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Cabaré, de Bob Fosse

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Depois de os musicais terem se tornado mais raros em Hollywood, a partir do fim dos 1950, a estréia de Cabaré , do diretor Bob Fosse, colocou o gênero de novo em evidência. Desta vez, no entanto, o tom é mais escuro, menos eufórico que o dos musicais das décadas anteriores. A obra foi admirada por um público enorme e ganhou oito Oscar, embora não tenha recebido o de Melhor Filme. Mais de 30 anos depois, Liza Minnelli (filha da atriz Judy Garland e do grande diretor de musicais Vincent Minnelli) ainda tem sua imagem associada aos cílios postiços e à maquiagem forte de sua personagem, a cantora e dançarina Sally Bowles.  Na Berlim de 1931, no contexto da forte crise social-política-econômica que originou a ascensão do nazismo ao poder dois anos depois, Sally trabalha num cabaré, o Kit Kat Klub, com o sonho de tornar-se estrela de cinema, sem poupar meios para realizá-lo. Envolve-se com um professor britânico e bissexual, Brian Roberts (Michael York), e, ambos com o bar...

Sobre a poesia

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Por Adélia Prado Quando eu falo de poesia, não é apenas da poesia que, eventualmente, nem sempre nós encontramos nos poemas; falo do fenômeno poético de natureza epifânica, reveladora, daquilo que confere a uma obra de arte o estatuto de obra de arte. Poder ser música, pode ser escultura, a pintura, teatro, dança, cinema e literatura, que é onde eu me coloco. Tudo isso que foi nomeado, tudo aquilo que eu chamo de arte se justifica pela poesia que ela contém; se não tiver poesia não é cinema, não é teatro, não é pintura, não é literatura. Não tendo, ela é tudo, menos obra de arte. A obra verdadeira ela é sempre nova. Não cansa porque traz em si mesma e apesar de si mesma algo que não lhe pertence e nem pertence ao seu autor. Vem de outro lugar, de uma instância mais alta e através da única via possível, que é a vida da beleza. Em arte, quando eu falo beleza, eu estou falando não de boniteza, mas de forma. Arte é forma; não é do bonito que nós estamos falando. A forma, a beleza, ...

Ezra Pound: santo laico, poeta louco

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Por Manuel Vicent A mistura de um santo laico e de um poeta louco resulta num profeta. Houve um que se chamou Ezra Pound. Nasceu casualmente no dia 30 de outubro de 1885 no povoado perdido de Hailey, em Idaho, interior profundo do Oeste estadunidense, onde seu pai foi trabalhar na inspeção de uma mina de ouro em sua propriedade, mas aos seis meses foi enviado para Nova York e aí passou a adolescência como um cachorro urbano sem coleira nem glória alguma. Licenciou-se em línguas românicas pela Universidade da Pensilvânia. Foi professor de uma escola básica, logo contestado por alguns. Teve uma primeira noiva, Mary Moore, que um dia perguntou por sua casa. Ezra contestou que sua casa era só uma mochila e carregou com ela.  Quando sua mãe, Isabel Weston, abandonada por seu marido, foi internada num asilo, o poeta, com 20 anos, pegou seus pertences e foi para a Inglaterra em busca dos escritores e outros colegas que admirava, tais como Joyce, D. H. Lawrence, T. S. Eliot,...

O Pântano, de Lucrecia Martel

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Da elogiadíssima nova safra do cinema argentino, a diretora e roteirista Lucrecia Martel é talvez o principal destaque individual, aquele que mais tem se preocupado em criar um universo ficcional próprio e original. Em seus dois longas, O Pântano  (2000) e A Menina Santa  (2004), ambos passados no norte da Argentina (região onde nasceu), há uma semelhança no trato da dissolução dos relacionamentos familiares, na influência da culpa católica e também em ambientações particulares, como a presença de piscinas. O Pântano , o mais cultuado dos dois, conta a história de duas matriarcas e suas famílias desajustadas que passam alguns dias na úmida cidade de La Ciénaga (título original da obra). Mecha (Graciela Borges) observa, literalmente inerte, quase sem se levantar da cama, o marido se afundar no álcool e a relação incestuosa entre os filhos. Já Tali (Mercedes Morán), tenta se dedicar ao máximo à família, e ainda assim, não consegue impedir um acidente doméstico com o f...

Escrever não é bicho de sete cabeças, mas assusta

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Por Pedro Fernandes Escrever não é outra tentativa de destruição mas antes a tentativa de reconstruir tudo pelo lado de dentro, medindo e pesando todas as engrenagens, as rodas dentadas, aferindo os eixos milimetricamente, examinando o oscilar silencioso das molas e a vibração rítmica das moléculas no interior dos aços. José Saramago, Manual de pintura e caligrafia Todo texto é um desafio imposto para quem lê, mas mais ainda para quem se aventure na escrita dele. Até hoje, depois de ter lido O prazer do texto , de Roland Barthes, não sei especificar se realmente é prazer o que sinto no ato de escrever e se o prazer barthesiano realmente existe ou não. Talvez esteja aí sua natureza de prazer - a incapacidade de especificidade daquilo que é da ordem do sentimento.  O projeto de minha dissertação foi escrito ainda em meados do segundo semestre de 2008; foi gestado desde início desse ano. Depois de submetido a um exame de sele...

A 18, encontro com José Saramago (I)

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A iniciativa de congregar os leitores de Saramago em torno dos seus livros, propostas ou reflexões a cada dia 18, e fazê-lo cordialmente, com uma taça de vinho, com a alegria de saber-nos seus contemporâneos, nasceu de forma espontânea em Madrid e Lanzarote e de gente que lhe queria bem. Para lançá-la não pediram autorização a ninguém nem necessitavam de fazê-lo: celebrar Saramago e a sua obra dependerá da sensibilidade de cada leitor e os que puseram em marcha este projecto - obrigado Fernando Berlín, Olga Rodríguez, Juan Diego Bottos, Emilio Silva, obrigado, María del Río - demonstraram elegância e finura intelectual e, sem dúvida, elegeram a melhor fórmula porque a fizeram nascer de um livro, do coração de O ano da morte de Ricardo Reis . Brindar com uma taça de vinho em todos os continentes do mundo, falar de Saramago, ler umas páginas de qualquer livro, ser livres de preconceitos e de prisões, discutir com a liberdade que Saramago reclamava e fazê-lo de forma explícita aos dia...