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Então é natal

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Por Pedro Fernandes O dia não fora em nada agradável. Aliás, desde os últimos meses que antecedem o do fim do ano, nada me tem sido agradável. Mas, na noite de vinte e dois de dezembro, depois de jantar qualquer coisa na rua, voltava para casa, já mergulhado na parede escura da noite – que em certos minutos fazia-se tão clara, porque é de praxe todos os anos por esta época do ano iluminarem-se pedaços de ruas com luzes de todas as cores e tamanhos. Caminhava rente as paredes dos muros a pisar os primeiros lixos da noite. Nos pares de tempo que a rua entrava no breu ficava pensando em algum assalto – os assaltantes caem da escuridão quando menos se espera, rouba-nos algo de valor e com ele parte da nossa parede de sentimentalismos que vamos erguendo ao longo de nossa vida. Mas nesta noite não. Não estive a ser surpreendido por nenhuma dessas aves negras. Fui surpreendido já no fim da rua, do alto da murada, com duas meninas que aparentavam uns sete anos cada – não reconheço o ros...

Harold Pinter

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Depois de Beckett, seu mestre, Harold Pinter foi o grande patrono da dramaturgia contemporânea. Foi o pai espiritual de David Mamet, de Neil LaBute, de toda a geração dos In-Yer-Face , os novos rebeldes britânicos, de Martin McDonagh a Conor McPherson ( O eclipse , filme pinteriano até a medula) passando pela suicida Sarah Kane, quem defendeu quando todo mundo falava de Blasted ; sua influência é indiscutível até entre alguns dos melhores atores desse período. Pinter foi uma figura difícil, dura. Sobreviveu aos ataques contra os judeus em bairro durante a infância e ao tribunal militar que o condenou por tê-lo como rebelde nos duríssimos anos cinquenta; sobreviveu ainda aos modismos, às perseguições, ao fascismo dos que a cada ano, sobretudo depois do seu comprometidíssimo discurso de recepção do Prêmio Nobel em 2005 quando passaram a acusá-lo de “esquerdista transloucado”. Durante a estreia de The birthday party (A festa de aniversário) sua primeira peça no Lyric Hammersmi...

O Falcão Maltês, de John Huston

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Adaptação de romance policial de Dashiell Hammett inaugura gênero noir e concede a Bogart o status de ícone A adaptação do romance O Falcão Maltês , de Dashiell Hammett, traz Sam Spade (Humphrey Bogart) como um detetive solitário, implacável, preconceituoso e, no geral, vitorioso a cada novo combate. Não se trata de um corrupto. Ele tem seu próprio código de honra. Quanto aos criminosos, a violência e a ganância são tão exageradas que despertam comicidade. Assim, mesmo brutos e ambiciosos, não chegam a se opor a Spade. O público é levado a escolhê-lo como mocinho por razões mais sutis que por uma conduta exemplar, complexidade que fortalece o filme. O detetive tem suas manias, é homofóbico declarado e vive batendo em motivos razoáveis no impostor Joel Cairo (Peter Lorre). Spade é frio. Quando violento, cumpre sua missão rapidamente. O sócio é assassinado e ele não se abala. Respeita as formalidades, mantém as aparências e beija a viúva em segredo. O herói assim constru...

Os livros, os discos e os filmes mais bacanas de 2008

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Por Pedro Fernandes   Acompanhando algumas publicações recentes no mercado editorial vejo que está muito em voga listinhas e listagens do que fazer, do que ler, do que ouvir, de onde ir, e, por aí vai. Parece que estivemos durante todo esse tempo da existência humana a juntar entulhos num armário e agora necessitamos de escolher os bons e pô-los aos olhos desavisados ou daqueles que se sentem meio perdidos dado o turbilhão de quinquilharias que se põe à venda nas vitrinas. Às vezes fazemos questão de viver a fuçar a internet, a livraria, a revistaria, as lojas de CDs em busca de alguma coisa inédita, que ninguém leu ou ouviu sequer falar sobre.   Pois bem. Nesta época do ano as listinhas e listagens são muito comuns. É um esbanja presente de um lado, um esbanja presente do outro. Não conseguir ficar imune e logo tratei de montar também a minha listinha. É breve, sem grandes ambições, mas que me marcaram muito o 2008. Não devia fazer isso porque parece confissão pública, ...

Olympia, de Leni Riefenstahl

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Registro de jogos olímpicos durante o nazismo persegue ideais de beleza e perfeição num balé de corpos em movimento na tela A história que envolve o documentário Olympia , sobre a Olimpíada de 1936, em Munique, é, em grande parte, o relacionamento da jovem cineasta Leni Riefenstahl com o alto comando do regime nazista. Além deste filme, ela foi encarregada também da gravação de reuniões políticas do partido na Alemanha, o que resultou no impressionante O Triunfo da Vontade , sobre o Congresso do Partido Nazista, em Nuremberg (1934), uma das grandes peças cinematográficas de propagando política da história. Desde essa época até sua morte, em 2003, Riefenstahl foi acusada e bombardeada de perguntas sobre seu envolvimento com a cúpula de Hitler. Ela costumava responder que apenas fazia filmes para eles, apelando para conceitos discutíveis de objetividade e isenção na produção artística. Em Olympia , obra apresentada em duas partes ( Glória do Povo e Glória da Beleza ) não é...

Cartas da Europa, de Jaime Hipólito

Cartas da Europa  é parte na continuidade da reedição da obra do escritor Jaime Hipólito Dantas. O livro é publicado pela editora Queima-Bucha, do também escritor Gustavo Luz.   Segundo ele, na apresentação da obra, as cartas agora apresentadas eram escritas em folhas sem pauta. Mesmo assim, "A escrita segue em linha reta e com uma excelente caligrafia. "  Gustavo Luz é sobrinho de Jaime Hipólito e é também o organizador e editor da coletânea que sai na sequência de Estórias Gerais .   Ele esclarece que a primeira carta da coletânea "foi escrita ainda dentro do avião, em guardanapos de papel" enquanto cumpria sua primeira travessia do Atlântico. "Durante um ano, Jaime escrevia quase todos os dias a parentes e amigos. Ansioso por notícias de Mossoró e do Brasil, queria saber de tudo, nos mínimos detalhes, desde notícias da política nacional ao desempenho de seus sobrinhos na escola. Ao longo dessas cartas, Jaime se mostra advogado, jornalista, escritor, filóso...