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Machado de Assis: muitas vezes, uma só hora é a representação de uma vida inteira...

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Por Carlos Faraco* Papéis Avulsos  (de 1882) é o nome do terceiro livro de contos de Machado. O próprio autor comenta: “ Este título de  Papéis Avulsos  parece negar ao livro uma certa unidade; faz crer que o autor coligiu vários escritos de ordem diversa para fim de não os perder. ” Nada mais falso que essa impressão, pois nesse livro revela-se a maturidade do contista Machado de Assis. Já falamos em duas fases na obra de Machado. No conto, esse livro marca a passagem para a segunda fase, a fase da maturidade artística. Papéis Avulsos  contém algumas narrativas consideradas já clássicas em nossa literatura como  “ O alienista ” ,  “ Teoria do medalhão ”  e  “ O espelho ” . O escritor tinha dado um enorme salto de qualidade. Ao lado de temas já vistos nos livros anteriores, em  Papéis Avulsos  Machado recomeça a trabalhar um dos seus temas básicos: a loucura. Nesse sentido, o conto  “ O alienista ”  é uma obra-...

Machado de Assis: alguma coisa anda no ar - um papagaio ou uma república?

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Por Carlos Faraco* Em meados do século XIX, o mapa socioeconômico do Brasil parecia um quebra-cabeças... desmontado. Diferenças regionais profundas, em todos os setores, num país gigante, com uma população estimada grosseiramente de 7 milhões de habitantes. Pouca gente para muito país. Dessa pouca gente, pouquíssimos decidiam. Quem mandava nas terras eram os cafeicultores do Sul, os criadores de gado e os donos dos extensos canaviais nordestinos. Mandavam na terra, nos escravos, no dinheiro, na política. Em tudo. Ao lado dessa restrita classe dominante, formava-se uma burguesia dedicada ao comércio, que logo logo ia começar a querer interferir nos destinos da nação. Indústria? Nem pensar! Livros, máquinas, calçados, escravos... tudo vinha de fora. E custava dinheiro. Dinheiro que os poucos privilegiados detinham. Em 1880 o Brasil era o único país do mundo ocidental que ainda admitia o trabalho sob regime de escravidão. No entanto, desde 1850, quando Machado ainda e...

Machado de Assis: a república do pensamento

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Por Carlos Faraco* Numa sociedade marcada por divisões sociais muito rígidas (como já era o Brasil da época de Machado de Assis), o indivíduo nasce com seu destino social mais ou menos determinado pela origem, pela raça, e até pela possibilidade ou não de freqüentar escolas. Joaquim Maria era menino de subúrbio e a vida intelectual do subúrbio era muito diferente da vida intelectual da Corte. Era essa última que atraía Machado de Assis. Rua do Ouvidor. No tempo de Machado de Assis, tudo acontecia e o mundo passava por aqui. As coisas elegantes do Rio de Janeiro da época aconteciam nos cafés da Rua do Ouvidor, onde as pessoas da classe detentora do poder se encontravam, se divertiam, exibiam suas roupas importadas da Europa. Era por aqui que Joaquim Maria passava grande parte do seu tempo. Trabalhando. Caixeiro de livraria, tipógrafo, revisor foram profissões que provavelmente exerceu antes de se tornar jornalista e cronista. Não terá sido fácil para o adol...

Machado de Assis: Feliz ano Novo

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ESPECIAL CENTENÁRIO MACHADO DE ASSIS Por Carlos Faraco* Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 1899. Passagem de ano. Virada de século. Reforçam-se as crenças nas mudanças e também cristaliza-se o medo do desconhecido. Apocalipse ou paraíso? “Quanto ao século, os médicos que estavam presentes ao parto reconhecem que este é difícil, crendo uns que o que agora aparece é cabeça do XX, outros que são os pés do XIX. Eu sou pela cabeça, como se sabe.” Quem escreveu isso foi um mulato que, naquela passagem de século, tinha 61 anos incompletos. Nunca fora bonito e consta que era meio gago. Nessa altura da vida, uma das figuras mais ilustres da literatura brasileira daquele e de todos os tempos: Joaquim Maria Machado de Assis, ou simplesmente Machado de Assis, como já era conhecido em 1899. A vida do sexagenário Machado transcorria em normalidade. Não era rico, mas vivia confortavelmente. Trabalhava bastante, era respeitado e famoso. E, sobretudo, muito amado por sua Carolina, com quem se casa...

Sonho

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eu vi no turvo da noite minha alma vil e negra rasgando o silêncio noturno como pó desfez-se por entre as frestas da porta e invadiu meu sonho o sonho. na sarjeta da memória meu cadáver magro, pálido vagando em um negro caixão sustentado por dragões cavaleiros negros das sombras como um rascunho vida desfez-se em pó correu minhas carnes podres o sonho. vi-me preso nas entranhas da terra com toda humanidade vil e feroz gritava. chorava. pedia clemência. a humanidade. como um rebanho alienado satã sob o dogma dde todas as religiões de bíblia em punho carregava a humanidade de olhos perfurados mortos vivos às chamas da fogueira dita santa e acordei em brasa vi-me nu no espelho na sombra do quarto - meu cativeiro suspenso estava num madeiro sobre a cama olhos inchados. sangrantes corpo fúnebre seco estranho na sarjeta da cama *  Este poema foi publicado no site Garganta da Serpente.   Acesse  o e-book  Palavras de pedra e ca...

Itinerários da poesia de Zila Mamede

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Zila Mamede acompanhada de Câmara Cascudo Mar morto Parado morto mar de minha infância sem sombras nem lembranças de sargaços por onde rocem asas de gaivotas perdendo-se num rumo duvidoso. Pesado mar sem gesto, mar sem ânsia, sem praias, sem limites, sem espaços, sem brisas, sem cantigas, mar sem notas, apenas mar incerto, mar brumoso. Criança penetrando no mar morto em busca de um brinquedo colorido que julga ver no morto mar vogando. Infância nesse mar que não tem porto, num mar sem brilho, vago, indefinido, onde não há nem sonhos navegando. (Zila Mamede,  Rosa de pedra ) “Conheci-a em princípios da década de 70, quando João Cabral de Melo Neto me pediu que enviasse a Zila algumas das edições raras de sua obra, que eu tinha aqui na biblioteca, e de que ela precisava para a bibliografia crítica da oba de Cabral, que estava elaborando. Comuniquei-me com Zila, para saber o que ela desejava receber, mas Zila achou que seria imprudente correr o risco de um extravio postal...