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Mostrando postagens com o rótulo Lee Pontes

O livro como extensão da imaginação

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Por Lee Pontes O livro, diz Borges, é o instrumento mais impressionante inventado pelo homem. O fato se deve, para o mestre argentino, que todos os outros são extensões do corpo. A roupa atua como uma segunda pele. Os automóveis são continuações dos pés, o microscópio amplificador dos olhos, etc. Apenas, o livro não é extensão de nada, mas um depositário da imaginação humana. São nas inúmeras páginas que nos perdemos, vertendo, de acordo com nossa formação sociocultural, o mundo forjado pelos escritores. Não existe algo de mais singular, que perdesse entre livros, entretanto, com os outros objetos, perdemo-nos, mas, logo nos encontramos. Os outros objetos tem o momento de adequação para seu uso, o livro não exige uma adequação ou pede um lugar exato para ser lido. Embora, cada indivíduo promova um ritual próprio para o culto à leitura, o próprio ato de ler que orienta a jornada do leitor. Em Gli amori difficili , Calvino coloca o leitor a par da aventura da leitura. Um...

A cruzada moral em Os miseráveis

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Por Lee Pontes Eugène Delacroix. La Liberté guidant le peuple Se a literatura é sempre um oceano de possibilidades,  Os Miseráveis é um mar em si. Expõe não alguns anos, mas um século. Cem anos saltam de suas páginas que, na nossa leitura, inicia-se pela capa. A editora Martin Claret escolheu da produção artística da revolução francesa o quadro La Liberté guidant le peuple , mais conhecido, de Eugène Delacroix, que eterniza um momento, a revolução de julho de 1830 que levou a queda de Carlos X. Uma mulher surge em primeiro plano com a roupa rasgada e o peito nu. Madame Liberté se ergue sobre aqueles que morreram para defender a revolução. Com uma baioneta em punho e a bandeira da França para o alto, chama os homens à luta contra os inimigos da revolução. O peito nu representa a pureza de seus ideais, que aspiram a um Estado em que homens, mulheres e crianças sejam tratados como iguais. Assim, despe-se de sua condição feminina e luta por um novo futuro. Os sans culot...

Das desleituras nas artes ou Quem pagará o enterro, se eu morrer de amores

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por Lee Pontes Pablo Picasso. Mulher com livro.  Quando Aristóteles escreveu sua “Arte Poética”, não desenvolveu ao prazer do acaso critérios de juízo para definir o que é uma obra artística. Ao contrário, realizou uma leitura acurada das obras disponíveis em seu tempo e definiu-as e/ou separou-as dos textos em geral. O juízo de valor erguido tinha por base o processo de representação do mundo redefinido por uma mímese, ou seja, o que se dá pela desrealização do real com vistas à universalização do particular (deve-se entender aqui como particular o estrato retirado do mundo em um determinado tempo e num determinado espaço). O processo de desrealização feito pela Arte (falamos aqui de arte em geral) não seria uma imitação do mundo, porém tratar-se-ia de uma perda do real para focar-se na essência do objeto de discurso concebido pela criação artística. A catarse aristotélica não se trata de uma simples purgação, embora se dê, antes, uma busca por libertação das imp...

Helena e os entremundos da leitura

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Por Lee Pontes José Ferraz de Almeida Júnior. A leitura . 1892. O “mundo do texto” e o “mundo em que vive o leitor” não são faces da mesma moeda,  entretanto,  podemos  entender  ou  pensar  neles  como espelhos colocado um ao lado do outro, no qual o leitor os observa e os interpreta. Dessa observação ou dessa leitura dupla emerge o “mundo da leitura”, formado pela oposição entre confrontar o “mundo do texto” e o “mundo do leitor”. O “mundo do texto” cria livremente as relações por observação e criação linguística, em que os signos passam a funcionar como elemento de ligação entre o mundo composto na obra e o mundo do leitor.  Ou seja, pela ação  de  ler,  o  leitor  busca  na  sua  experiência  e vivência remontar aquilo disposto na superfície linguística. Tal relação  entre  linguagem e  representação  nunca  foi  simples  e  sem conflitos,...

Shakespeare e a morte em Romeu e Julieta

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Por Lee Pontes A reconciliação dos Montecchios e Capuletos sobre os corpos de Romeu e Julieta . Frederic Lord Leighton Em Como e por que ler , o crítico literário Harold Bloom diz: “talvez, a obra de Shakespeare não devesse ter se tornado para nós uma escritura secular, a meu ver, ela é a única rival possível da Bíblia, em força literária”. Tais palavras podem, para o leitor (caso esteja vestido dos valores religiosos cristãos), ser consideradas uma blasfêmia. Ora, colocar um texto como Hamlet ou Rei Lear ao nível da escritura bíblica, é afirmar que a literatura pode se tornar um pilar cultural para além dos muros da nação de seu nascedouro. Um fato é certo, seja em qualquer nação ou qualquer cultura, ler Shakespeare é fundamental. Não por ser o maior dramaturgo ocidental, mas por seus personagens serem tão grandes, que, não mais pertencendo à vida inglesa, universalizam o homem e seus dilemas. Poderíamos tratar de Hamlet , o mais aclamado texto, ou Rei Lear , o protót...

Os porquês das leituras dos clássicos ou o mito da leitura

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Por Lee Pontes Italo Calvino diz que a única razão da leitura do clássico é que ler um clássico é melhor que não ler um clássico. Mas o que é um clássico? Um clássico é aquele ser fantasmagórico que nos sorri um riso enigmático. Para o ser comum, pode, tal riso, ser de desdém. Porém, nunca o é. O riso, mesmo o não-riso de Monalisa, é um convite. Um convite a quê? Não sabemos. Os clássicos são como os cantos das sereias e o leitor é aquele que se amarra ao clássico para ouvir e não se lançar no mundo-mar. A leitura é o posicionar da alma no meio do oceano, cujas ondas vão nos guiando para mais mar e mais leitura. Odisseu é o primeiro leitor e, por que não, o primeiro escritor. Mas o que é lido? O cotidiano é lido ou narrado por Odisseu, trata-se, assim, leitura-escritura. Queremos dizer que o ato da leitura é um processo de escritura. Odisseu vivenciará muitos acontecimentos, partira para a guerra e não fora aclamado herói pela força, mas vencerá pela palavra. Ao ler o se...