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Confissões de uma máscara, de Yukio Mishima

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Por Sérgio Linard Recentemente a Companhia das Letras anunciou em suas redes sociais que este livro estava retornando para as prateleiras depois de um bom tempo indisponível. Não há uma justificativa por parte da editora para essa decisão agora, nem mesmo uma explicação sobre o porquê de um dia o material ter parado de ser vendido. De todo modo, ganhamos com a oportunidade de conhecermos um dos textos mais elogiados da literatura japonesa, que é repleto de bastante vigor e pujança ainda que possua momentos monotônicos, mas que são muito bem-vindos exatamente por ajudarem a perceber a constância do sentimento de opressão enfrentado. Aquilo que poderia ser uma grande falha ou motivo para abandono da leitura, por exemplo, torna-se fôlego pertinente para a história.   Inicialmente, importa que eu faça aqui o destaque de que não considero a monotonia algo necessariamente ruim. Por muito tempo em nossas vidas é um ritmo único e constante que procuramos, é a estabilidade que almejamos. Ótimo.

Viena, Paris e Grécia: algumas horas caminhando com Jesse e Céline

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Por Andrea Calamari Uma melodia doce e barroca na tela escura: Ethan Hawke, Julie Delpy. É a abertura de Dido e Enéias , de Henry Purcell, e os violinos entram urgentes com a imagem das avenidas, o som da máquina acrescenta intensidade. De dentro avista-se o verde do campo, as casas isoladas, as árvores de verão, uma ponte, o rio azul, até que os últimos acordes nos deixam dentro do trem. Vamos ver uma história. Paris   Em O sentido de um fim , Frank Kermode diz que as pessoas, assim como a poesia, rapidamente param a meio do caminho: in medias res . Para que tudo, ou pelo menos alguma coisa, faça sentido, precisamos de uma ordenação temporal, de um antes e depois, de correlações fictícias com as origens e os fins. E para isso servimo-nos da narrativa. A vida flui sem pausas ou interrupções, nunca começa nem termina, é um amálgama de histórias que se cruzam. A vida não se importa com personagens, a ficção sim. É o simulacro narrativo que dá ordem e, portanto, sentido a essa desordem da

Marrocos através dos livros

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Por Berna González Harbour Mahi Binebine © Fouad Maazouz   Viajar pelos livros pode ser tão ou mais enriquecedor do que percorrer os seus lugares; e as novas gerações de escritores colocaram o Marrocos num novo mapa literário essencial para conhecer o país. Em geral, já colocaram seus pés noutros mundos, no da emigração, no do exílio ou simplesmente no da fuga à opressão que ainda respiram em sua casa, desafiando o estandardizado modo de vida. Mas o país continua a ser um material literário dos autores. O mundo deles. Tal como o canário na mina 1 ou o alerta antecipado de tsunami, há muito que eles pintam o universo de enorme desigualdade que acaba de se tornar novamente evidente com o terremoto que atingiu a terra de Atlas. 2   Ver as casas de adobe destruídas pelos movimentos das tectônicas, ver a população indefesa lutando sozinha contra os infortúnios como se fossem desígnios divinos, a ajuda chegando em lombo de burros e o Rei Mohamed VI visitando dias depois algumas vítimas esco

Tolstói versus Shakespeare com Stendhal como testemunha

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Por Christopher Domínguez Michael   Finalmente consegui obter um exemplar do livreto Tolstói on Shakespeare , publicado pela The Free Age Press, em Londres, em 1906, por um admirador estadunidense do conde russo, Ernest Howard Crosby. Mas antes de ler qualquer coisa de Tolstói sobre Shakespeare , vale a pena lembrar que a fortuna de Shakespeare, como a de qualquer outro clássico, nunca foi estática. Tudo começou da pior maneira para aqueles governantes de gosto que eram os franceses até que, da outra margem do rio Reno, apareceu o romantismo, rejeitando-os com tudo e ao seu imperador Napoleão e à sua Revolução de 1789. Voltaire, depois de alguma hesitação, já tinha condenado Shakespeare por sua vulgaridade e mau gosto. Considerava-o típico dos “selvagens britânicos”, apresentando-o sempre em desvantagem face aos autores dramáticos do Grande Século. Mas Tolstói observa que foi G. G. Gervinus (1805-1871), um historiador que os russos acusam de ser um “livre-pensador”, que acabou reivindi

Seis poemas de “Numa folha, leve e livre”, de António Ramos Rosa

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Por Pedro Belo Clara António Ramos Rosa. Foto: Nuno Ferreira Santos.   Lúcido rosto de uma haste cálida de frementes veias tão meu como o espaço em que vogava entre nuvens e árvores   Era uma folha que entre folhas flutuava respirando a maresia viva de um mar que estava longe e perto e em voluptuosa leveza o peito abria-se   Que adolescência aérea partilhada em júbilo fresquíssimo com o deus dos elementos vivos na sua glória actual embriagadamente efémera como se nascêssemos continuamente em transparente plenitude     ***     Amar as palavras é inventar o vento através da noite em pleno dia   Se desapareço grão por entre grãos é porque um deus adormece como um astro imóvel polvilhado de pólen   Onde estiver serei o sono do amor num claro jardim e como se estivesse morto as ervas hão-de romper das minhas unhas verdes e a minha boca terá a ébria frescura da plenitude do espaço     ***     Creio nas palavras transparentes que pertencem ao vento ao sal à latitude pura   Aqui no meu red

Boletim Letras 360º #550

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Bernardo Carvalho. Foto: Edilson Dantas LANÇAMENTOS   O novo romance de Bernardo Carvalho é descrito como feroz e comovente sobre as complexas relações entre pai e filho .   Durante a ditadura brasileira, um pai e seu filho de onze anos partem numa viagem à Amazônia. Num bimotor sobrevoam a floresta. O pai, um empresário em conluio com militares ligados ao governo, tem a tarefa de negociar a madeira da região com grupos estrangeiros. Enquanto o país sucumbe em tenebrosas transações, o menino se envolve mais e mais na leitura de uma novela de ficção científica na qual, após o fim do nosso planeta, um grupo de eleitos parte numa jornada exploratória do espaço. Tensionada todo o tempo entre a perspectiva do menino que vive a história enquanto ela acontece e a do adulto que rememora, a voz que narra este romance nos convida a olhar para a tragédia de um país. Reflexão incômoda sobre a história do Brasil dos últimos sessenta anos, Os substitutos mescla temas ecológicos urgentes, personagen