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Alegorias dramáticas do herói romântico (Parte 2)

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Por Leonardo de Magalhaens ©  John Martin. Manfred e a bruxa Alpine. 1837. O Eu-lírico é um ser feito de contemplação – diante da Roma manchada de sangue, respingado sobre colunas, colunatas, arcos do triunfo, arenas, onde morriam os escravos, os gladiadores, os mártires cristãos – numa perspectiva em que a História é um processo de vitórias e derrotas, alternadas e em série, e repetidos, There is the moral of all human tales: 'Tis but the same rehearsal of the past, First Freedom, and then Glory--when that fails, Wealth, vice, corruption--barbarism at last. And History, with all her volumes vast, Hath but ONE page, (“Eis a moral de todos os relatos humanos; / É nada além do mesmo ensaio do passado, / Primeiro Liberdade e então Glória – quando aquela falha, / Riqueza, vício, corrupção, - enfim, barbárie. / E a História, com seus volumes vastos, / Tem nada além de UMA página, [...]” CVIII) São as obras humanas que se esforçam para resistir ao Tempo – que sobra ...

Birdman ou as dinâmicas da aceitação

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Por Cesar Kiraly Não é fácil aceitar uma piada. Uma piada, para ter que ser aceita, precisa fazer doer. Se não dói é porque não convocou, então a sua presença é indiferente. Há o piadista inofensivo, cujas graças não costumam passar pela aceitação de ninguém. Este opera por intervenções, aclara um sentido, força um trocadilho, e, como todos, tudo o que ele quer é ser aceito. Mas qual a diferença entre este e aquele, cuja piada é difícil de aceitar? Ora, este que quer apenas ser aceito, pouco se importa com a piada, tudo o que ele quer, bem, é ser aceito; se fosse uma negociação, mediante o recebimento da aceitação que deseja, ele prontamente largaria a piada. O outro não, e este é que é o problema, posto querer ser aceito com a piada. Ele quer ser aceito, a piada é parte de quem ele é, e, numa negociação, não sairá vivo, se tiver que largá-la. Pode-se dizer mais sobre o inofensivo, mas o deixemos de lado. Não é fácil aceitar uma piada. No caso por nós escolhido para de...

Octavio Paz nas mãos da censura

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Octavio Paz aos 23 anos. Os funcionários da Direção Geral de Propaganda e da Direção Geral de Cultura Popular do Ministério de Informação e Turismo que se ocupavam de revisar (leia-se censurar) tudo o que era publicado na Espanha durante a Ditadura de Franco, aguçavam os olhares, sublinhavam, riscavam e, ao fim de sua leitura, respondiam ao mesmo formulário: “Ataca ao dogma? À moral? À Igreja ou aos seus Ministérios? Ao Regime e às suas instituições? Às pessoas que colaboram ou colaboraram com o Regime? As passagens censuráveis qualificam o conteúdo da obra?”. Um dos grandes afetados por aquelas perguntas foi o escritor mexicano Octavio Paz. Em julho de 1950, a companhia Editora e Distribuidora Hispano-americana S. A (EDHASA) solicitou a permissão para distribuir 200 exemplares de Liberdade sob palavra de Octavio Paz já publicado no México. O livro foi enviado a dois censores. O primeiro, Pedro de Lorenzo, disse em seu informe que em seis páginas havia “frases ou expressões...

Que fazer se encontram Cervantes?

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Se o maneta de Lepanto vivesse até ao Prêmio Cervantes o dariam a Lope de Vega. Assim diz o escritor Andrés Trapiello, entre a raiva e o desespero. Sabe que é uma predição pessimista, mas não pode agitá-lo quando lhe mencionam que estão buscando com afã os ossos do Príncipe das Letras na cripta do convento das Trinitárias de Madri ( ver ligações a esta post no fim do texto ). E o que fazemos com tão famosa ossatura, se a encontrarmos? “Apareça ou não, é evidente que este país não a merece”. No ano da graça de 1568, uma peleja violenta com espadas, muito ao gosto da época, deixa ferido, segundo alguns cervantistas, Antonio de Sigura, que era algo assim como o encarregado das obras do rei, e Felipe II dita um castigo de extrema severidade: que detenham Miguel de Cervantes, o condene a 10 anos de prisão e seja cortada sua mão direita. Saiu fugindo o perseguido até Itália, dizem algumas crônicas, escondeu-se entre os terços comandados por Juan de Áustria e, em vez da direita,...

Nós, os carentes

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Por Abraão Vitoriano Nós, os carentes, sofremos por basicamente tudo. Temos imunidade baixa: uma palavra sequer, mal colocada, é capaz de nos levar à enfermaria. Dormimos pouco. Falamos muito. Fazemos tempestade no balde de lágrimas. Nós, os carentes, carregamos uma montanha de pensamentos, do mais diversos e criativos. Alcançamos os picos da sentimentalidade, obsessão e dramaticidade. Utilizamos com destreza todas as figuras de estilo: hipérbole, antítese, metonímia, paradoxo, ironia e comparação, talvez esta a mais doída. Nós, os carentes, possuímos o gene da desconfiança, da “unha ruída”, da sensibilidade. Caso não liguem na hora marcada, arquitetamos um plano de morte, depois de imaginar as mil cenas de infidelidade, bebedeira, rejeição e chacota com a nossa imagem. De traumas ancestrais, temos um radar ligado e uma sirene nada discreta, que avisa à população terrestre qualquer desentendimento ou incompreensão entre o casal. Nós, os carentes, somos crianças c...

O músculo amargo do mundo, de Vera Lúcia de Oliveira

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Por Alexandre Bonafim Poesia descarnada, visceral, poesia desnuda em palavras agudas e precisas, é o que encontramos em O músculo amargo do mundo , novo livro de Vera Lúcia de Oliveira. Assim como em obras anteriores, podemos vislumbrar, nesse volume, uma fecunda lucidez ante a realidade atroz do homem pós-moderno, enclausurado na solidão e em um mundo dessacralizado, universo deserto de deuses e ética. Em seu novo livro, a escritura da autora torna-se um canto de denúncia, um canto de resistência em tempos em que as utopias se pretendem mortas ou quase mortas. Poeta sensível à condição humana no que ela tem de amargo e terrível, no que ela tem de sensível e belo, Vera enfrenta, pelo seu lirismo cru e muitas vezes áspero, a árdua condição mortal do homem. Todavia, para a escritora, não é somente a morte em si um tema capital de sua escrita. Sua reflexão sobre a existência vai além de tal temática, atingindo-a, porém, pelo cerne. Para ela, o que lhe importa é o fe...