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José Saramago: irreperável perda

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Por Pedro Fernandes Abro este blog ainda marcado pelo imenso vazio que se fez no início desta manhã e que se expandiu com a leitura em sites e jornais diversos agora há pouco. Chorei a morte de José Saramago como se tivesse perdido um pai. É o leitor-admirador, sem as amarras do leitor-crítico, quem fala. Minha relação com a pessoa José Saramago se deu pela sua obra, afinal nunca fui um leitor guiado primeiro pelo efeito tiete  do escritor. Também cumpro bem minha recusa pela moda ou o lugar do fã . Todo fanatismo, ele próprio concordaria, é cego e burro.  Com Saramago, por através da obra e do seu pensamento dialogamos; sim, porque o escritor português foi dos que acreditaram sobre a impossibilidade de separar a pessoa civil do escritor pessoa do autor da obra. Um e outro, dizia, estão implicados. E justo por essa razão, e pelo cuidado que sempre teve em lidar com toda sorte de questões sobre a comunidade humana, ele me era, como para muitos, certo porta-voz para o mundo p...

Valter Hugo Mãe, o cantor

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Por Pedro Fernandes Foi através do Prêmio Literário José Saramago que conheci o nome Valter Hugo Mãe; e é uma pena que até agora só o remorso de baltazar serapião  tenha chegado desse lado do Atlântico. Que a Editora 34, que publicou essa obra, ou outra editora que venha adotá-lo, cumpra em vencer essa lacuna de divulgação da obra do escritor no Brasil. Afinal, não tenho lido nada mais que elogios ao seu trabalho e a recepção do prêmio Saramago deve dizer alguma coisa. Mas, não é sobre o escritor, que este registro quer falar: é que em janeiro deste ano, o periódico português  Jornal de Letras  trouxe uma nota breve de Manuel Halpern sobre outra face do nome Mãe: a do cantor. Isso mesmo: não temos cá um Chico Buarque (cantautor como chamam os patrícios)? Pois de lá vem o Mãe. Sabia já do José Luís Peixoto. A nota "O escritor que canta com maiúsculas", termo colocado em oposição à grafia com que tem escrito sua obra e incorporado na escrita (tudo em minúsculas...

Mostra itinerante sobre Jean Rouch em Natal

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Por Mateus Araújo da Silva cena de Jaguar  (1967) Cineasta de mais de cem filmes e antropólogo de extensa obra escrita, Jean Rouch (1917-2004) atravessou o século como se vivesse sete vidas cheias de facetas e paradoxos. Ele foi ao mesmo tempo eminência parda do cinema francês moderno, antropólogo africanista com Doutorado defendido na Sorbonne em 1952 sobre os Songhay, pesquisador do CNRS por anos a fio e autor da obra mais importante de todos os tempos no campo do filme etnográfico. Como objeto privilegiado do seu trabalho, elegeu alguns países da África Ocidental (sobretudo Níger e Mali, mas também Costa do Marfim e Gana), dos quais nos deixou um acervo de imagens e sons sem paralelo. Mas também filmou muito na França e noutros países, revelando sempre, por onde tenha andado, curiosidade pelas diversas culturas e vontade de compreendê-las. Com o Brasil, Rouch estabeleceu uma relação de amizade e interesse recíprocos desde os anos 60, quando nos visitou pela pr...

O Império dos Sentidos, de Nagisa Oshima

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Oshima já era um veterano quando realizou em 1976, este polêmico drama de alta carga erótica. O diretor, que estreou em 1959 no conjunto de jovens cineastas talentosos que constituiu o que se tornou conhecido como Nouvelle Vague japonesa, acumula 46 títulos em sua filmografia. Mas foi a repercussão de O Império dos Sentidos  que tornou seu nome mais conhecido nos países ocidentais. Na esteira de O Último Tango em Paris , feito por Bertolucci em 1972, Oshima narra os encontros sexuais de um casal, que evolui do prazer a jogos de poder e dominação que culminam em tragédia. Amor e destruição caminham acoplados até um ápice em que a comunhão entre os dois e o sentimento que os aproxima não se distingue da necessidade de um ser destruído pelo outro. Sexo e morte, desejo e aniquilamento atravessam cada cena, numa espécie de ritual sobre os mecanismos de perversão em que a questão moral é abolida para que o espectador seja exposto a forças que não constam em seus hábitos visua...

Voltar a Caim (II)

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Por Pedro Fernandes José Saramago durante conferência de apresentação de Caim , Casa de las Américas, Madri, 2009. Foto: Eduardo Parra. Há no rol das opiniões dos leitores de Caim , último romance do escritor português José Saramago, uma lista não tão curta de comentários depreciativos - seja sobre o plano temático, seja  sobre o plano estético do romance. Volto a essa querela por entender que muita das opiniões são vazias e algumas de tão vazias chegam a ser uma ofensa para com o escritor e o romance em questão. Todo romance, esse é meu entendimento, é aquilo que ele é. Seu escritor é meramente um sujeito que, inquieto perante os relativismos do mundo, escreve. E na sua escrita vai junto modos seu de pensar e de ver o mundo. O grande propósito de Saramago, já dito por ele próprio em muitas entrevistas, está em desassossegar quem o lê. Entendo esse desassossegar como sendo o interesse do escritor e da sua literatura em chamar atenção para o valor de determinados discursos e ve...

Saramago: Biografia, de João Marques Lopes

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Por Pedro Fernandes É com esse título que, um mês antes do previsto, chega às livrarias brasileiras a primeira biografia do Prêmio Nobel José Saramago - Saramago: Biografia . O nome por trás do feito é um nome de responsabilidade. Também, para uma personalidade do porte de Saramago, há que ser um nome de responsabilidade: João Marques Lopes, o autor de outras grandes biografias, como a de Eça de Queirós e a de Fernando Pessoa. Para quem é conhecedor de algumas linhas bussolares da pessoa que é o escritor português, ficará, ao terminar a leitura deste texto de João Marques, com um gosto de "quero mais" ou "poderia ser melhor". Para os que desconhecem Saramago, não sei precisar. Mas, tenho quase certeza de que não ficarão também saciados com essa incursão biográfica. São notas breves ou estaria nelas o que certa vez disse o próprio escritor, que na sua vida não há nada de muito interessante que sirva aos biógrafos? Mas, enfim, ressalto que o livro de Jo...