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Ulisses, de James Joyce ilustrado por Henri Matisse

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Já que o assunto por aqui hoje é ilustração, anote mais essa: o Bloomsday, ou Dia de Bloom, o até então feriado literário mais importante do mundo, já passou, mas continua rendendo. Insuperável esse James Joyce. Agora, vem a lume um conjunto dos desenhos feitos por Henri Matisse em nos anos 1930.  Por esse época, George Macy, fundador do clube Limited Editons, ofereceu a encomenda sob a quantia de cinco mil dólares para que o artista plástico francês criasse gravuras para uma edição especial do clássico de Joyce. Ulisses aparece em várias publicações esparsas, já motivos de censura nos Estados Unidos por isso, entre 1918 e 1920; o romance, como se sabe, só ganha a primeira edição em 1922 pela francesa Shakespeare & Co. Enquanto isso, na terra do Tio Sam, o livro permanecerá proibido até 1934. Sabe-se que Matisse não chegou a ler o livro e os temas que compôs foram com base no poema épico de Homero, a Odisseia , poema, aliás, admitido pelo próprio Joyce como matéria para...

O rico trabalho de Matt Kish

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Por Pedro Fernandes Não é tarefa das mais fáceis. Gustave Doré, por exemplo, que começou a desenhar ainda aos treze anos e aos catorze publicou uma edição para Os trabalhos de Hércules , levou pelo menos sete anos para compor o primeiro conjunto de  ilustrações para A divina comédia , de Dante. Deverá ter levado tempo maior ou igual para fazer o mesmo com a Bíblia ou com Dom Quixote , de Cervantes, dois outros livros tão portentosos quando o de Dante. Ilustrar todo o Moby Dick , de Herman Meville, eis o primeiro desafio autoimposto por Matt Kish. Já muito distante de Doré em tempo e técnicas - o francês usava o desenho a lápis e viveu entre 1832 e 1883 - Matt Kish, um sujeito que não é artista plástico e é de 1969, deu-se ao desafio de ilustrar página a página do Moby Dick . E tudo por paixão pelo romance de Herman Melville. O trabalho levou aproximadamente dois anos e foi publicado em livro impresso.  Mas quem não tem acesso a este material pode ir ao blog de M...

Eu nasci assim, eu cresci assim

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Jorge Amado trabalhando no romance  Gabriela, cravo e canela  enquanto Carlos Scliar faz seu retrato. Fonte: Cia das Letras Não foi o primeiro romance de Jorge Amado, mas é talvez o mais conhecido entre os leitores. Na verdade, nem sempre os primeiros livros são os que fazem sucesso. Foi sim o primeiro livro escrito depois que o romancista deixou o Partido Comunista e é tido pela crítica como um texto que inaugura  uma nova fase na sua obra.  Não é mais o conteúdo abertamente político que se lê nos primeiros romances o que se encontra agora, mas temas voltados à formação racial brasileira, o universo dos jagunços, coronéis, prostitutas e trambiqueiros, todos ansiando progressos numa região que oferece a eles esse sentido. Está no centro a sensualidade e o erotismo das personagens femininas, a folia, o sexo fácil. O espaço privilegiado para a trama não é mais o urbano de Salvador, mas a região de Ilhéus, que com o auge do cacau, tem uma intensa vida not...

As Novas cartas portuguesas 40 anos depois

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As três Marias. Juntas elas revolucionaram o estatuto do texto literário e do ser-mulher. Nos finais da década de 1960, Eugénio de Andrade publicou em edição bilingue sob o título de Cartas portuguesas , versão para Lettres Portugaises , publicado anonimamente por Claude Barbin, em 1669, e apresentado também como uma tradução, cinco cartas de amor de Mariana Alcoforado a um oficial francês. A jovem era freira e estava enclausurada no convento de Beja. Lisboa, 1971, Maria Isabel Barreno, já autora de Os outros legítimos superiores , Maria Teresa Horta , Minha senhora de mim , e Maria Velho Costa, Maina Mendes , decidiram escrever um livro a seis mãos. Como "espelho" as autoras tomaram a tradução de Eugénio de Andrade e escrevem Novas cartas portuguesas . As assinaturas das cartas nunca foram reveladas publicamente e a figura de Mariana tinha uma longa representação simbólica para o novo livro. Mulher abandonada, submissa, tomada por um discurso de paixão avassa...

Pelos cem anos da poesia de Augusto dos Anjos

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Por Pedro Fernandes Capa da 1ª edição de  Eu , de Augusto dos Anjos. Em 2012, a obra fecha um século de existência. A palavra para o poeta é material a ser instrumentalizado para a fundação de universos próprios – universos que correm ao lado do mundo comum, o enformam, conformam e deformam. Por isso, a palavra é sempre móvel e viva, ainda que pareça matéria inerte; inesgotável, ainda que pareça ter seu sentido cerrado num conceito em estado de dicionário; sempre livre, ainda que pareça matéria presa no papel. No caso de Augusto dos Anjos, a palavra adquire mobilidade, vivacidade, inesgotabilidade e liberdade da condição de oralidade e obtém a encenação e um tom vocal muito próprio. Não há como ler Eu – livro-enigma que fecha um século neste 2012 – sem que tenhamos na nossa frente uma boca deslocada do corpo que enuncia e encena a beleza verborrágica da palavra, toda ela pulsante e refigurada nos seus versos. Apropriar-se da leitura da poesia do paraibano é primeiro um exercí...

Memória de elefante, de António Lobo Antunes

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Por Pedro Fernandes Memória de elefante é o primeiro romance escrito por António Lobo Antunes ; foi publicado em 1979, depois de voltar de uma permanência na Guerra Colonial na África, experiência que irá perpassar como material temático boa parte da sua obra. É o primeiro romance de uma trilogia que continua com Os cus de Judas e Conhecimento do inferno ; os três, talvez se configurem como os mais importantes da carreira, não por razões estéticas, certamente, porque Lobo Antunes possui outros mais bem acabados romances (entre nós, é um autor ainda por se conhecer), mas esses três livros dizem a que veio o médico meter-se com a escrita. Os três são sucessos de crítica e inauguram em Portugal uma visão nada romântica da desenhada entre os daquele país sobre o que foram os anos de ocupação portuguesa nos territórios africanos. Não que estejam esses romances reduzidos a esse propósito, mas é o tema um dos mais caros à ficção contemporânea que se forma no pós-74.  O roman...