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Para conhecer melhor Lydia Davis

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Por Kit Maude Lydia Davis. Foto: Colin McPherson  Seria possível dizer que a segunda década do século XXI tem sido a da escritora estadunidense Lydia Davis. Depois da publicação, em 2009, da reunião de seus contos, The Collected Stories of Lydia Davis , em poucos anos passou a ser reconhecida como uma das grandes figuras da literatura em seu país, exercendo tamanha influência que de repente não era incomum ouvir reclamações de professores nos cursos de escrita criativa de que todos os alunos queriam escrever parecido com ela. Mas esse sucesso não veio do nada. Davis já era uma figura respeitada em seu meio; filha de um casal de escritores — Robert Gorham Davis e Hope Hale Davis — e uma tradutora de prestígio, sempre teve consigo um público, embora não muito grande, fiel para sua obra.   As razões pelas quais um escritor de repente se torna um fenômeno editorial enquanto outros não são muitas vezes um mistério. Mas este não é o caso aqui. Davis especializou-se num tipo de conto, brevíss

A velhice de ouro de Akira Kurosawa

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Por Emilio de Gorgot Que um diretor de cinema consiga continuar fazendo filmes durante a sua velhice é sempre bastante incomum, mas que os seus últimos anos sejam precisamente os mais revolucionários da sua carreira, a ponto de o fazer reconsiderar o peso de todo o seu legado artístico, é algo que provavelmente só aconteceu com Akira Kurosawa, o maior diretor japonês de todos os tempos. E no início dos anos setenta Kurosawa parecia condenado à aposentadoria. Tal como acontecia com Alfred Hitchcock ou Billy Wilder na mesma época, a indústria parecia ter perdido o interesse no seu trabalho. Seu declínio profissional o levou até a tentar o suicídio. Quando seu futuro no cinema parecia acabado, um resgate providencial chegou do lugar mais inesperado: a União Soviética. Os russos ofereceram-lhe a possibilidade de dirigir uma nova obra com a qual o gênio japonês não só conseguiu recuperar sua posição de prestígio no mundo do cinema, mas também marcou o início de uma gloriosa última fase em q

Pressinto os anjos que me perseguem, de Helena Jobim

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Por Henrique Ruy S. San tos   A morte é uma condição que a gente vive acordado. Ricardo Lísias¹ Toda literatura que pretende dar conta de acontecimentos reais apresenta uma armadilha ao crítico, e mesmo ao leitor comum. E essa armadilha é tanto mais insidiosa quanto mais íntima é a natureza dos fatos narrados, como costuma acontecer na autoficção. Explico: um livro (mas também um filme, uma série de TV etc., especialmente as produções do gênero documentário), ao estabelecer de antemão seu nexo indissociável com determinados fatos, pode levar o leitor a equivocadamente assumir como baliza crítica a fidelidade da narrativa a esses acontecimentos que pretende narrar.  Quando os fatos pertencem à vida pessoal do narrador, o leitor e/ ou o crítico, caso caia na armadilha, corre o risco de neutralizar-se por total, pois nem o critério da fidelidade à realidade é praticável, uma vez que os fatos não são públicos nem verificáveis a priori . A sensibilidade da matéria e o enquadramento do texto

Sara Gallardo: uma língua a meio caminho

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Por Diego Di Vincenzo Sara Gallardo. Arquivo revista Anfíbia . Pouco depois de começar a ler Eisejuaz (1971), o quarto romance da escritora argentina Sara Gallardo, sucede a experiência de uma leitura no abismo, porque, fragmentada na dicção de seus personagens, aparentemente incoerente, ancorada numa forma estranha de construir as frases, entrecortada, repetitiva, mas fascinante.   “Que livro estranho e belo você concebeu! Não imagino como isso lhe ocorreu, nem como você se atreveu a empreendê-lo. Que audácia!”, escreveu Manuel Mujica Láinez, amigo da escritora e especialista em ousadias linguísticas. E isso pela cadência que possui essas abduções da linguagem comum, principalmente na forma de organização das frases. Réplicas de diálogo que prosperam na direção invertida, na sugestão, na incompletude. Uma linguagem a meio caminho, que não se diz tudo, como se desfizesse convenções e outras formas de hierarquia e controle linguístico.   Eisejuaz é o nome sagrado pelo qual Lisandro Ve

Boletim Letras 360º #600

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DO EDITOR   Caro leitor, esta a vez seiscentas que se publica uma edição deste Boletim. Criada depois que as redes sociais passaram à regulação dos algoritmos, modelo como se sabe, que limita a visibilidade dos conteúdos postados, de repositório, esta entrada semanal passou a agregar outras seções que, espero, tenham ajudado com informação e com boas leituras.   E, por falar das redes sociais, a suspensão do Twitter pela justiça brasileira obrigou aos nômades virtuais encontrarem outra rede e nesses dias duas possibilidades se abriram com a Threads e a Bluesky . Apesar de chegar a essas duas regiões da web , o Letras ainda engatinha, mas, se o leitor acompanhava este blog na social bloqueada (ou não), eis o convite para os novos vínculos — você será sempre muito bem-vindo.   Obrigado pela companhia e a audiência que faz esta postagem ser a primeira em acessos no blog! E, claro, não deixe de ler, sempre que possível, nossas entradas diárias.   LANÇAMENTOS   Pela primeira vez no Bras

Árvores cerradas

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Por Alejandro Zambra Wolfgang Volz. Christo and Jeanne-Claude: Wrapped Trees, Fondation Beyeler and Berower Parc, Riehen, Switzerland (1997 - 1998)   A história de Bonsai é a história longa de um livro curto. Nove anos atrás, em uma manhã de 1998, encontrei no jornal a fotografia de uma árvore coberta por um tecido transparente. A imagem pertencia a série Wrapped Trees , de Christo & Jeanne-Claude, artistas que há décadas correm mundo recobrindo paisagens e monumentos nacionais. Lembro que escrevi, naqueles dias, um poema não muito bom que falava de árvores cerradas, encerradas. E logo me deparei com os bonsais, tão parecidos, em certo sentido, com as árvores de Christo e Jeanne-Claude, embora reduzidas, à força, pelo capricho da poda.   Escrever é como cuidar de um bonsai, então pensei e agora penso: escrever é podar os ramos até dar a ver uma forma que já estava ali, oculta; escrever é alambrar a linguagem para que as palavras digam, de uma vez, o que queremos dizer; escrever é