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António Ramos Rosa

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Por alguns redutos da poesia, a obra do poeta António Ramos Rosa circula no Brasil. É evidente que o seu exercício literário num blog mantido (não com assiduidade) entre 2008 e 2012 e as participações esporádicas em diversos periódicos brasileiros são produtos para que não se diga ser o seu nome um total desconhecido por aqui. Que dos seus livros, até o presente, só conhecemos Animal olhar , uma antologia organizada por Rosa Alice Branco e publicada pela editora Escrituras. No entanto, é bom que se sublinhe que a obra e o nome somam como uma das mais interessantes figuras da literatura portuguesa contemporânea. Desde a publicação de O grito claro , seu primeiro título vindo a lume em 1958, Ramos Rosa escreveu quase uma centena de livros, reiterando uma observação já traçada por aqui noutra ocasião sobre a proficuidade dos escritores de além mar. Os últimos título publicados por ele foi Em torno do imponderável , de 2012, e Numa folha leve e livre , publicado no mesmo ano ...

A jangada de pedra, de George Sluizer

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Por Pedro Fernandes Foi só depois de saber da adaptação de Ensaio sobre a cegueira por Fernando Meirelles para o cinema para ter conhecimento de que, muito antes, outro cineasta também havia se aventurado no exercício de transpor para a sétima arte uma obra do José Saramago. Não lembro agora onde li, mas li que o escritor português sempre se questionou, com certa curiosidade certamente, sobre como seria ver na tela uma personagem que nem ele próprio, seu criador, tinha uma visão bem-acabada. De fato, não é o caso de A jangada de pedra que, como leitor, consigo ter uma imagem mais ou menos elaborada das figuras engendradas pelo romance, mas a partir do romance de 1995, sim, o que sobressai na tessitura da narração, são vultos, expressões. Se por um lado isso até facilita a visualização do criador cinematográfico porque tem a liberdade de moldar a personagem à maneira do que capta do romance e, talvez, nunca lhe pese a acusação (fajuta, diga-se) de que a personagem no cin...

Um ano depois

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Por Pedro Fernandes Não adiantemos falsas esperanças, Teria sido, sem dúvidas, uma boa e honesta manchete para o jornal do dia seguinte, mas o director, após consultar com seu redactor-chefe, considerou desaconselhável, também do ponto de vista empresarial, lançar este balde de água gelada sobre o entusiasmo popular, Ponha-lhe o mesmo de sempre, Ano Novo, Vida Nova, disse. José Saramago,  As intermitências da morte Vai o ano correndo em dias e noites até que deságue para o fim que é o início de outro ano que novamente deverá correr em dias e noites e desaguará noutro ano e mais noutros, sucessivamente. É assim desde que criamos o tempo. Enquanto os anos vão correndo também corremos nós até desaguarmos para a morte, esta que é o fim de tudo. Não há para nós como o ano que tem outro ano para desaguar outra vida que possamos estar nela a desaguar e continuar a viver. É assim o curso natural da vida. E neste momento em que comemoramos a chegada de mais um...

Então é natal

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Por Pedro Fernandes O dia não fora em nada agradável. Aliás, desde os últimos meses que antecedem o do fim do ano, nada me tem sido agradável. Mas, na noite de vinte e dois de dezembro, depois de jantar qualquer coisa na rua, voltava para casa, já mergulhado na parede escura da noite – que em certos minutos fazia-se tão clara, porque é de praxe todos os anos por esta época do ano iluminarem-se pedaços de ruas com luzes de todas as cores e tamanhos. Caminhava rente as paredes dos muros a pisar os primeiros lixos da noite. Nos pares de tempo que a rua entrava no breu ficava pensando em algum assalto – os assaltantes caem da escuridão quando menos se espera, rouba-nos algo de valor e com ele parte da nossa parede de sentimentalismos que vamos erguendo ao longo de nossa vida. Mas nesta noite não. Não estive a ser surpreendido por nenhuma dessas aves negras. Fui surpreendido já no fim da rua, do alto da murada, com duas meninas que aparentavam uns sete anos cada – não reconheço o ros...

Harold Pinter

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Depois de Beckett, seu mestre, Harold Pinter foi o grande patrono da dramaturgia contemporânea. Foi o pai espiritual de David Mamet, de Neil LaBute, de toda a geração dos In-Yer-Face , os novos rebeldes britânicos, de Martin McDonagh a Conor McPherson ( O eclipse , filme pinteriano até a medula) passando pela suicida Sarah Kane, quem defendeu quando todo mundo falava de Blasted ; sua influência é indiscutível até entre alguns dos melhores atores desse período. Pinter foi uma figura difícil, dura. Sobreviveu aos ataques contra os judeus em bairro durante a infância e ao tribunal militar que o condenou por tê-lo como rebelde nos duríssimos anos cinquenta; sobreviveu ainda aos modismos, às perseguições, ao fascismo dos que a cada ano, sobretudo depois do seu comprometidíssimo discurso de recepção do Prêmio Nobel em 2005 quando passaram a acusá-lo de “esquerdista transloucado”. Durante a estreia de The birthday party (A festa de aniversário) sua primeira peça no Lyric Hammersmi...

O Falcão Maltês, de John Huston

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Adaptação de romance policial de Dashiell Hammett inaugura gênero noir e concede a Bogart o status de ícone A adaptação do romance O Falcão Maltês , de Dashiell Hammett, traz Sam Spade (Humphrey Bogart) como um detetive solitário, implacável, preconceituoso e, no geral, vitorioso a cada novo combate. Não se trata de um corrupto. Ele tem seu próprio código de honra. Quanto aos criminosos, a violência e a ganância são tão exageradas que despertam comicidade. Assim, mesmo brutos e ambiciosos, não chegam a se opor a Spade. O público é levado a escolhê-lo como mocinho por razões mais sutis que por uma conduta exemplar, complexidade que fortalece o filme. O detetive tem suas manias, é homofóbico declarado e vive batendo em motivos razoáveis no impostor Joel Cairo (Peter Lorre). Spade é frio. Quando violento, cumpre sua missão rapidamente. O sócio é assassinado e ele não se abala. Respeita as formalidades, mantém as aparências e beija a viúva em segredo. O herói assim constru...