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Vieira, vida, engenho e arte

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Por Pedro Fernandes O céu estrela o azul e tem grandeza. Este, que teve fama e a glória tem, Imperador da língua portuguesa, Foi-nos um céu também. Fernando Pessoa Os versos de Fernando Pessoa que epigrafam este texto já trazem em si as dimensões inabarcáveis dessa personagem magnânima, que ano passado completou exatos 400 anos de seu nascimento. Português de nacionalidade, jesuíta, Vieira foi maleável aos espaços por onde esteve, foi a personagem que a circunstância o exigia ser: professor de tupi e de retórica, missionário, diplomata, serviçal do rei, teólogo e, inclusive, padre. Viveu em terras brasileiras por exatos 42 anos, até quando da sua morte no Colégio dos Jesuítas, em Salvador, em 18 de dezembro de 1697, aos 89 anos. Sua vida é uma grande epopeia. A começar pelo tempo de vida, numa época em que viver tudo isso era sinônimo de eternidade. Personagem intrigante pela não menos intrigante rede de influências em que esteve metido, a ponto de ser condenado pe...

Um fragmento de "As intermitências da morte" e dois solos de violoncelo

Eram onze horas quando a campanhia da porta tocou. Algum vizinho com problemas, pensou o violoncelista, e levantou-se para ir abri. Boas noites, disse a mulher do camarote, pisando o limiar, Boas noites, respondeu o músico, esforçando-se por dominar o espasmo que contraía a glote, Não me pede que entre, Claro que sim, faça o favor. Afastou-se para a deixar passar, fechou a porta, tudo devagar, lentamente, para que o coração não lhe explodisse. Com as pernas tremendo acompanhou-a à sala de música, com a mão que tremia indicou-lhe a cadeira. Pensei que já se tivesse ido embora, disse, Como vê, resolvi ficar, respondeu a mulher, Mas partirá amanhã, A isso me comprometi, Suponho que veio para trazer a carta, que não a rasgou, Sim, tenho-a aqui nesta bolsa, Dê-ma, então, Temos tempo, recordo ter-lhe dito que as pressas são más conselheiras, Como queira, estou ao seu dispor, Di-lo sério, é o meu maior defeito, digo tudo sério, mesmo quando faço rir, principalmente quando faço rir, Nesse caso...

Quatro livros para entrar no universo literário de José Eduardo Agualusa

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Quem eu sou não ocupa muitas palavras: angolano em viagem, quase sem raça. Gosto do mar, de um céu em fogo ao fim da tarde. Nasci nas terras altas. Quero morrer em Benguela, como alternativa pode ser Olinda, no Nordeste do Brasil. Escrever me diverte, e escrevo também, porque quero saber como termina o poema, o conto ou o romance. E ainda porque a escrita transforma o mundo. Ninguém acredita nisto e no entanto é verdade. - José Eduardo Agualusa, entrevista a Denise Rozário (1999, p.362-363) José Eduardo Agualusa. Foto: Jordi Buch De família brasileira e portuguesa, nascido em 1960, na cidade de Huambo, Angola, José Eduardo Agualusa adquiriu de suas referências culturais um amplo senso de pertencimento. O autor se define como afro-luso-brasileiro. Dividindo-se entre os três continentes, ele é jornalista e estudou Agronomia e Silvicultura em Lisboa. E imprime em sua obra o destaque à relação cultural entre os países de língua portuguesa, através da fusão das influências de cada ...

Milan Kundera

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O nome de Milan Kundera não mais estranho ao leitor brasileiro. Sua obra tem livre circulação no país e a permanência da adaptação cinematográfica de A insustentável leveza do ser pelo cineasta Philip Kaufman no centro das obras do chamado círculo Cult, são elementos que justificam essa afirmativa. Além disso, o nome do escritor está em todas as listas de aposta para o Prêmio Nobel de Literatura, inscrevendo-o no rol dos nobelizáveis quais foram da nossa cena João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade, Jorge Amado ou Guimarães Rosa. O que isso significa? Significa que, venha o prêmio ou não, Kundera é já um dos expoentes da literatura universal. Afinal, não foi o fato dos brasileiros citados ou qualquer outro escritor que mereça a honraria algo que os destitua do lugar alcançado por sua obra. Milan Kundera é o típico escritor nascido e criado numa cultura erudita e faz dela uso na composição de uma simples na forma e profunda no conteúdo evocado. O pai Ludvik Kun...

Monteiro Lobato

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Por Pedro Fernandes Monteiro Lobato não é um autor apenas de publicações infanto-juvenis como, infelizmente o mercado editorial o reduziu. Como uma das figuras que mais apostaram no livro como aparelho de renovação cultural e intelectual frente à ignorância que grassa o Brasil, é bem verdade que ele explorou (e bem!) a base necessária para a formação de uma geração de leitores. E isso tem muita importância, certamente. Só me pergunto é se, na atual conjuntura, com tantos meios concorrentes com os livros de papel, como se portaria o escritor? É uma pergunta que vem de outra curiosidade futurista: como se comportaria Fernando Pessoa, um dos criadores da revista Orpheu , marca singular no modernismo em Portugal, nos dias de hoje em que se pode fabricar perfis de sair com eles em qualquer rede social. Podemos supor que Lobato até se aproveitasse do meio virtual considerando-se como se apropriou dos meios disponíveis em seu tempo. Ou que travasse uma luta contra, da mesma ma...

Dia Mundial do Livro

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Por Pedro Fernandes Nota:  as ideias aqui apresentadas são notas de um texto em elaboração, e se os jornais colaborarem, poderá aparecer sob forma acabada de texto. 1.  Pela data quero retomar aqui algumas discussões que venho travando noutros espaços acerca de uma questão um tanto quanto delicada para o estágio atual do livro: uma "massificação" (o termo é esse porque não achei outro que o valha) da obra literária. E isso começou numa comunidade no Orkut dedicada ao escritor português José Saramago em que um orkuteiro entrou para postar um link para baixar livros online e eu me manifestei contrário à ideia: "Baixar um livro que não encontramos de modo algum por aqui pode ser, mas as obras do Saramago, todas, acho um desrespeito para com o escritor... Se ainda fosse um "crepúsculo", um "lua nova", "lua cheia", "lua minguante", "lua quarto-crescente", tudo bem, é comercial, não vale nada mesmo..." Ironizei. Ao ...