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Os pecados da escrita

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Por Pedro Fernandes Dia desses enquanto relia um texto meu que já fora inclusive publicado nos anais de um congresso ano passado, dei de cara com alguns absurdos que eu escrevera e, por incrível que pareça, depois de tantas leituras e, depois já de publicado, é que venho tomar ciência do que disse. Em textos para este blog até uso mesmo da displicência. Escrevo e releio uma vez apenas e jogo na rede. Aqui é mesmo um espaço para isso. Exigir pingos nos is de um blogueiro é coisa complicada. Mas em textos para jornais ou textos acadêmicos a coisa é mais complicada. Ainda mais quando se tem um curso de graduação em Letras e se é aluno de um mestrado em Letras, formação sobre qual as pessoas acham termos na ponta da língua todos os trâmites gramaticais e, por isso mesmo, a ideia de que nunca devemos errar. Policiarmo-nos parece ser a solução. Mas, sabendo que nem isso resolve grande coisa: sempre ficará algo por corrigir. Em textos para jornais ou textos acadêmicos geralmente faç...

Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago

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Por Pedro Fernandes Publicado em 1995, Ensaio sobre a cegueira  nasceu de uma feliz inquietação de José Saramago: e se, de uma hora para outra, perdêssemos a visão? A pergunta aparentemente simples que talvez tenha sido pensada por qualquer pessoa não é, entretanto, mania que vem de passagem de alguém que se nota, de uma hora para outra, ensimesmado como determinadas possibilidades. Diante dela, o escritor português desenvolveu um romance, que interessado em alcançar ou sondar uma resposta, penetra as fronteiras dos múltiplos sentidos suscitados pela condição  de estar cego e, por conseguinte, os sentidos implicados na ideia de visão . É assim que este se mostra texto especulativo, que se constrói em círculos, examinando, apurando atentamente as várias possibilidades de resposta para uma pergunta ou a conformação de uma tese: “Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem” ― ret...

Amor à Flor da Pele, de Wong Kar-wai

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A passagem do tempo e a teia de pequenas emoções estão no centro da visão romântica e nostálgica do diretor chinês Da invasão de filmes orientais que se concentrou desde meados dos anos 1990, aqueles que trazem a assinatura de Wong Kar-wai estão entre os que mais chamaram a atenção para o fenomenal cinema produzido nas três Chinas (a China continental, a ex-colônia inglesa Hong Kong, e Taiwan). Distinto de muitos de seus colegas e ao mesmo tempo compartilhando com eles um gosto refinado pelo estetismo visual, os filmes de Wong também se destacam por um forte apelo emocional. Desde Amores Expressos  (1994), o diretor seduziu as platéias com sua visão romântica e ultracontemporânea dos desencontros amorosos. Amor à Flor da Pele  é o filme onde essa temática encontra uma forma que lhe encaixa à perfeição. Ambientada em 1962, a obra narra os encontros de um homem e uma mulher, ambos casados, que se conhecem num hotel quando seus respectivos parceiros estão longe...

Biografia de Saramago

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Por Ana Dias Cordeiro Para conhecimento do escritor, tinham já sido escritos vários livros, alguns de entrevistas, ou teses de doutorado sobre José Saramago e a sua obra. Hoje é lançada a Biografia - José Saramago pelas Edições Pluma/Guerra e Paz, “a primeira”, segundo o autor João Marques Lopes, por ser até hoje a única a analisar a obra completa do escritor nascido em 1922. A biografia, diz João Marques Lopes, lembra, além das obras, o papel da poesia, das crônicas no Jornal do Fundão e na Capital  e da crítica literária na revista Seara Nova  ou dos editoriais no Diário de Lisboa  no percurso de José Saramago. E retrata a infância na aldeia ribatejana da Azinhaga, em Golegã, a morte trágica do irmão mais velho quando Saramago tinha apenas quatro anos, a juventude em Lisboa e as adversidades da família, a importância de cada um dos seus familiares como a avó Josefa e o avô Jerónimo “capaz de pôr o universo em movimento apenas com duas...

Quase deuses, de Joseph Sargent

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Por Pedro Fernandes O ano é 1930. A cidade é Nashville, Estados Unidos. Tempo e lugar de segregação racial. Como pano de fundo sobre a questão negra, está a figura de Vivien Thomas, que como todo negro servia aos mandos e desmandos do branco e está condenado a ser um portador de profissões de pouca significância; ele é um hábil marceneiro com sonho de fazer medicina. Com um nome feminino porque sua mãe achava que teria uma menina e, quando nasceu o menino, não quis mudar o nome escolhido, num país também assolado pela Grande Depressão de 1929, Thomas encontra-se desempregado e vê o pouco dinheiro que juntava há sete anos para um dia realizar o sonho pelos seus próprios méritos. Claro, estamos também numa terra que atende pelo nome de meritocracia como o modelo ideal de qualquer um chegar ao topo. Só até aqui nesse parágrafo o leitor já terá encontrado uma quantidade diversa de temas caros explorados pela obra de Joseph Sargent: o contexto histórico de degeneração do capi...

Haiti: a maldição branca

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Nota:  Tenho acompanhado diariamente as páginas dos telejornais acerca da catástrofe em Haiti. Entretanto, me parece que as informações que chegam acerca do caos instalado naquele país não são totalmente verdadeiras, porque a mídia sempre tem o dom de nos esconder alguma coisa ou virar o rosto para aquilo capaz de lhe dar, na melhor das hipóteses (sim, há as piores) os louros da audiência. O caos que agora o Haiti sofre é, antes de ser fruto apenas do terremoto que assolou o país, fruto da ganância e da presença do homem branco, que como levaram a cabo a nação indígena por onde estiveram, levaram também a desarmonia àquela antiga e rica colônia formada por descendentes de escravos africanos. Isso a mídia não nos mostra. Recentemente pude ler um texto ("Haiti: a maldição branca") publicado no site da Fundação José Saramago que o escritor uruguaio Eduardo Galeano, autor de, entre outros títulos, de As veias abertas da América escreveu sobre o Haiti e a sua história. Par...