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A revolução de Pasolini

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Por Herminio Requejo Schoendorff Enrique Irazoqui e Pier Paolo Pasolini, bastidores de filmagem de O Evangelho Segundo São Mateus . Foto: Domenico Notarangelo.   “Sou um descrente com uma fé que me atormenta.” Esta frase, proferida pelo cineasta e escritor italiano Pier Paolo Pasolini, resume, como nenhuma outra, sua motivação artística e seu impulso vital. Ele a proferiu após ser condenado a quatro meses de prisão, acusado de “vilificar a religião do Estado” por seu curta-metragem La ricotta . Nele, um homem pobre, contratado como figurante em um filme sobre a Paixão de Cristo, procura desesperadamente algo para comer. Faminto, devora impulsivamente a ricota que dá nome ao filme e morre, por excesso ou destino, no momento da crucificação. No tribunal, Pasolini se defendeu: não se tratava de uma zombaria da religião, mas de uma denúncia da hipocrisia de uma sociedade que se proclama cristã enquanto ignora os marginalizados. “Não me interessa provocar. Interessa-me mostrar a verdad...

Seis livros para entrar no universo de Pier Paolo Pasolini

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  Pier Paolo Pasolini. Foto: Marka.   Pela natureza da obra, Pier Paolo Pasolini é primeiro lembrado pela sua produção cinematográfica. Mas, o criador italiano começou sua vivência nas artes pela literatura e foi esse campo que se abriu para ele como o mais fértil, situando-o entre os mais importantes nomes do seu país no século XX.   Ele próprio relembra que começou a escrever poesia aos sete anos, no segundo ano do primeiro grau, experiência que passa por uma profunda modificação quando encontra numa aula de literatura a poesia de Rimbaud. Seria nesse gênero que publicaria seu primeiro livro, em 1942. Poesie a Casarsa foi escrito no dialeto friulano, a língua da mãe, nascida ao norte da Itália, em Casarsa della Delizia.   O interesse pela língua falada pelos camponeses, nascido do convívio com a gente de Friuli, onde chegou a morar com a mãe e o único irmão depois assassinado, se deve, como repara Maria Betânia Amoroso, ao reconhecimento da riqueza cultural aí e...

Pier Paolo Pasolini escritor: a revolução permanente

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Por Luis Antonio de Villena Pier Paolo Pasolini. Foto: Imago Images/ Leemage Dizemos bem. A revolução começa e termina, e muitas vezes mal. Trótski estava equivocado: não a revolução, mas a rebelião. Esse foi o signo de Pier Paolo Pasolini, toda a sua vida, quase desde seu nascimento em Bolonha, até agora um século depois. Seu pai (militar) e sua mãe (professora primária) não seguiram caminhos muito semelhantes, e Pier Paolo escolheu o caminho de sua mãe.   Em anos incertos, e já com o fascismo no poder, viveram em muitos lugares, vários no Veneto. Pasolini estudou em Bolonha, mas acabou na cidade da parte da família materna, Casarsa, onde se fala o friulano. Em 1941 publicou um pequeno livro de poemas, Versi à Casarsa , que chamou a atenção de Gianfranco Contini, que se tornaria um crítico muito notável. Pasolini deu aulas — não permitidas — no lugarejo. E conta-se que sua descoberta sexual (também um vetor de seu trabalho) começaria então com um de seus alunos, por volta de 1944....

Maldição e dessacralização: elogio da realidade em Angiolieri e Pasolini

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Por André Cupone Gatti Pier Paolo Pasolini. Foto: Dino Pedriali   I. O termo “poète maudit” surgiu séculos após a morte daquele que o inspirou. Aceita-se que foi Alfred de Vigny, em pleno romantismo, o primeiro a empregar a expressão, ao se referir ao poeta francês do fim da Idade Média, François Villon, na sua obra Stello . Ao discutir os problemas da relação entre os poetas e a sociedade, o romantismo conferiu um significado inflamado ao “poeta maldito”, personagem trágico, desventurado e errante, à beira da loucura. Paul Verlaine, ainda no século XIX, revitalizou o termo, ao inseri-lo no contexto dos poetas finisseculares de inclinação simbolista e decadentista. Ainda personagens desventurados, mas não tão trágicos como inicialmente, os “poètes maudits”, no entendimento de Verlaine, eram aqueles obscurecidos e incompreendidos no meio literário, provocativos no comportamento e muitas vezes herméticos no estilo. Corbière, Rimbaud e Mallarmé foram os principais paradigmas do poeta ...

Algumas notas sobre “Poemas”, de Pier Paolo Pasolini

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Por Pedro Fernandes No Brasil, Pier Paolo Pasolini é uma figura, ao mesmo tempo, conhecida e desconhecida. Apesar de autor de um cinema integralmente situado fora dos chamados circuitos comerciais, é pouco provável que alguém não tenha deixado de ao menos ouvir falar em títulos como Salò ou os 120 dias de Sodoma , talvez o seu filme mais conhecido. Se estreitarmos ainda mais o público, é possível lembrar outros títulos, quais Medeia , Teorema ou Os contos de Canterbury . Desses títulos, o leitor deste texto que nunca tenha assistido nenhum deles, não deixará de perceber a estreita relação que o cinema do italiano mantém com o universo literário. E isso não é em nada gratuito. Romancista que se preocupou em construir uma obra interessada em revelar a periferia proletária da Itália de seu tempo – país com o qual desenvolveu intenso, e nem sempre cordial, (para dizer nunca) diálogo – ele próprio considerava-se acima de tudo um poeta. E não faltará quem também assim o rec...

Medeia, de Pier Paolo Pasolini

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Por Pedro Fernandes A obra cinematográfica de Pier Paolo Pasolini é, sem dúvidas, uma dentre as mais ricas de sempre. Ancorada entre o imaginário cultural universal e literário, suas releituras acrescentaram e muito na composição interpretativa e significativa das obras com as quais buscou diálogo. Uma delas, a tragédia de Eurípides, Medeia , que bem mais tarde ganhou outra poderosa versão para o cinema ao ser encenada por Lars Von Trier – em 1988; a de Pasolini é de 1969. Encenada pela primeira vez em 431 a. C., num concurso teatral em Atenas, a peça, pelas mãos do italiano, ganha outros contornos que ampliam sentidos e possibilidades simbólicas, além é claro, de introduzir na composição imagética, um rosto muito próprio para uma figura de rara força e vigor dentre as criações dramáticas. Nesse caso específico a narrativa adquire os contornos que se ausentam da peça: a vida anterior de Medeia, antes de chegar a Corinto com Jasão e receber as ordens de Creon de exílio...

Pasolini, de Abel Ferrara

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É talvez uma das melhores estreias do ano. Pasolini ilustra as últimas horas de vida do criador italiano, vivido por Willem Dafoe. Em sua trama há uma reivindicação do Pasolini escritor de obras como Meninos da vida (1955), seu primeiro romance e a mais acessível literariamente, uma crônica descarnada e portanto sincera da vida na periferia de Roma depois da II Guerra Mundial, e de A religião de meu tempo ; junto a eles estão Nebulosa , um roteiro dedicado aos diretores Gian Rocco e Pino Serpi que nunca foi filmado integralmente, Nova York , escrito depois de duas intensas viagens à cidade estadunidense, e Demasiada liberdade sexual os converterá em terrorista , compilação de artigos jornalísticos, ensaios, Quase um testamento , reflexões publicadas postumamente e a entrevista que concedeu poucas horas antes de morrer ao jornalista Furio Colombo, de La Stampa , em que diz, “Aspiro a que olhes ao teu redor e te dês conta da tragédia, qual tragédia (?), a tragédia é que já não há ...

Salò ou os 120 dias de Sodoma, de Pier Paolo Pasolini

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Por Pedro Fernandes Pier Paolo Pasolini é apontado com um dos mais fecundos intelectuais italianos do século XX. Poeta, ficcionista, ensaísta, crítico literário, teatrólogo, linguista, argumentista, roteirista, cineasta, teórico de cinema, interessou-se ainda pelas artes plásticas, escreveu inúmeros artigos em jornais e revistas e manteve uma intensa correspondência com amigos e leitores. Quer dizer, um universo rico e impossível de ser alcançado porque sempre em expansão a partir das leituras que sobre ele se fizeram desde então.  Salò ou os 120 dias de Sodoma é seu último trabalho para o cinema. O filme é também uma das obras mais perturbadoras da história do cinema: pelo seu conteúdo - a primeira coisa que logo chamará atenção do telespectador, evidentemente - mas, também pela leitura terrível que o cineasta faz acerca do modelo social que se estabelece com a estabilização do modelo burguês capitalista no centro de mando e de poder.   Da primeira ...