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Afonso Cruz

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  “Para uns, a raiz é a parte invisível que permite à árvore crescer. Para mim, a raiz é a parte invisível que a impede de voar como os pássaros. Na verdade, uma árvore é um pássaro falhado.” ― De Os livros que devoraram o meu pai , Afonso Cruz Afonso Cruz. Foto: Sara Matos   Não faz muito tempo que a obra de Afonso Cruz começou um caminho de vigorosa ascensão, mas já faz o tempo suficiente para que os leitores deste lado do Atlântico começassem a reivindicar a presença de sua obra entre nós. O escritor nascido em Figueira da Foz em 1971 escreveu até agora cinco livros dotados de uma rica linguagem poética e imaginativa, como é possível sorver nos excertos que iluminam a abertura dessas notas. Com alguns deles, acumula alguns importantes prêmios e boa recepção pela crítica literária no seu país.   De maneira que, com esses traços é possível filiar o autor a uma linha criativa da literatura portuguesa marcadamente surrealista e circunscrita no diálogo à volta de um univers...

Miacontear - O homem cadente

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Por Pedro Fernandes Ilustração: Nikolaus Heidelbach Eis o segundo conto de O fio das missangas : “O homem cadente” Misto de sonho kafkiano, o conto dá contas de um fato insólito: Zuzé Neto, amigo do narrador, cisma, e de um hora para outra, já no início da narrativa, “está caindo”.  Vale dizer que a linguagem aqui é seu ponto de inflexão maior. Ao usar o caindo  como expressão de um fato e para uma forma verbal - cair - que,  pelo sentido que carrega, supostamente não lhe permite um gerúndio, o narrador acaba por ressaltar o poder demiúrgico da palavra. “Aquele gerúndio era um desmando nas graves leis da gravidade: quem cai já caiu” (p.15).  Com este conto Mia Couto demonstra que a palavra que rege (e mesmo é forma enformante) o mundo e o constitui também é capaz de colocar em xeque as próprias leis fechadas dos sistemas, a começar pelo da própria linguagem. E Zuzé Neto flutua no ar, “como água real”, caindo para cima ,...

Onze obras do teatro moderno e contemporâneo fundamentais a todo leitor

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Samuel Beckett: Renovar o teatro pelo absurdo. O teatro é uma das artes mais antigas da história da humanidade. Sua prática recorre a um tempo imemorial, identificado com as práticas religiosas e mágicas das primeiras sociedades; nasce envolto à música e ao canto e está, assim, num tempo anterior ao da arte literária. Massaud Moisés em A criação literária sublinha que os documentos mais antigos ancoram o nascimento dessa expressão em solo grego, aproximadamente no século VI a. C. Nesta postagem, listamos algumas das peças fundamentais à biblioteca de todo leitor interessado ou não a essa manifestação artístico-literária. É uma lista que desmembrada de outra, que copiou obras essenciais dessa forma em prosa na antiguidade grega e europeia. Os títulos dessa lista são de autores contemporâneos – grande parte dedicada à renovação e, logo, atualização da forma em seu tempo. Não se trata como costumamos lembrar de uma lista completa, única e definitiva; são indicações. Também...

Os fragmentos de uma geometria a Leontino Filho

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Por Pedro Fernandes Quantas faces comporta um poeta? Drummond em seu “Poema de sete faces” deixou, entrever, pelo signo que nomeia o próprio poema, que seriam sete. Fernando Pessoa, entretanto, rompe as contas e se fez “em mais pedaços do que havia loiça no vaso”. Dessa pergunta, instituo outra. Em que consiste a arte poética? Jorge Luis Borges em “Arte poética” “enumera” alguns dos fazeres. Murilo Mendes põe todas as enumerações possíveis em três versos: “Os diversos personagens que encerrei/ Deslocam-se uns dos outros, fundam uma comunidade/ Que eu presido ora triste ora alegre.” E Mia Couto, numa de suas avalanches poéticas, completa: “e eu invento o que escrevo/ escrevendo para me inventar”. Se fôssemos buscar uma face que definisse Leontino Filho, diríamos, que todas as faces possíveis começa e finda somente numa: a de ser poeta. E isso não o faz, em momento algum, inferior à ordem dos que se multiplicaram para ser-se. Sua unidade o faz tão plural quanto. E me refiro...

Lygia Fagundes Telles na tela

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Aproveitando o aniversário de 88 anos de Lygia Fagundes Telles e a programação especial elaborada por ocasião da data pela Cinemateca Brasileira (Largo Senador Raul Cardoso, 207 – Vila Mariana. São Paulo/SP) fica a seguir a dica (para nós que estamos tão longe de Sampa) de filmes baseados ou inspirados na obra da escritora. Alguns nunca entraram em cartaz, mas podem ser adquiridos (não sem muita birra certamente) junto à Cinemateca. Cena de Capitu , filme baseado no romance de Lygia Fagundes Telles. Em destaque Othon Bastos no papel de Bento.  Jogo da memória (1992) - curta inspirado no romance Verão no aquário , produzido sob direção de Denise Vieira Pinto. Trata-se de um filme cujo enredo é um jogo onde se misturam o passado e o presente: à medida que Tio Samuel toca nas fotos, elas tornam-se realidade para Raíza. Contos de Lygia e Morte (1999) - longa em episódios sob direção de Luciana Solim; é uma adaptação de três contos da escri...

Miacontear - As três irmãs

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Por Pedro Fernandes Tela de Abias Ukuma, pintor Angolano O primeiro conto de  O fio das missangas  intitula-se “As três irmãs”. O enredo dá conta de quatro personagens: Gilda, Flornela e Evelina, filhas de Rosaldo, viúvo que leva o protecionismo paterno  ao extremo: cria as meninas num completo estado de isolamento. São-lhes as filhas “exclusivas e definitivas”. O ponto de vista do narrador contempla as três irmãs com o olhar de quem contempla um quadro; estratégia elaborada pelo autor para passar à superfície da narrativa a monotonia com que se movimentam esses perfis femininos no seu espaço cotidiano, ou o silêncio e o estágio de submissão a que estão submetidos. Esse olhar também consegue traduzir o movimento do tempo e a própria existência das personagens, já que dilata a ideia do cronológico  para  o psicológico. Trata-se de um olhar que divaga pelas margens do quadro, mas o intuito é extrair com palavras o silênci...