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Mostrando postagens com o rótulo Ferreira Gullar

O estranho caso dos poemas de Gullar que não chegaram à URSS

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Por Rafael Bonavina   Ferreira Gullar, 1965. Foto: França. Arquivo Correio da Manhã (Reprodução) O grande poeta maranhense Ferreira Gullar é um daqueles escritores que, apesar de sua obra importantíssima, ainda se encontra praticamente não traduzida; só aqui e ali encontramos algumas traduções de excelente qualidade. Porém, é preciso chamar a atenção para um caso bastante peculiar em que alguns de seus poemas poderiam ter alcançado outro idioma, mas morreram na praia, ou melhor, na neve. Para isso, começaremos por uma breve explicação de como Gullar foi parar na União Soviética em plenos anos 1970.   Como sabemos, o poeta maranhense era bastante incômodo para a Ditadura Militar por causa da sua atuação política, tanto poética quanto militante; diga-se de passagem, que não se tratava de um ator de segunda categoria, e sim de importância fundamental naquele momento. Por exemplo, sua voz grave e impactante era muito requisitada para a narração de filmes do Cinema Novo, como Maior...

O poeta inquieto

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Por Pedro Fernandes Ferreira Gullar. Foto: Guillermo Giansanti.   No texto utilizado como posfácio para a edição de Toda poesia (Companhia das Letras, 2021), “A fala ao revés da fala”, o também poeta Antonio Cicero passa em revista o projeto literário de Ferreira Gullar, livro a livro, apontando as peculiaridades de cada uma dessas obras e o papel que desempenham na formação de uma poética das mais interessantes na literatura brasileira do século XX. Nesse itinerário, uma característica, especificamente, chama atenção e esta é derivada da própria fala do autor de A luta corporal , de algumas passagens situadas em momentos diversos da sua carreira: como a cada novo trabalho, à medida que reiterava expressões criativas em vigor se mostrava o poeta em tentativa de desfiliação, abrindo-se a outros interesses, ao ponto de, muitas vezes, significar a obra presente uma negativa da obra anterior.   Esse movimento de afirmação e negação morreu com Ferreira Gullar. Seu último livro de ...

Umas palavras sobre uma breve fase de um grande poeta: Ferreira Gullar e o Centro Popular de Cultura

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Por Fábio Roberto Ferreira Barreto Em março de 1962, vinha a lume o Anteprojeto de Manifesto do Centro Popular de Cultura ; embora suas atividades cronologicamente tenham se iniciado em 1961. Para rememorar o CPC, bem como para comemorar minha estreia como colunista no Letras in.verso e re.verso , escrevo sobre o poeta Ferreira Gullar e sua fase cepecista. Roberto Freire e Ferreira Gullar durante o lançamento de Cultura popular em questão  no CPC da UNE, 1963.   Apesar de não se enquadrar, Ferreira Gullar em um quadro: fase cepecista   Ferreira Gullar não é poeta que se enquadre. O estudioso João Luiz Lafetá, em “Traduzir-se – ensaio sobre a poesia de Ferreira Gullar”, afirma: “dentro do clima esteticista da Geração de 45, passou pela ruptura do Concretismo e do Neoconcretismo, pelo discurso populista do CPC [Centro Popular de Cultura] e pelo demorado, ainda inconcluso, processo atual de travessia de uma situação difícil para a criação poética”. Alfredo Bosi, vincu...

Campeões

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 Por  Ferreira Gullar © Márcio Petini Não sei quem terá escapado à atmosfera de alegria e pânico em que o Rio mergulhou  nestas últimas semanas com os últimos jogos da Copa do Mundo. Sem saber como nem porque, vi-me de repente de ouvido grudado ao rádio, submetido a uma tortura diabólica: era como se cargas de eletricidade (ou o que fosse) me entrassem pelo ouvido numa frequência poderosa e instável que ora me fazia suar frio ora estremecer de expectativa e apreensão. Vejo-me agora, de longe. Prometeu doméstico com um abutre a me devorar pelo ouvido. Eu mesmo ligara o aparelho de tontura, eu mesmo cuidava dele regulando cuidadosamente o volume e a clareza do som, e se qualquer coisa interceptava a transmissão e de deixava livre por um segundo, tinha ímpetos de arrebentar o rádio, porque eu queria ser torturado! Vivia o drama de quase 60 milhões de expectativa e apreensão. Vejo-me agora, de longe. Prometeu do Brasil. Confesso que há ...

O “Poema sujo”: a história do poema

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Por Ferreira Gullar Uma das edições de Poema sujo Escrevi o Poema sujo  em 1975, em Buenos Aires, depois de anos de exílio em Moscou, Santiago do Chile e Lima. Se a primeira parte do exílio foi sofrida e atordoante (só me dei conta de que minha presença em Moscou era real, seis meses depois de estar vivendo lá), a última parte - queda de Allende, reencontro traumatizante com a família no Peru - foi devastadora. Transferi-me em 1974 para Buenos Aires, cidade mais acolhedora e próxima do Brasil mas, desgraçadamente, logo a situação política se agravou, desencadeando-se a repressão às esquerdas e aos exilados. À minha volta, os amigos começaram a ser presos ou fugir. Com o passaporte vencido, não poderia sair do país, a não ser para o Paraguai ou Bolívia, dominados por ditaduras ferozes como a nossa. Enquanto isso, a cada manhã, novos cadáveres eram encontrados próximo ao aeroporto de Ezeiza, alguns deles destroçados a dinamite. Sabia-se que agentes da ditadura brasileira t...

Novamente, Ferreira Gullar

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Por Pedro Fernandes O poeta Ferreira Gullar em seu escritório em Copacabana. Foto de Tomás Rangel/ Portal Saraiva Segundo nota publicada no mês de setembro deste ano na coluna Gente Boa, e de que se agora tomei conhecimento, enquanto fazia uma ronda pela internet para uma post sobre o poeta maranhense, Ferreira Gullar entregou, por esta época, a Maria Amélia Mello, da editora José Olympio, os originais de  O homem como invenção de si mesmo . Provavelmente este será o seu próximo livro; trata-se de um monólogo em um ato. Em julho, o poeta, em seu apartamento em Copacabana, Rio de Janeiro, deu uma entrevista para Bruno Dorigatti e Ramon Mello, do Portal Saraiva. Na entrevista, Ferreira Gullar volta a São Luís, sua terra natal e relembra sua infância; fala do contato com a poesia, da busca pela subversão linguística, do Poema enterrado , dos anos de exílio e do momento atual, aos 80 anos, ganhador do Prêmio Camões e em ainda em pleno vapor nas suas ativid...

O Poema Enterrado: uma experiência-limite

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Por Ferreira Gullar Entre 1959 e 1961, quando nasceu e eclodiu o movimento neoconcreto, tornei-me amigo de Hélio Oiticica, que eu tinha como uma espécie de irmão mais novo. Ele, aliás, era o mais moço do grupo e o último a se juntar a ele, tanto que não participou da primeira exposição neoconcreta, inaugurada em março de 1959, no MAM do Rio, nem assinou o manifesto, publicado naquela ocasião. Mas Hélio, de todos, era o mais determinado a buscar novos caminhos de expressão, a levar adiante as propostas que surgiam do trabalho e da troca de ideias e de experiências. Ele estava convencido de que a arte neoconcreta abrira um território novo à criação artística. Esse era um tema frequente em nossas conversas, que, na verdade, se limitavam a algumas hipóteses sem resposta. A resposta não estava no discurso, mas no trabalho criador. O incêndio, que recentemente destruiu grande parte de suas obras, chegou-me como uma notícia inverossímil pelo telefone, quando a repórter me f...

Uma leitura de “Em alguma parte alguma”, de Ferreira Gullar

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Por Régis Bonvicino O novo livro de Ferreira Gullar traz 58 poemas, que se organizam como memória, não da vida, mas de suas leituras de certa poesia brasileira, sobretudo a dos anos 1950 para trás, vazadas de biografia que se lê, aqui e ali, nos textos. Essa memória de leituras se dispõe por meio de colagens de trechos reimaginados de poemas de Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, do próprio Gullar, de traços típicos do concretismo e de anotações soltas, à la modernismo lato sensu. Há um serialismo livre, que desdobra poemas e temas, sem se caracterizar como dodecafônico (Arnold Schoenberg) ou integral (Pierre Boulez), ou seja, sem intenção de obra acabada, ao contrário, por exemplo, de Educação pela pedra  (1966), de Cabral. Há, nas peças, uma aparente recusa do discurso literário, que, entretanto, se resolve literariamente em um discurso literário, “poético”. Os textos se estruturam em orações subordinadas coloquiais, mas eruditas, pont...

Ferreira Gullar, Prêmio Camões 2010

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Depois do cabo-verdiano Arménio Vieira, o título do Prêmio Camões vai para um dos mais importantes nomes da literatura em língua portuguesa, Ferreira Gullar distinguido, no último dia 30 de maio de 2010, por um trabalho literário que incorpora produções na área do romance, da poesia e da dramaturgia. A novidade é que o escritor anda a preparar seu novo livro, já de título - Em alguma parte alguma . Abaixo, deixamos um texto do poeta "Poesia e Realidade" seguido de um vídeo apresenta o poeta lendo um trecho do seu mais famoso texto, Poema Sujo , de 1975. * Não pode nenhum poeta - nem ninguém - ter a pretensão de estabelecer rumos e regras para a poesia. Não resta dúvida de que a poesia, como qualquer outro fenômeno social, está sujeita a determinações do espaço e do tempo históricos mas o modo como essas determinações atuam sobre a produção do poema é absolutamente impossível de prever-se. O estudo das escolas e estilos literários indica a presença de traços...