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Diário de Bordo

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Por Pedro Fernandes Tenho pensado neste quadro de René Magritte para o início do primeiro capítulo da dissertação. Gosto de dialogar com algum ponto para se construir uma determinada reflexão, mesmo que seja um ponto teórico. Mas, entre este e uma tela, darei preferência à segunda. Porque só assim fica permitido que a existência do que eu poderia chamar de reflexão autêntica , sem está aleijado pela repetição da voz alheia, é possível. Claro que no curso da construção desse diálogo o espírito teórico irá aparecer como malha de reforço, ou questionamento, ou ainda ampliação das reflexões. Sei que piso nesse território movediço do pensamento acadêmico e não posso ignorar as vozes que vieram antes de mim sob o risco de depois ser acusado de dizer o óbvio ou o senso comum. Mas essa constatação da relação escrita outro suporte  que não o da teoria, é tão fundamental para o que irei escrever que deverei adotar como elemento norteador na construção integral do texto: ...

A obra de José Saramago no cinema

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Por Pedro Fernandes Cena de Ensaio sobre a cegueira , a melhor adaptação de uma obra de José Saramago para o cinema. Perfazendo um caminho pelas sendas do plano virtual motivado por quatro textos de José Saramago que até agora ganharam adaptação para as telas do cinema   ( A jangada de pedra , Ensaio sobre a cegueira , A maior flor do mundo   e o recente O embargo ) ,  descubro o quanto o escritor português mantém uma relação sólida com outros meios artísticos. Sim, porque além das produções cinematográficas perdemos as contas sobre as adaptações de sua obra para o teatro, a dança, as artes plásticas e outras manifestações artísticas.  Pensei esta página para ser além do registro desses primeiros filmes, um aberto repositório capaz de receber o que estiver ao meu alcance e enquanto este blog viver, isto é, poder acrescentar sempre as próximas adaptações e minhas impressões sobre elas.  No final desta post, deixo um link para deixá-lo a parte dessas ad...

Cabaré, de Bob Fosse

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Depois de os musicais terem se tornado mais raros em Hollywood, a partir do fim dos 1950, a estréia de Cabaré , do diretor Bob Fosse, colocou o gênero de novo em evidência. Desta vez, no entanto, o tom é mais escuro, menos eufórico que o dos musicais das décadas anteriores. A obra foi admirada por um público enorme e ganhou oito Oscar, embora não tenha recebido o de Melhor Filme. Mais de 30 anos depois, Liza Minnelli (filha da atriz Judy Garland e do grande diretor de musicais Vincent Minnelli) ainda tem sua imagem associada aos cílios postiços e à maquiagem forte de sua personagem, a cantora e dançarina Sally Bowles.  Na Berlim de 1931, no contexto da forte crise social-política-econômica que originou a ascensão do nazismo ao poder dois anos depois, Sally trabalha num cabaré, o Kit Kat Klub, com o sonho de tornar-se estrela de cinema, sem poupar meios para realizá-lo. Envolve-se com um professor britânico e bissexual, Brian Roberts (Michael York), e, ambos com o bar...

Sobre a poesia

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Por Adélia Prado Quando eu falo de poesia, não é apenas da poesia que, eventualmente, nem sempre nós encontramos nos poemas; falo do fenômeno poético de natureza epifânica, reveladora, daquilo que confere a uma obra de arte o estatuto de obra de arte. Poder ser música, pode ser escultura, a pintura, teatro, dança, cinema e literatura, que é onde eu me coloco. Tudo isso que foi nomeado, tudo aquilo que eu chamo de arte se justifica pela poesia que ela contém; se não tiver poesia não é cinema, não é teatro, não é pintura, não é literatura. Não tendo, ela é tudo, menos obra de arte. A obra verdadeira ela é sempre nova. Não cansa porque traz em si mesma e apesar de si mesma algo que não lhe pertence e nem pertence ao seu autor. Vem de outro lugar, de uma instância mais alta e através da única via possível, que é a vida da beleza. Em arte, quando eu falo beleza, eu estou falando não de boniteza, mas de forma. Arte é forma; não é do bonito que nós estamos falando. A forma, a beleza, ...

Ezra Pound: santo laico, poeta louco

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Por Manuel Vicent A mistura de um santo laico e de um poeta louco resulta num profeta. Houve um que se chamou Ezra Pound. Nasceu casualmente no dia 30 de outubro de 1885 no povoado perdido de Hailey, em Idaho, interior profundo do Oeste estadunidense, onde seu pai foi trabalhar na inspeção de uma mina de ouro em sua propriedade, mas aos seis meses foi enviado para Nova York e aí passou a adolescência como um cachorro urbano sem coleira nem glória alguma. Licenciou-se em línguas românicas pela Universidade da Pensilvânia. Foi professor de uma escola básica, logo contestado por alguns. Teve uma primeira noiva, Mary Moore, que um dia perguntou por sua casa. Ezra contestou que sua casa era só uma mochila e carregou com ela.  Quando sua mãe, Isabel Weston, abandonada por seu marido, foi internada num asilo, o poeta, com 20 anos, pegou seus pertences e foi para a Inglaterra em busca dos escritores e outros colegas que admirava, tais como Joyce, D. H. Lawrence, T. S. Eliot,...

O Pântano, de Lucrecia Martel

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Da elogiadíssima nova safra do cinema argentino, a diretora e roteirista Lucrecia Martel é talvez o principal destaque individual, aquele que mais tem se preocupado em criar um universo ficcional próprio e original. Em seus dois longas, O Pântano  (2000) e A Menina Santa  (2004), ambos passados no norte da Argentina (região onde nasceu), há uma semelhança no trato da dissolução dos relacionamentos familiares, na influência da culpa católica e também em ambientações particulares, como a presença de piscinas. O Pântano , o mais cultuado dos dois, conta a história de duas matriarcas e suas famílias desajustadas que passam alguns dias na úmida cidade de La Ciénaga (título original da obra). Mecha (Graciela Borges) observa, literalmente inerte, quase sem se levantar da cama, o marido se afundar no álcool e a relação incestuosa entre os filhos. Já Tali (Mercedes Morán), tenta se dedicar ao máximo à família, e ainda assim, não consegue impedir um acidente doméstico com o f...