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Literatura e necessidade

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Por Pedro Fernandes “E por causa dessa qualidade eterna, dessa imponderabilidade, eu vejo que, para a humanização, a arte está no mesmo caminho da mística ou da fé religiosa; ambas as experiências são independentes da razão; são experiências; a beleza é uma experiência e não um discurso.” Tomaremos dessas palavras da poeta Adélia Prado como epígrafe a este texto. A literatura contemporânea passa por uma fase em que pelo conglomerado e aclimatação das estéticas, temáticas e formas eclode uma produção que reitera, ou pelo menos deveria reiterar, o olhar do leitor perante novas dimensões. No calor dessa fase, reaparece a pergunta já clássica que sempre esteve presente e permanece mais viva ainda quando desse momento pós-engagée , levado a cabo pelos escritores nas décadas anteriores. É a comum pergunta que prima por uma “função” da arte e seu caráter reside de algo que fora muito em voga ainda na Idade Média, em que, sob os escafandros da Igreja, primava-se por uma arte cuja mi...

A literatura em perigo, de Tzvetan Todorov

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Por Pedro Fernandes A literatura em perigo  pode ser lido numa manhã, numa tarde, em qualquer lugar; não exige do leitor nenhum esforço para compreensão porque estamos ante um Todorov despido de sua roupa de teórico. Os estudantes de Letras que sempre cruzam com o teórico nos estudos literários dirão: "que bom, se Todorov fosse sempre assim!" É um livro, entretanto, que guarda uma alerta de forte e profunda reflexão: o que fazer com a literatura nessa época em que ela parece atravessar por uma de suas mais graves crises? O teórico oferece-nos alguma resposta. Afinal, a conclusão vem através de uma pergunta um tanto catastrófica: a literatura poderá desaparecer? Possivelmente não. Mas, cada vez mais ela se torna um recurso obsoleto, é renegada a um plano que não devia ser renegada. Acabar não, mas ter menos importância na vida dessa sociedade atravessada por uma extensa parafernália de objetos da técnica, sim. A questão é, o que é necessário ser feito para garantir...

O Último Tango em Paris, de Bernardo Bertolucci

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Marlon Brando e Maria Schneider entregam-se ao sexo anônimo em obra que provocou escândalo em sua época O erotismo havia feito aparições em outros filmes, como nos de Shonei Imamura nos anos 1960, mestre da Nouvelle Vague japonesa, mas nunca de forma tão emblemática como em O Último Tango em Paris , onde o sexo finalmente encontrou o cinema de arte. Obra assinada por Bernardo Bertolucci, causou escândalo coletivo, foi banida da Itália entre 1976 e 1987, tesourada após sua estréia em 1973 nos Estados Unidos e tornou-se a grande pauta da imprensa da época. Isso, com cenas nada explícitas e que hoje certamente não chocariam nem os mais desavisados. Um dos motivos da comoção foi o nome de Bertolucci, que ganhara chancela de autor "high art" (alta arte). Outro, mais decisivo, era a presença de Marlon Brando, que mesmo com sua rebeldia revolucionária fizera carreira dentro do grande cinema americano. Assim, um choque ver aquele astro de Hollywood como Paul, um amargo viúvo, b...

Jaime Hipólito

Um dos feitos importantes para a Literatura Potiguar em 2009 é o da comissão organizadora do vestibular para acesso aos cursos de nível superior na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte ter inserido na lista de leituras obrigatórias um título de Jaime Hipólito. Nome, como o de muitas outras figuras importantes para a cultura do estado, entregue praticamente ao esquecimento, a atitude coloca ao menos um texto de bibliografia ao alcance de um público considerável e, claro, também apresenta o seu nome. Antes do feito, é preciso destacar as contribuições significativas oferecidas pelo seu sobrinho na preservação da memória de Hipólito, o poeta Gustavo Luz, também editor da Queima-Bucha, é responsável por publicar a obra do escritor; basta uma visita ao catálogo da editora para consultar alguns dos títulos além o indicado para a seleção no vestibular da UERN. Jaime Hipólito nasceu em Caicó em 1928. Sempre se disse, no entanto, currais-novense (nascido em Currais Novos, cidad...

Nosferatu, de Friedrich Wilhelm Murnau

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A obra-prima do vampiro expressionista que já foi imitada e celebrada, mas jamais superada por qualquer outro cineasta Nas artes visuais, o expressionismo surgiu como resposta amarga, no transcorrer da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), ao lirismo do anterior impressionismo. É também, como diz o termo, a expressão de algo que está por detrás, sobretudo do inconsciente humano. No cinema, foi o alemão Robert Wiene seu precursor, com O gabinete do Dr. Caligari  (1919), no qual representava distorções estéticas (sobretudo nos cenários, bastante gráficos com suas casas e ruas tortas). Mas foi Friedrich Wilhelm Murnau quem o levou adiante, dirigindo a obra-prima Nosferatu . O que Wiene mostrava, sobretudo, na geometria dos espaços, Murnau explorava no rosto do vampiro e no jogo de sombras, movimentos de câmera e uso de lentes que deformam e embaçam a imagem. O cineasta, assim, chegava a outra característica expressionista, que é pôr à vista os fantasmas do inconsciente do homem. ...

Sousândrade

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Por Pedro Fernandes Há alguns anos que participei de um evento no qual assisti uma comunicação de Ana Santana de Souza sobre O Guesa , de Sousândrade. Depois, sua tese de doutorado foi publicada em livro, ainda disponível à venda, creio eu: A nação guesa de Sousândrade – uma narrativa de viagem .  Recupero o episódio para dizer que foi a primeira vez que ouvi falar na existência do escritor. Rondei pela web à cata de mais detalhes sobre a obra e o poeta e as recolhas de notas que fiz perderam-se. Mas, não será para falar do primeiro encontro com Sousândrade que escreverei este post. A ocasião se deve que, depois dos fragmentos publicados entre 1867 e 1884 da edição de sua obra, agora chega às livrarias organizada por Luiza Lobo, outra especialista na obra do escritor, uma edição revista e atualizada.  Evidente que não será a obra definitiva, porque as lacunas e os enigmas característicos de um escritor que não se preocupou em fazer uma obra de fácil acesso, e...