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Paul Bowles

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“Quase todas as noites soam os tambores. Nunca me acordam; os ouço e os incorporo ao meu sonho como as chamadas noturnas dos almuadens. Mesmo quando no sonho esteja em Nova York, o primeiro Allah akbari borra a tela de fundo para me levar ao que seja a África do Norte, e o sonho segue...”. Viajante permanente, anfitrião em Tânger de William Bourroughs e Jack Kerouac, personagem esquiva e mítica da geração beat, o escritor e compositor Paul Bowles soube encarnar como ninguém o “sonho do Tânger”. Nascido em Nova York em 1910, Bowles viajou ao Marrocos, quando tinha só 21 anos, aconselhado pela escritora estadunidense Gertrude Stein para catalogar as diferentes expressões musicais do país. Como também acontecera a Lawrence Durrell com a cidade de Alexandria, não tardou em cair cativo do obscuro magnetismo do norte da África. “Enquanto o turista geralmente volta depressa para casa ao fim de algumas semanas ou meses, o viajante, que não pertence a um lugar mais do que a outro, se ...

Neocristianismo

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Por Pedro Fernandes Não faz muito tempo que têm as religiões, cito as mais conhecidas, a dos católicos e dos evangélicos, tomado certo rumo que me espanta. Enquanto eu e muitos outros acreditávamos numa falência dos credos em detrimento da expansão de outro mal, o capitalismo, o que tem acontecido é que tais religiões têm é se expandido. Refizeram seus discursos (entre aspas, porque ainda dizem o meso de sempre, só que agora numa via mais pop, entretanto, não menos ludibriante) e se alastraram feito rastilho de pólvora, infestando todas as vias, as concretas e as imaginarias. De início o Rádio e a TV, agora a Internet, a cada esquina há de ter alguém se  esgoelando , comprando almas, fazendo leiloes de salvação, pactuando com pombas divinas, encomendando-se a Deus a ao Diabo se aquele demora com a satisfação. São showmissas, showcultos, milagres, curas e curas, banzeis a torto e a direito, virtuais. Ainda mais recente, depois da grande debanda de fieis do catolic...

Pulp Fiction - Tempo de Violência, de Quentin Tarantino

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O liquidificar Tarantino mistura influências e humor negro para compor obra que gerou várias imitações Grande sensação da indústria norte-americana do fim do século 20, Quentin Tarantino sempre chamou mais atenção pelo que representa do que pelo que é. Afinal, não se trata de nenhum gênio, e a idéia é exatamente essa. Ele é apenas um ex-atendente de videolocadora que resolveu fazer filmes, sem qualquer preparo técnico ou passagem por universidades de cinema, mas com muita paixão e um conhecimento enciclopédico de dados e informações sobre os clássicos do passado. Pegue esse background e jogue em um liquidificador com algumas de suas fixações pessoais e processe: quadrinhos, videogames, seriados de televisão, filmes obscuros de ação e orientais de kung-fu, westerns, revistas baratas de histórias policiais e referências à cultura pop. Graças a esse espírito diletante e à variedade de influências, Tarantino conseguiu a façanha de produzir uma das obras mais cultuadas e influentes ...

Paulo Mendes Campos

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Paulo Mendes Campos. Foto: Instituto Moreira Salles Paulo Mendes Campos nasceu em 28 de fevereiro de 1922, ano mítico para a cultura brasileira — acontecia aí a Semana de Arte Moderna em São Paulo que o antecedeu por exatos dez dias. Seus ecos não demorariam a chegar à Belo Horizonte do futuro autor, como sabem os leitores de O desatino da rapaziada , de Humberto Werneck e Cenas de um modernismo de província , de Ivan Marques.  Mas o ano de nascença do mineiro foi do balacobaco também em inglês (apareceram Ulysses , de Joyce, e The Waste Land , de T.S. Eliot) e francês (Proust colocou o asmático ponto final em seu Em busca do tempo perdido ) — línguas e literaturas com as quais o escritor se fez íntimo ao longo do tempo. Criado com nove irmãos em ambiente familiar de poliglotas e anglófonos, foi a mãe quem lhe despertou o gosto pela poesia. Em 1937, conheceu o adolescente de mesma idade Otto Lara Resende, em São João del-Rey, que seria seu amigo de toda a v...

Gertrude Stein: o dever de se parecer a um retrato

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Por Manuel Vicent Gertrude Stein e sua irmã eram ainda crianças quando iam num trem da Pensilvânia para a Califórnia e durante o trajeto vislumbravam o que se passava pela janela. Numa dessas ocasiões aconteceu um contratempo e seu pai puxou repetidamente a sineta de alarme até conseguir que o comboio parasse. Os passageiros acreditavam que havia acontecido algo muito grave. Mas, tudo o que havia acontecido era que de uma de suas filhas havia voado o chapéu. O homem desceu e depois de caminhar meia milha o encontrou preso num campo de girassóis. A menina recuperou o chapéu, prendeu-o na cabeça e então o trem recomeçou seu trajeto. Acontecimentos como estes fizeram com que a autoestima de Gertrude Stein tivesse uma base muito sólida desde sua pequena infância. Haveria de se perguntar se alguém escreveria sobre a vida desta mulher se não tivesse ela própria sido imortalizada por Pablo Picasso num retrato que se tornou famoso onde aparece de rosto afilado, pré-cu...

Literatura e utilidade

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Por Pedro Fernandes "Assim o há de fazer, e faz, quem aspira a alcançar a nomeada de prudente e sofrido, imitando Ulisses, em cuja pessoa e trabalho nos pinta Homero um retrato vivo de prudência e sofrimento, como também nos mostra Virgílio na pessoa de Enéias o valor de um filho piedoso e a sagacidade de um valente e entendido capitão, não pintando-os ou descrevendo-os como eles foram, mas sim como deviam ser, para deixar exemplos de suas vidas aos homens da posteridade". Miguel de Cervantes, O engenhoso fidalgo D. Quixote de la Mancha Poderia retomar como epígrafe a este texto a fala do poeta Paulo Leminski em "Inutensílio"; poderia escrever esse início recompondo o parágrafo de desfecho do artigo "Literatura e Necessidade"; entretanto, achei por bem nem dessa forma começar, tampouco repetir Leminski. Epigrafo com esse excerto do clássico universal de Cervantes: uma fala do D. Quixote ao seu escudeiro Sancho Pança, quando o "Cavaleiro da ...