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Budapeste, de Chico Buarque

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Por Pedro Fernandes Em se tratando da dissolução dos sujeitos e das identidades na contemporaneidade, todos os romances de Chico Buarque anteriores a Leite derramado (neste a presença é menos significativa, mas não menos operante) apontam nessa direção; cite-se Budapeste em que o protagonista José Costa na volta de um congresso de escritores anônimos é, devido a um pouso inesperado, preso por um dia numa cidade de língua incompreensível, configurando-se, desde então, sujeito em trânsito, escorregadio, “em-busca-de/ encontrar-se com”. Budapeste com sua amarelidão acaba por se constituir ponto de fuga daquela sua incômoda realidade: basta relembrar que a personagem em questão é um ghost-writer  que  vive um casamento entediante e Vanda, sua mulher, diferentemente dele, que o sucesso é o brilho do outro, é uma jornalista reconhecidamente de alto prestígio. No fugir de sua rotina anônima e no encantamento que a personagem vai nutrindo pela cidade desconhecida, podemos in...

A 18, encontro com José Saramago (IV)

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Sabido é que todo o efeito tem sua causa, e esta é uma universal verdade, porém, não é possível evitar alguns erros de juízo, ou de simples identificação, pois acontece considerarmos que este efeito provém daquela causa, quando afinal ela foi outra, muito fora do alcance do entendimento que temos da ciência que julgávamos ter. [...] E nem adianta acrescentar que a qualquer um sobejam razões para se julgar causa dos efeitos todos, estes de que viemos falando e mais os que são nossa parte exclusiva para o funcionamento do mundo, o que eu muito gostaria de saber é como ele será quando não houver homens e os efeitos que só eles causam, o melhor é nem pensar em tal imensidão, que faz tonturas, ora, bastará que sobrevivam uns animaizitos, uns insectos, e mundo haverá, o da formiga, o da cigarra, não afastarão cortinas, não se olharão num espelho, e isso que tem, afinal a única grande verdade é o que o mundo não pode ser morto. [José Saramago, A jangada de pedra , p.13]  ...

Sobre II Festival Literário da Pipa

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Por Pedro Fernandes O moçambicano Mia Couto que será a grande atração do II Festival Literário da Pipa 1.  Determinadas ações quando se repetem vem com a natureza de que foi uma ideia que deu certo. E determinadas ações em prol da Literatura, espaço esquecido pelos do poder político que sonegam o olhar devido e merecido, quando se repetem é muito bom; acabam por compor signo de resistência a bailar frente ao poder cerceador de que  a literatura é uma manifestação artística autônoma. 2.  É esse o sentimento que me chega ao abrir o jornal Tribuna do Norte e saber que o escritor e produtor cultural Dácio Galvão, através da Fundação Hélio Galvão e do projeto Nação Potiguar, vai novamente reunir importantes nomes da literatura — de abrangência local à internacional — para juntos fazerem a segunda edição do Festival Literário de Pipa-FliPipa. 3.  O evento já tem data e tudo: será entre os dias 18 e 20 de novembro, no trecho pr...

Mídia e eleição

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Não é de hoje que a mídia brasileira tem estado em posição A ou B durante o período eleitoral. Antes, é verdade, a coisa corria mais sorrateira. Ou não. Talvez a sociedade brasileira ainda não estivesse em alerta para as decisões que eram tomadas na cúpula do poder. Hoje, me parece que a coisa não mudou muito, é verdade: ainda damos crédito a tudo que ela noticia e não vemos que o fato jornalístico é em si caleidoscópico. Isto é, passa-se pela mão de um grupo dotado de uma corrente ideológica, cujo interesse será sempre o de falar em nome de si próprio, fazendo do fato elemento de muitas faces, todas elas aplicáveis. De modo que, hoje e sempre, a mídia tem se posicionado muito claramente no lugar de si própria. O lado, infelizmente, de interesses escusos. E tudo me lembra muito ao cenário costurado no auge da Ditadura, em que a mídia, estando ao lado dos do eixo do mal por causa de seus próprios interesses esteve colocando a mercê toda a sociedade brasileira. Há q...

Estorvo, de Chico Buarque

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Por Pedro Fernandes Estorvo é a história do sujeito em estado de sonho, de pavor de si. Tudo começa quando uma personagem, já não identificada, mira alguém por através do olho mágico e logo em seguida põe-se em disparada numa viagem de muitos retornos - não necessariamente eternos, nem de filho pródigo. Não tarda o itinerário da própria trama para que descubra-se que ele, membro de uma família da elite carioca, está envolvido, o porquê disso também não sabemos, com o tráfico de drogas. Com esse romance Chico apresenta-se como romancista, até então só compunha, cantava e escrevera, sim, peças para teatro e um livro infantil. Inaugura também aquilo que deverá se tornar rota, para não dizer estilo, de sua escrita: uma escrita de, senão forte apelo, mas de veio social muito vivo. O trânsito dessa personagem de Estorvo - que, ora está no seu berço de origem ora está no mundo à parte do seu - apresenta-nos que as fronteiras de classe no Brasil é divisada por linha mu...

Karatê Kid, de Harald Zwart

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Por Pedro Fernandes Gosto daqueles filmes que, a princípio não aposto muita coisa e entro no cinema totalmente desacreditado de ser "o filme" e depois, com o andar da trama, a opinião minha se reverte a ponto de dizer, no fim de tudo, que valeu a pena. Isso, devo dizer, não se repete com frequência. São raros os momentos. A surpresa desse ano me foi, então, Karatê Kid . A releitura do filme de 1984 não deve ser totalmente preso a ideia de releitura; pela curta memória minha, vejo na versão atual uma leva de fatores que fazem desse o filme um filme com identidade própria em relação a primeira versão. Um dos fatores é, sem dúvida a atuação de Jaden Smith, filho do astro Will Smith. Pode ser que Jaden não tenha o talento do pai - e seria até absurdo fazer uma relação desse tipo - mas o fato é que Jaden incorpora e bem a sua personagem, a ponto de imprimir no rosto de alguns desavisados alguma lágrima furtiva. Outro fator será a trilha sonora. Eles conseguem dá um...