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Revisitando histórias bíblicas: Caim, de José Saramago

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Por Cláudio Capuano   "A história dos homens é a história dos seus desentendimentos com deus, nem ele nos entende a nós, nem nós o entendemos a ele". "Caim é o que odeia deus". Saramago, Caim Após dezessete anos da publicação de  O Evangelho segundo Jesus Cristo , o  escritor português José Saramago retomou um tema criado a partir do evangelho:  Caim . Publicado no segundo semestre de 2009, o livro é um romance, no qual, por meio da figura do primeiro filho do primeiro casal humano, somos confrontados não só com o tema, mas também com os posicionamentos em relação aos preceitos religiosos de base judaica do nosso prêmio Nobel de 1998. A leitura de  Caim  é fluida, agradável, instigante. Nela nos deparamos com uma história, cujo princípio coincide com início da Bíblia. Nos dois primeiros capítulos, ali estão Adão e Eva às voltas com a incipiência do existir. Ganham a fala, comem do fruto proibido, perdem o direito de es...

Roth libertado, de Claudia Roth Pierpont

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Por Anna Caballé Sempre foi dito que Jonathan Swift, talvez o mais importante escritor em língua inglesa de seu tempo (com a licença de James Boswell), foi um escritor que unia à sua grande inteligência uma absoluta incapacidade para a ilusão. Um oculto desespero o levava ser crítico de todos os valores dominantes a fim de ameaçar as próprias raízes da existência humana como faz em As viagens de Gulliver . E agradeço a autora de Roth libertado . O escritor e seus livros , Claudia Roth Pierpont, que sugere as relações apreciáveis quanto ao talento e a sensibilidade dos dois romancistas. Porque, de fato, mesmo com séculos de distância, os dois têm relações em comum: recorrem à sátira como principal instrumento de sua literatura, e há também neles o desejo de renovar a prosa de seu tempo, dotando-a de uma nova e pulsante vitalidade. E não só isso: os dois se caracterizam por um componente obsessivo e amargo de sua personalidade que ocasionalmente o conduzem ao lugar da depres...

Graça infinita, de David Foster Wallace

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Por Pablo Guzman Serei honesto por um momento e reconhecerei que não sou capaz de resenhar este livro. Inclusive irei mais além da honestidade e direi que, no mundo, há pouquíssima gente com a capacidade de fazê-lo. É uma obra monumental, estranha, densa e complicada; foi escrita por um autor monumental, estranho, denso e complicado. Por isso, me limitarei aqui a esvaziar de minha mente tudo o que possa recordar sobre esta experiência de leitura, com o objetivo de ordenar meus pensamentos e elucidar certas questões. “Yes, I’m paranoide – buit am I paranoid enough?” Recordo que, quando findei O leilão do lote 49 , fiquei quase fechado em meu quarto. Havia chegado do instituto e faltavam cinquenta páginas para terminar e queria acabá-las com tranquilidade. Na minha mente se guardavam teorias e conspirações. Pynchon é um autor único, compreendi imediatamente. Inclusive recordo haver estado numa aula, nesse mesmo dia, e haver feito um pequeno diagrama para ordenar o qu...

Alegorias dramáticas do herói romântico (Parte 3)

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Por Leonardo de Magalhaens © Eugènie Delacroix.  O prisioneiro de Chillon  O lado menos sombrio – ou o mais idealista ou satírico  –  do poeta romântico Com o amadurecimento do Poeta – de byroniano a anti-byroniano – enquanto arquiteto e demolidor da imagem romântica do herói, destaca-se as obras em que se evidenciam a pregação da Liberdade (como é o caso de Chillon ) ou a visão satírica das aventuras de um romantizado Don Juan, aquele mesmo das tantas narrativas ibéricas (vide o Don Juan , de Molière e o Don Juan Tenório , de José Zorrilla) Da mesma época de Manfred  temos o belo poema “O Prisioneiro de Chillon” (1816), a tratar da ânsia de liberdade e da necessária luta contra as tiranias. O poema abre com um belíssimo soneto, que traduzo, Eternal Spirit of the chainless Mind! Brightest in dungeons, Liberty! thou art, For there thy habitation is the heart - The heart which love of thee alone can bind; And when thy sons to f...

Boletim Letras 360º #106

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No cruzamento de um fim de semana com o de um fim de mês chega on-line mais uma edição do Boletim Letras 360º. Aqui, as notícias que correram a semana na página do blog no Facebook. Entre as novidades, chamamos atenção para o burburinho que se formou no universo da literatura da semana anterior para agora: seria um texto encontrado de Arthur Conan Doyle? Primeiro, todos disseram que sim, mas, depois, bem depois, as coisas mudaram de figura. Saiba mais ao longo deste boletim.  Elementar, meu caro Watson! Abre-se em torno da obra de Arthur Conan Doyle uma série de especulações sobre um possível conto desaparecido há um século.  Segunda-feira, 23/02 >>> Rússia: Lembram que em 2014 publicamos aqui sobre a tarefa de ler integralmente Anna Kariênina  on-line? Pois o projeto foi parar no Guiness Book O Livro dos Recordes registra o projeto de leitura on-line do romance de Liev Tolstói com "o de maior audiência numa maratona de leitura pela internet"...

O tornar-se pessoa de Violette Leduc

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Por Rafael Kafka Nas cartas de amor escritas a Nelson Algren, Simone cita uma “amiga feia”, apaixonada por ela, de comportamento neurótico e com sérias crises existenciais, tendo apenas como motivo para sobreviver a literatura à qual se entrega como um grande descarrego de sua consciência perturbada. Os encontros das duas eram frequentes, pelo menos uma vez por mês, e Simone se desesperava demais por não poder corresponder àquele sentimento, imaginando que a qualquer momento a amiga viria a cometer suicídio. Vendo o filme Violette de Martin Provost, lançado em 2013, consegui perceber que a tal amiga feia seria Violette Leduc, uma escritora cuja cinebiografia é narrada de forma primorosa com atuação de Emanuelle Devos no papel de Violette. A história do filme começa nos anos finais da Segunda Guerra Mundial, mostrando Violette em um casamento arranjado com um escritor homossexual que se utilizou da tão comum manobra na época para fugir das obrigações militares. Aband...