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Doris Lessing

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Num texto recente para o jornal El País , Alberto Manguel relembra dos quinze anos de amizade cultivada entre ele e a escritora britânica Doris Lessing: “a nossa era, num sentido literal, uma amizade baseada na palavra escrita. Por carta, discutimos sobre política, sobre livros, sobre as mentiras da história e a verdade da literatura, do teatro e do cinema, e dos laços familiares de cada um, dessa vontade humana de criar obrigações afetivas que Francis Bacon chamou ‘reféns da Fortuna’. Criticamos editores, publicações, governos e lamentamos a sorte dos países que sentimos inexoravelmente nossos: em seu caso, Rodésia.” A Manguel, Lessing teria confessado – “Uma parte de mim estará sempre na África”. A escritora que nasceu no Irã em 1919 morreu no início desta semana em Londres, onde vivia desde adulta. Tinha 94 anos e há três anos fora a ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura. Aos cinco anos de idade mudou-se com os pais para uma província na Rodésia (hoje Zimbábue) onde viveu...

Desassossego e Salvação

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Por Rafael Kafka ilustração de Joana Imaginário Descobri o verdadeiro da leitura quando estava com 17 anos. Na primeira semana de 2006, para ser mais específico. Já escrevi em um texto meu chamado de “O Poder da Leitura” sobre como se deu o começo de meu hábito de leitura: um belo dia, preocupado em descambar para um ociosidade perigosa demais resolvi ocupar meu tempo com leitura e escrita. Eu era um jovem sem perspectiva como muitos oriundos de camadas pobres e moradores de bairros periféricos em nosso país. Mas, no momento em que consegui ler dez livros em dois meses e fiquei com a cabeça cheia de ideias, decidi o que queria de minha vida. No ano anterior, eu conhecera o rock 'n' roll . Em especial a história do Nirvana me tocara: começar algo do nada, em garagens e shows para amigos, fazer das músicas um diário confessional e do som uma transcendência me parecia uma forma poética de viver. Eu queria algo assim! Todavia, não sabia tocar nenhum instrumento, ne...

Boletim Letras 360º #39

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16 de novembro é para ser um dia diferente dos demais – diferença que depois espera ser tornada em gesto comum, mas nunca sem perder o status quo da diferença. Foi nessa data que nasceu o escritor José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura, o único até hoje atribuído a um escritor de língua portuguesa. Não pela honraria, mas Saramago é além de um dos grandes nomes da literatura, uma figura que nunca se cansou em fazer do seu pensamento inquietação sobre a ordem do mundo.  E diante dessa constatação, que não é mera observação vazia, a obra saramaguiana está aí para dizer-nos sobre essa inquietação perante as coisas, a Fundação José Saramago elege a data de hoje como o Dia do Desassossego. Tal como o Dia de Bloom, que celebra o dia da personagem de Joyce por Dublin no célebre romance Ulysses , o Dia do Desassossego tem motivações de revisitar O ano da morte de Ricardo Reis e mais que celebrá-lo, fazê-lo ação, a de não contentar-se com o espetáculo vazio do mundo. A semana ...

Marcel Proust: o labirinto da memória

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Por Colm Tóibín Proust, sua mãe e o irmão Robert. Há uma fotografia de Marcel Proust, seu irmão e sua mãe capaz de produzir calafrios. A Sra. Proust está sentada, enquanto seus filhos, dois jovens próximos aos vinte anos, estão de pé, um a cada lado dela. Estão bem vestidos e em seus olhos há um olhar que faz pensar no  boulevard  e no  salon . Os dois têm algo de felino e afetado. É fácil imaginar porque  maman  tem um ar severo e reprovador. É uma mulher que viu a cara das dificuldades e estes jovens estão preparados para dificuldades mais doces, delicadas e agradáveis. Quando o observador volta a deslizar para seu olhar para eles pode apreciar em Marcel mais inquietude interior; seu olhar não é tão sossegado como o de seu irmão Robert. As cartas que sua mãe enviou a Proust estabeleceram o cenário do primeiro volume de seu romance e marcaram a pauta de sua vida. Uma das correspondências, por exemplo, foi escrita em 1895, quando Proust tinha ...

“Em busca do tempo perdido”, de Proust: juventude de um centenário

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  Por Félix de Azúa Duas páginas de notas para o segundo volume de Em busca do tempo perdido . Fonte: Biblioteca Nacional da França Sobre Proust já se escreveu quase tudo, mas sobre Em busca do tempo perdido não, porque é um clássico e o próprio dos clássicos é sua misteriosa capacidade em carregar-se de novos conteúdos em cada geração. O que hoje significa essa obra não é o que significou em 1913. Agora faz 100 anos da primeira parte, No caminho de Swann . O imenso trabalho se apresentou ao juízo dos leitores anteriores à primeira guerra como um fragmento que à altura foi impossível adivinhar seu conjunto. Dali, sua escala ia ser ampliada até chegar mais de três mil páginas e haveria sido quimérico predizer que aquelas teses inaugurais introduziriam o que anos mais tarde seria um mosaico gigantesco com papeis essenciais na literatura. É a única opinião que justifica o imenso erro de André Gide ao reprová-lo para a publicação pela Gallimard. E depois daquela...

“Em busca do tempo perdido”: onde um detalhe contém o universo

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Por Winston Manrique Sabogal A música soa. Eis Marcel Proust no grande salão do baile de máscaras. Eis Proust convertendo sua vida, a vida, em arte, em romance. O escritor divertindo leitores com Em busca do tempo perdido e transformando a alguns em escritores desde há um século, numa trilha de admiradores que chega até hoje com nomes como Amos Oz, Philippe Claudel, Milton Hatoum, Donna Leon, Amélie Nothomb, Phillipe Lançon, Nuno Júdice, Marie Arana... “É o mago da representação de objetos e pessoas, de lugares e de acontecimentos. Às vezes posso ler Proust com  os olhos fechados”, reconhece o israelita Amos Oz. A magia reside em sua capacidade de fazer do romance o teatro maior do mundo, assegura o português Nuno Júdice. E com efeito a mais: “Converter o leitor num espectador que muitas vezes tem que entrar no jogo cênico. Isso faz com que seja uma obra que resgata a superfície do cotidiano e nos obriga a desfrutar deste Proust e sua memória que nos é oferecida p...