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Os muitos materiais misturados com precisão em “Nosso grão mais fino”

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Por Alfredo Monte “Não consultes dicionário”, nos diz Bentinho a respeito do significado do seu apelido, D. Casmurro. Hoje em dia sabemos: o relato do protagonista do clássico de Machado de Assis tornou-se tão suspeito que devemos fazer justamente o contrário do aconselhado.   A consulta de dicionários acaba sendo também uma consequência da leitura de José Luiz Passos (vou utilizar um chavão — perdoe-me, leitor, mas se trata da mais pura verdade: ele é uma das maiores revelações literárias dos últimos anos), não que ele tenha nada de preciosista do idioma: em  Nosso grão mais fino , o protagonista é um químico, cuja família acabou perdendo as terras de que era proprietária, e nas quais se produzia açúcar. Entre outras “esquisitices”, por assim dizer, ele nos impinge um irmão imaginário (Zelino), com quem manteve intensa relação, para além da infância. Suas reminiscências são pontuadas, alternando-se com estranhos diálogos com Ana Corama, a amada, que amiúde parecem m...

Poética, de Ana Cristina Cesar

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Por Pedro Fernandes Fala-se sobre uma Geração Marginal; depois, fala-se igualmente de uma geração que assumiu, quando de sua constante manifestação na web (desde sempre, o que também é um gesto de vanguarda), a posição central na poesia contemporânea. O que esta geração produziu e o que essas produções passaram a significar atestam para o constante movimento que é a literatura. Que ela não é uma instituição fossilizada, morta, ou posta como santa no altar. Mas é luta constante, via de ser . Movimento que poderíamos conceituar como infinito. Os daquela geração abriam a possibilidade para outras vias da literatura. Num processo que custou o esforço da negação de determinadas estéticas, a rebeldia da imposição de sua estética em muitos casos, mas a convicção, talvez até prepotente, de que neles estava a novidade. Fato é que não havia um movimento mais ou menos estruturado assim como foi, por exemplo, o modernismo. Sobravam certezas, mas rumos nenhum. Ou mesmo as certezas nã...

Obscuro Domínio, de Eugénio de Andrade

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Por  Pedro Belo Clara O retorno à análise, neste espaço de edição quinzenal, de um trabalho de Eugénio de Andrade, pseudónimo de José Fontinhas, justifica-se pela significativa diferenciação de abordagem de conteúdos (uma espécie de isotopia mais vincada) que os anteriores títulos apresentados detêm em comparação directa com este último. Crê-se, por isso, que uma nova visita ao universo do autor é da maior relevância e interesse para todo o leitor que se dispõe a explorar outros trilhos que, no fundo, compõem a imensa e preciosíssima estrada poética por Eugénio desenhada - o seu grandioso legado literário. Este trabalho prima notoriamente pela diferença e talvez esse seja o prelúdio  da via de justificação do título que ostenta, uma vez que a obra se adorna de motivos, formas e imagens que, embora não sejam estranhas à temática de Eugénio, são aqui apresentadas de um modo distinto - quase como se o autor se decidisse a não restringir mais algo que até então havi...

Boletim Letras 360º #56

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Para relembrar Rimbaud. Rimbaud na África. Um dia depois da maratona poética pelo Dia Nacional da Poesia, ainda há muita poeira de palavras esperando a leitura de nossos leitores. Há uma série de 18 poemas que está em votação para dar um título à escolha dos participantes aos três primeiros lugares. No domingo divulgaremos os nomes dos ganhadores. Fiquemos com as notícias que circularam durante a semana em nossa página no Facebook e outros adendos. Votem aqui . Segunda-feira, 10/03 >>> Brasil: Novo romance de Milan Kundera chega em agosto Desde 2002 que não é publicado do escritor nenhum título do gênero. O longo jejum terá seu fim. A Companhia das Letras publica em agosto A festa da insignificância . No novo romance do autor de A insustentável leveza do ser , Alain vagueia por Paris num dia de verão, se depara com a última moda (calça de cintura baixa e barriga à mostra) e reflete sobre como a sociedade contemporânea colocou o umbigo no centro do ...

Arthur Rimbaud - o protótipo do poeta maldito

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Por Andrés Hax Se alguém quisesse fazer um filme sobre a vida de Arthur Rimbaud devia por bem começar com duas grandes tomadas que serviriam como elementos básicos da narração, mas também como chaves simbólicas para ilustrar a glória e a tragédia do poeta francês que morreu em 1891 aos 37 anos e que deixou de escrever aos 20. Uma das tomadas seria com o poeta caminhando. Poderia-se filmar com a perspectiva desde o chão, a uns quatro metros atrás do caminhante, mostrando sua andança pelos pastos altos dos campos da França, Itália e Bélgica. E também pelas ruas pavimentadas de Paris e Londres da segunda metade do século XIX, acompanhado por seu mentor, amante e companheiro maldito, Paul Verlaine. A segunda seria da ponta da caneta de Rimbaud trazendo palavras sobre folhas em branco. Ali veríamos fazendo seus deveres de latim da escola primária – foi aluno exemplar do seu colégio provincial – e da redação de seus primeiros poemas imortais (é um dos poucos casos em que s...

Doze anos de escravidão, de Steve McQueen

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Por Pedro Fernandes O tema não é novo no cinema. E talvez não haja em meio algum nada de novo mesmo. O que se renova é o modo como os temas são tratados. No caso do filme de Steve McQueen, é a tentativa de dá continuidade em colocar sob a malha da história um fio muito saliente e silenciado pelos da situação nos Estados Unidos. Lá, mesmo tendo passado pela libertação dos escravos antes de colônias como o Brasil, o negro terá padecido de outros gestos de varredura para a margem da história muito mais graves e o Estado, alimentando-se de um ódio formado pela transformação no negro em qualquer coisa, deu parcelas volumosas para contribuição desse terror racista. Antes disso, a aprovação da liberdade aos negros, veio como produto de um conflito que dividiu o país. Recentemente, mesmo, outras produções cinematográficas trouxeram o tema da escravidão e do horror ao negro, bem como esse processo de libertação: estão entre eles, Lincoln , de Steven Spielberg e Django livre , ...