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Octavio Paz nas mãos da censura

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Octavio Paz aos 23 anos. Os funcionários da Direção Geral de Propaganda e da Direção Geral de Cultura Popular do Ministério de Informação e Turismo que se ocupavam de revisar (leia-se censurar) tudo o que era publicado na Espanha durante a Ditadura de Franco, aguçavam os olhares, sublinhavam, riscavam e, ao fim de sua leitura, respondiam ao mesmo formulário: “Ataca ao dogma? À moral? À Igreja ou aos seus Ministérios? Ao Regime e às suas instituições? Às pessoas que colaboram ou colaboraram com o Regime? As passagens censuráveis qualificam o conteúdo da obra?”. Um dos grandes afetados por aquelas perguntas foi o escritor mexicano Octavio Paz. Em julho de 1950, a companhia Editora e Distribuidora Hispano-americana S. A (EDHASA) solicitou a permissão para distribuir 200 exemplares de Liberdade sob palavra de Octavio Paz já publicado no México. O livro foi enviado a dois censores. O primeiro, Pedro de Lorenzo, disse em seu informe que em seis páginas havia “frases ou expressões...

Que fazer se encontram Cervantes?

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Se o maneta de Lepanto vivesse até ao Prêmio Cervantes o dariam a Lope de Vega. Assim diz o escritor Andrés Trapiello, entre a raiva e o desespero. Sabe que é uma predição pessimista, mas não pode agitá-lo quando lhe mencionam que estão buscando com afã os ossos do Príncipe das Letras na cripta do convento das Trinitárias de Madri ( ver ligações a esta post no fim do texto ). E o que fazemos com tão famosa ossatura, se a encontrarmos? “Apareça ou não, é evidente que este país não a merece”. No ano da graça de 1568, uma peleja violenta com espadas, muito ao gosto da época, deixa ferido, segundo alguns cervantistas, Antonio de Sigura, que era algo assim como o encarregado das obras do rei, e Felipe II dita um castigo de extrema severidade: que detenham Miguel de Cervantes, o condene a 10 anos de prisão e seja cortada sua mão direita. Saiu fugindo o perseguido até Itália, dizem algumas crônicas, escondeu-se entre os terços comandados por Juan de Áustria e, em vez da direita,...

Nós, os carentes

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Por Abraão Vitoriano Nós, os carentes, sofremos por basicamente tudo. Temos imunidade baixa: uma palavra sequer, mal colocada, é capaz de nos levar à enfermaria. Dormimos pouco. Falamos muito. Fazemos tempestade no balde de lágrimas. Nós, os carentes, carregamos uma montanha de pensamentos, do mais diversos e criativos. Alcançamos os picos da sentimentalidade, obsessão e dramaticidade. Utilizamos com destreza todas as figuras de estilo: hipérbole, antítese, metonímia, paradoxo, ironia e comparação, talvez esta a mais doída. Nós, os carentes, possuímos o gene da desconfiança, da “unha ruída”, da sensibilidade. Caso não liguem na hora marcada, arquitetamos um plano de morte, depois de imaginar as mil cenas de infidelidade, bebedeira, rejeição e chacota com a nossa imagem. De traumas ancestrais, temos um radar ligado e uma sirene nada discreta, que avisa à população terrestre qualquer desentendimento ou incompreensão entre o casal. Nós, os carentes, somos crianças c...

O músculo amargo do mundo, de Vera Lúcia de Oliveira

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Por Alexandre Bonafim Poesia descarnada, visceral, poesia desnuda em palavras agudas e precisas, é o que encontramos em O músculo amargo do mundo , novo livro de Vera Lúcia de Oliveira. Assim como em obras anteriores, podemos vislumbrar, nesse volume, uma fecunda lucidez ante a realidade atroz do homem pós-moderno, enclausurado na solidão e em um mundo dessacralizado, universo deserto de deuses e ética. Em seu novo livro, a escritura da autora torna-se um canto de denúncia, um canto de resistência em tempos em que as utopias se pretendem mortas ou quase mortas. Poeta sensível à condição humana no que ela tem de amargo e terrível, no que ela tem de sensível e belo, Vera enfrenta, pelo seu lirismo cru e muitas vezes áspero, a árdua condição mortal do homem. Todavia, para a escritora, não é somente a morte em si um tema capital de sua escrita. Sua reflexão sobre a existência vai além de tal temática, atingindo-a, porém, pelo cerne. Para ela, o que lhe importa é o fe...

Boletim Letras 360º #104

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Fernando Pessoa e suas opiniões políticas. Livro reúne textos inéditos do poeta português e sua visão sobre o fascismo e a ditadura militar. Como atravessaremos os dias carregados de zum-zum do Carnaval? Sempre cuidamos de uma programação temática nas redes sociais; pode ser que em 2015 também isso aconteça. Mas, o bloco Loucos por Leitura já começou desde cedo a dizer que estamos distante da folia para foliar em casa. E, esses foliões que por aqui passam não podem ficar sem ler o nosso boletim depois da travessia – outra – a da primeira centena de postagens do gênero aqui no blog. Segunda-feira, 09/02 >>> Brasil: Novos títulos de Pepetela  Tem seu tempo que a Editora LeYa tem se dedicado a trazer para os leitores brasileiros a obra de Pepetela. Por aqui circulam títulos como A sul, o sombreiro , O planalto e a estepe , O tímido e as mulheres , entre outros. Em 2015, esse trabalho continua à pleno vapor. Chega por esses dias nas livrarias Lueji, o nasc...

Querido Diário

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Por Rafael Kafka Não sei ao certo por onde começar esse texto. Eu quero falar de liberdade hoje. Não sei se escrevo de uma forma mais poética ou de uma forma mais presa a algum contexto político que tem me incomodado demais. Mas algumas cenas me vêm à mente e dizem que devem ser comunicadas hoje na forma dessa crônica que, provavelmente, irá descambar consideravelmente para a prosa poética. Uma cena que me vem à mente na verdade é uma frase que ouvi de Chico Anysio em um vídeo gravado com entrevista dele. Nessa entrevista, ele dizia não ter medo de morrer. E sim pena. Quando ouvi aquilo, eu estava provavelmente afundado no tédio existencial que me acometia com frequência pelos tempos em que ele faleceu, porém tal frase mexeu comigo e desde então penso sempre em uma outra cena a qual não me deixa um dia sem sua visita. Algumas vezes, tal visita demora mais, outras vezes ela é rápida, mas sempre impactante. Em tal cena, eu me imagino em meu leito de morte, lúcido, cons...