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Ler a Odisseia (Parte I)

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Por Pedro Fernandes Odisseia de Homero , Turner. Devo retornar à questão primeira que postei em Letras in.verso e re.verso quando dei início à leitura da Odisseia , de Homero. Daniel Mendelsohn em recente entrevista ao The Browser responde à questão posta dizendo: “Quando eu chegar a minha velhice, a resposta para isso é que os clássicos são apenas bons .” Vou na contramão de Mendelsohn para dizer que, devo ainda está longe da velhice se pensar na idade que tenho hoje, mas que, voltando agora, já prestes a fechar a leitura do livro de Homero para dizer isso: os clássicos são bons. E é, sem falsa modéstia, os únicos que ainda conseguem ajudar a esse leitor que venho construindo desde que me colocava diante da leitura da Bíblia à volta dos meus catorze anos.  Repete-se lendo a Odisseia o que vivi lendo Dom Quixote ou Grande sertão: veredas , para ficar apenas em dois exemplos. Quanto à leitura da Bíblia aos catorze,   fui precoce, então. A Bíblia é, juntamente com...

Wisława Szymborska

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Por Ruth Franklin A Polônia do pós-guerra era uma nação extraordinariamente miserável, mas num aspecto (e talvez esse fosse o único) estava entre as mais afortunadas do mundo. Este país sem pretensões, que não é admirado por suas paisagens, por sua gastronomia ou por sua arquitetura, produziu três dos melhores poetas europeus da última metade do século. O primeiro deles foi Czesław Miłosz (1911-2004), nascido na Lituânia numa família polonesa, depois fugiu para a França em 1951 e logo emigrou para os Estados Unidos na década 1960. Foi o poeta geopolítico, o que encaixava perfeitamente com sua condição de exilado, e o primeiro prêmio Nobel da Polônia. O segundo foi Zbigniew Herbert (1924-1998), o poeta filósofo da Polônia, quem se negou a colaborar com o regime comunista e escreveu sua lírica abstrata e inteligentíssima na penúria durante grande parte de sua vida. A última foi Wisława Szymborska (1923-2012). Embora fosse contemporânea de Herbert, a coloco no final não por...

As melhores histórias de amor

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Por Pedro Fernandes Two in the hills.  Margarita Sikorskaia. Não vou com o papo piegas de que a melhor história de amor é aquela na qual o Criador traveste-se de criatura e deixa-se morrer na cruz pela libertação da humanidade do pecado. Mérito cristão, mas eis aí um motivo contraditório e difícil de engolir. Não creio nisso e, mesmo não sendo data (e há data para falar disso?) vou para histórias de amor mais terrenas e, portanto, mais verdadeiras que quaisquer invencionices ideológicas. A primeira que me levou às lágrimas foi Philomena Borge s, de Aluísio Azevedo. E posso dizer com um tanto de convicção que talvez tenha sido esse livrinho do naturalista brasileiro que li num dia – sem pausas para o almoço – o que me colocou definitivamente no território da Literatura. Sim, porque antes eu me reduzia aos policialescos da Agatha Christie e, logo depois desse romance, parti para outras obras como O cortiço , Casa de pensão e O mulato , todos do Aluísio, p...

A poesia como arma

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Por Pedro Fernandes Guernica . Painel pintado por Pablo Picasso em 1937 para a Exposição Internacional de Paris. Símbolo da arte-denúncia, já que a tela é tratada como representativa dos bombardeios sofridos pela cidade espanhola de Guernica em abril daquele ano. Para o seu autor, a pintura não existe para decorar casas, mas é um instrumento de guerra ofensivo e defensivo contra o inimigo. Insistentemente o primeiro nome que nos vem à cabeça quando se lê o título dado a esta postagem é o de Maiakóvski, assim como o primeiro nome que vem à cabeça para ilustrar um texto com este título é o de Pablo Picasso e o seu famoso painel Guernica . Também lembramos. O poeta soviético talvez não tivesse a preocupação por elaborar uma estética fechada numa forma da arte pela arte, mas entendia que a arte deve comparecer ao seu tempo como se uma espécie ferramenta junto à revolução social. (É necessário que se preserve aqui todos os sentidos para o termo revolução e, claro, para o papel qu...

De quem é palavra?

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Por Pedro Fernandes Tenho impressão de que já comentei por aqui sobre, mesmo tendo já revirado outras postagens e não ter dado conta disso. E é por esta razão que vou ao tema. A questão tomou forma quando há poucos dias a Fundação José Saramago publicou nota em sua página oficial esclarecendo que um pronunciamento acerca da paternidade, mais especificamente, da relação pai-filho, não se tratava de pensamento do autor, tendo uma equipe consultado a fundo todos os escritos e declarações feita pelo escritor. É que se tornou moda nas redes sociais, sobretudo no Facebook, que é o lugar cibernético mais frequentado nos últimos anos, o compartilhamento de frases feitas atribuídas a autores diversos. Assim como José Saramago moda é publicar William Shakespeare, Clarice Lispector, Fernando Pessoa, Caio Fernando Abreu, Mario Quintana, Pablo Neruda, Oscar Wilde e a lista vai multiplicando-se ad infinitum . Alguns saem em defesa da prática com a crença ingênua de que o que vale é ...

Quem é Judas?*

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O beijo de Judas . Caravaggio Nunca um beijo significou tanto para a humanidade. O de uma espécie de anjo caído cuja traição forja a glória de outro. Esse é Judas Iscariotes, personagem bíblico, para mal e para bem do cristianismo. Porque sua traição a Jesus por 30 moedas de prata, lhe converteu desde esse instante, num dos seres mais vilipendiados e amaldiçoados e logo numa das personagens mais interessantes, enigmáticas e novelescas da Bíblia, esse livro de leituras dispersas e fascinantes com grandes vozes narradoras ao serviço de sedutoras leituras literárias. Judas é uma personagem e uma peça essencial sem a qual não existiria a religião Católica, e cuja misteriosa vida tem sido explorada e recriada por alguns escritores ao longo de dois milênios. Em O evangelho segundo Jesus Cristo , de José Saramago, Judas não foge à figura da predestinação megalomaníaca de Deus e é, se não totalmente inocentado, elevado da sua categoria existencial de má pessoa. Olhando por...