncias tóxicas, stress, esgotamento físico, sedentarismo, hábitos alimentares etc. — que acabam por ter uma influência mais ou menos direta, para bem ou para mal, da maneira como terminaremos nossos dias.   Poderíamos pensar que as ocupações intelectuais, por não implicarem à primeira vista um risco físico significativo, têm pouca influência nos fins daqueles que as realizam. Talvez a corroboração de uma estatística que não possuo não seja necessária para confirmar que o trabalho intelectual é, no entanto, uma atividade de alto risco. As dificuldades e resistências enfrentadas por quem se esforça para preencher páginas e páginas — seja o resultado um grande