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Com licença poética, a poeta (e a poesia de) Adélia Prado

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Com licença poética Quando nasci um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou: vai carregar bandeira. Cargo muito pesado pra mulher, esta espécie ainda envergonhada. Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir. Não sou feia que não possa casar, acho o Rio de Janeiro uma beleza e ora sim, ora não, creio em parto sem dor. Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina. Inauguro linhagens, fundo reinos — dor não é amargura. Minha tristeza não tem pedigree, já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô. Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou. “ Uma das mais remotas experiências poéticas que me ocorre é a de uma composição escolar no 3º ano primário, que eu terminava assim: Olhai os lírios do campo. Nem Salomão, com toda sua glória, se vestiu como um deles...  A professora tinha lido este evangelho na hora do catecismo e fiquei atingida na minha alma pela sua beleza. Na primeira oportunidade aproveitei ...

Zé Saldanha: memória viva do cordel

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Por Sérgio Vilar Zé Saldanha. Foto: Alexandro Gurgel. “Sou um dos nordestinos, magro, baixinho e sisudo, mas que tem honra e méritos no Nordeste de Canudos; nas terras de Gonzagão, Antônio Silvino e Lampião, de Padin Ciço e Cascudo”. A autodefinição, do cordelista José Saldanha de Menezes Sobrinho não poderia ser feita de outra forma, senão através de um cordel. Sertanejo de alma e vida, o poeta de 87 anos - hoje 90 anos - mantém viva a tradição dos livretos que contam a sina do nordestino e as epopéias do Sertão. Distante 70 anos da publicação de seu primeiro cordel, Saldanha ainda guarda a voz altiva de quem declamava poesia nas feiras interioranas, nos tempos em que “o cordelista era muito mais querido pelo povo do que Roberto Carlos é hoje em dia”. Zé Saldanha – nome que assina em seus cordéis – [...] nasceu em 23 de fevereiro de 1918, na fazenda Piató, município de Santana dos Matos. Naquele início de século, os tempos eram de coronelismo, beatos, rendeiras e...

Assim caminha a humanidade, de George Stevens

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Saga retrata contraste de valores no Texas e registra o terceiro e último desempenho de James Dean Assim Caminha a Humanidade é o terceiro título da série de George Stevens que retrata a formação da sociedade americana (os anteriores são Um lugar ao Sol , de 1951 e Os Brutos Também Amam , de 1953). O filme de 1956 acompanha a vida de um grande proprietário de terras e criador de gado do Texas, Jordan Benedict (Rock Hudson), e de sua esposa, Leslie Benedict (Elizabeth Taylor), ao longo de mais de 20 anos, passando pelo nascimento de seus filhos e de seus primeiros netos. Como no livro de Edna Ferber, no qual foi baseado, a descrição da vida da família texana reflete, em paralelo, a história do governo, da economia e moral locais. Assim, ao fazer o retrato do fazendeiro poderoso, conta-se como se deu o crescimento do petróleo como centro da economia do estado. Também são discutidos os valores tradicionais do protagonista contrapostos, em geral, aos da esposa, originári...

Machado de Assis, histórias sem data, papéis avulsos

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Por Pedro Fernandes Por vaidade, a mãe impede o casamento da própria filha. O drama do maestro que não consegue compor suas próprias músicas. A igreja em que os fiéis praticam o bem às escondidas. Histórias sem data  é um novelo de enredos machadianos publicado em 1884, no auge da maturidade intelectual do escritor brasileiro, dada a publicação de seu romance Memórias póstumas de Brás Cubas , de 1881, considerado a obra-prima e o divisor de águas na sua escrita. O debate em torno dos regimes políticos, dos bons e maus costumes – estes últimos, principalmente – da sociedade carioca e brasileira, acerca das fraquezas, tiques maníacos, loucuras e razões humanas; os ciúmes e a criação da célebre trama em torno de uma traição ou não – nunca se soube até hoje – em que é pintado a letra e papel a Monalisa brasileira, que semelhante à outra, a de Da Vinci que jamais se descobriu o enigma do seu sorriso, jamais se descobriu o enigma dos olhos de ressaca de Capitu; mesmo que depoi...

Itinerários da poesia de Zila Mamede

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Zila e eu* Por Manoel Onofre Jr.  Já conhecia Zila Mamede de nome quando tive com ela o primeiro contacto pessoal. Foi por volta de 1960. Trabalhava eu na Biblioteca da Faculdade de Direito de Natal, como auxiliar de bibliotecário, e Zila, já então diplomada em Biblioteconomia, aparecia por lá, vez ou outra, para orientar a diretora da biblioteca, D. Dudésia, uma senhora corpulenta, de voz e gestos dramáticos, rádio-atriz nas horas vagas. Eu guardava na gaveta um poema (?), o primeiro até então, único que cometera. Certo dia, criei coragem e mostrei-o a Zila. Precisava do aval da poeta, a festejada autora de “Rosa de Pedra” e “Salinas”. Ela ia passando, apressada, diante do meu birô, e mal se deteve para receber o “poema”; leu-o, rapidamente, e entregou-me de volta, com um reparo quanto à utilização da palavra “embalsamado”. Nada mais me disse, nem lhe foi perguntado. Minhas veleidades de poeta morreram naquele instante. Algumas décadas depois, eu volta...

O extraordinário e o subtil em Saramago

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Por James Wood O filósofo Bernard Williams escreveu um artigo, “O Caso Makropulos”, onde argumentava que a vida eterna seria tão entediante que ninguém a conseguiria suportar. De acordo com Williams, a monotonia que define um ser eterno representaria um infinito deserto de experiências repetitivas que o levaria a uma existência esvaziada de qualquer definição. Essa é a razão que leva, na peça de Karel Capek, da qual Williams retirou o seu título, Elina Makropulos (com os seus 342 anos de idade) a deixar de beber o elixir da eterna juventude, o que faz desde os seus 42 anos, optando por morrer. A vida precisa da morte para se realizar; a morte é o período negro que define a sintaxe da vida. Em “As Intermitências da Morte” (...), José Saramago, um escritor de longas e ininterruptas frases, produziu uma narrativa que funciona como uma experiência na área de Capek/Williams. (O romance não faz alusão a nenhum dos dois). À meia-noite de uma véspera de Ano Novo, num país sem nom...