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Meia-noite em Paris, de Woody Allen

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Por Pedro Fernandes É a produção mais recente do cineasta e escritor Woody Allen. E no mesmo nível que outras crônicas produzidas por ele. Se Nova York lhe rendeu por muito tempo matéria para a composição de suas películas, Allen agora toma da cidade de Paris como espaço -flâneur para ambientar esse misto de comédia e romance. Incrível é notar o quanto de autobiográfico salta aos olhos de quem assiste este Meia-noite em Paris . A birra americana dos psedeuintelectuais fabricados e criados à rescaldo de ovação barata para com o escritor-diretor que sempre se encantou com Nova York fez Allen usar a cidade luz como tapa com luva de pelica. Se antes o próprio Allen zombou do ostracismo parisiense, agora parece querer revê-lo com outros olhos. Gil, personagem central desse filme é um escritor iniciante - antes escrevia roteiros bem bolados para Hollywood - e está prestes a se casar com Inez. É quando os pais de sua noiva vão à negócios a Paris que eles, Gil e Inez, aproveita...

Relembrar o dia um ano depois

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Por Pedro Fernandes José Saramago. Foto: João Francisco Vilhena. Depois de sua morte, um escritor passa a ter, obrigatoriamente duas datas pelas quais se miram seus leitores para lembrá-lo - a de seu nascimento e a de sua morte. Há casos, é verdade, que não se lembram nem de uma nem de outra e são muitos os escritores que caem no limbo do esquecimento. Mas, como saramaguiano que me defino, não pertenço a esse clã dos esquecidos, apesar de não ser nenhum pouco dado com as datas. E é fato que neste 18 de junho fecha-se um ano em que os leitores de José Saramago ficaram tristes. "O tempo voa!" Disse de mim para mim quando me coloquei à frente desse dia. A notícia sobre a morte de José Saramago me chegou naquela manhã por uma ligação telefônica no momento em que eu me preparava para ministrar uma aula no meu estágio de docência durante o Mestrado. Se nenhuma aula sai conforme o planejado aquela teve tudo para que destoasse a léguas. Quando desliguei o telefone e olhei para...

Joyce para as telas

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Por José Abrantes Ulisses , de James Joyce, ganhou a primeira versão cinematográfica em 1967. Numa produção britânica de baixo orçamento, com fotografia em preto-e-branco e forte contraste, o norte-americano Joseph Strick fez a adaptação e dirigiu um elenco excepcional de atores irlandeses: Milo O'Shea (Leopold Bloom), Barbara Jefford (Molly Bloom), Maurice Roeves (Stephen Dedalus) e T. P. McKenna (Buck Mulligan). Ignorado pelo grande público e mal recebido pelos críticos, o filme é uma destilação do livro. Não inclui os despudores de Joyce, uma vez que a censura irlandesa (inglesa também) na época ainda era de ferro (na cópia original liberada, bips irritants obliteravam as "indecências" ditas por Molly no monólogo final), mas fascina ao reproduzir visualmente as alternâncias entre ação e monólogo interior, embora recorra muitas vezes à narração sobre imagens. Strick retomou Joyce com Um retrato do artista quando jovem , em 1977. Também produção britânica, com elenco ...

Miacontear - Os olhos dos mortos

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Por Pedro Fernandes Em  “ Os olhos dos mortos ”  estamos diante de uma protagonista mulher que também ocupa o estatuto de narrador. Esta bem poderia ser colocada, dado o forte parentesco, junto àquela mulher que assassina o marido em “Meia culpa, meia própria culpa”; à maneira dela, esta também está para confessar o assassinato do marido. Se aquela comete o homicídio por um sentimento de posse, esta comete, entretanto, para se libertar do domínio masculino. “Durante anos, porém, os passos de meu marido ecoaram como a mais sombria ameaça. Eu queria fechar a porta, mas era por pânico. Meu homem chegava do bar, mais sequioso do que quando fora. Cumpria o fel de seu querer: me vergastava com socos e chutes. No final, quem chorava era ele para que eu sentisse pena de suas mágoas. Eu era culpada por suas culpas. Com o tempo, já não me custavam as dores. Somos feitos assim de espaçadas costelas, entremeados de vãos e entrâncias para que o coração seja expos...

Tetro, de Francis Ford Coppola

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Este é  o último clássico do Coppola. E é clássico não apenas porque foi feito pelo Coppola, mas sim, porque ele aproveita tudo o que aprendeu em Apocalypse now e em O poderoso chefão , suas obras-primas, e incorporou nesse Tetro . No filme, Coppola está no auge de seus setenta anos e, portanto, é já dono da capacidade de síntese transformando Tetro numa obra poética. É novamente o drama do relacionamento familiar - tema da maior de sua produção - que aqui se apresenta. Tetro é um filme acerca das incertezas e das dúvidas em torno dessa criação cultural: a família. Gravado em preto-e-branco em pleno século da luz no cinema, Tetro traz a história de Benny, um garoto norte-americano que vai ao encontro de seu irmão, que antes fora um escritor de talento e ao sair de casa para tentar a "sorte grande" não volta mais para casa, nem para rever a família, nem para buscar Benny. É na sombria Buenos Aires onde a trama se desenvolve, porque é lá que Benny localiza Angel...

O retrato possível de Fernando Pessoa e três poemas do mestre

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anA marques. Poema "Aqui na orla da Praia"- Fernando Pessoa 2001 Era um homem magro, com uma figura esguia e franzina, media 1,73 m de altura. Tinha o tronco meio corcovado. O tórax era pouco desenvolvido, bastante metido para dentro, apesar da ginástica sueca que praticava. As pernas eram altas, não muito musculadas e as mãos delgadas e pouco expressivas. Um andar desconjuntado e o passo rápido, embora irregular, identificavam a sua presença à distância.   Vestia habitualmente fatos de tons escuros, cinzentos, pretos ou azuis, às vezes curtos. Usava também chapéu, vulgarmente amachucado, e um pouco tombado para o lado direito.  O rosto era comprido e seco. Por detrás de uns pequenos óculos redondos, com lentes grossas, muitas vezes embaciadas, escondiam-se uns olhos castanhos míopes. O seu olhar quando se fixava em alguém era atento e observador, às vezes mesmo misterioso. A boca era muito pequena, de lábios finos, e quase sempre semicerr...