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Palavras cansadas da gramática, de Yao Feng (Parte II)

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Por Pedro Belo Clara O segundo volume da obra que temos vindo a discutir encerra um carácter, a nível temático, que se adivinha como “antologia de viagens”, na medida em que muitos poemas se debruçam sobre terras estrangeiras ou registam episódios das ditas deambulações, salpicados de fragmentos meditativos ou de índole contemplativa. É o caso, por exemplo, dos poemas "Amsterdan" («A reputada cidade do sexo»), "Passagem pelo Planalto Central" («O milho (…) // ri para mim / com a boca aberta / dentes todos amarelos / mas não de ouro») e "Viagem", que pela própria epígrafe não poderia ser mais explícito («Todos os dias o pôr do Sol é um aborto / e o relógio tem em si a suficiência do tempo»). Sublinhemos, contudo, como o habitual carácter reflexivo de certos poemas, ou das imagens evocadas / registadas pelos mesmos, abrange com maior frequência a natural passagem do tempo, em parte fomentadora da ruína do Homem. Já antes, no primeiro volume, s...

Boletim Letras 360º #107

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Durante a semana que antecede o Dia Nacional da Poesia – celebrado no próximo dia 14 de março – estivemos na lembrança de algumas ações já desenvolvidas no intuito de espalhar, para adiante, a poesia. Depois do Facebook, por exemplo, já realizamos um Sarau Virtual (2014) (você pode acessar a ideia aqui ); uma celebração à poesia escrita por mulheres num evento chamado "Porque a poesia é fêmea" (2013) (você pode acessar o álbum de poemas aqui ). E sempre publicamos poesia independente de qual seja o dia (tem um álbum lindo aqui ).   E antes, muito antes do Facebook se consolidar como rede social principal que utilizávamos para atividades dessa natureza: já cultivávamos esse bom hábito em terras já agora inexistentes do Orkut, por exemplo, e antes do Orkut, aqui mesmo no blog (não devemos esquecer que foi daqui que criamos um espaço chamado versos à boca da noite , numa menção a um poema de Carlos Drummond de Andrade, e que serviu depois para uma coluna atuante ainda no blog d...

Nelson Rodrigues e A vida como ela é

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Nelson Rodrigues pode ser designado como um famoso dramaturgo, cronista, jornalista, romancista – encoberto sob o pseudônimo feminino de Suzana Flag –, polígrafo, moderado pornógrafo e amante do futebol. Tantos depois, o mundo segue redescobrindo sua obra enquanto no seu país ainda segue como um desconhecido de leitura necessária; A vida como ela é , por exemplo, foi traduzida pela primeira vez para o espanhol agora em 2015. Obra significativa (para não dizer a mais significativa) de Nelson.  Retrata os hábitos amorosos da sociedade carioca dividida em duas classes sociais distintas: há peças que tomam como foco os mais abastados; outras, os marginais, aqueles sequer podem alimentar seus filhos. Mas, em grande parte, Nelson foi um observador contumaz da classe média; em A vida como ela é  mesmo, a maioria das vezes o centro de atenção se situa aí. E outro detalhes: há, sobretudo, um trânsito fluente entre classes – como foi representado pela literatura des...

Revisitando histórias bíblicas: Caim, de José Saramago

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Por Cláudio Capuano   "A história dos homens é a história dos seus desentendimentos com deus, nem ele nos entende a nós, nem nós o entendemos a ele". "Caim é o que odeia deus". Saramago, Caim Após dezessete anos da publicação de  O Evangelho segundo Jesus Cristo , o  escritor português José Saramago retomou um tema criado a partir do evangelho:  Caim . Publicado no segundo semestre de 2009, o livro é um romance, no qual, por meio da figura do primeiro filho do primeiro casal humano, somos confrontados não só com o tema, mas também com os posicionamentos em relação aos preceitos religiosos de base judaica do nosso prêmio Nobel de 1998. A leitura de  Caim  é fluida, agradável, instigante. Nela nos deparamos com uma história, cujo princípio coincide com início da Bíblia. Nos dois primeiros capítulos, ali estão Adão e Eva às voltas com a incipiência do existir. Ganham a fala, comem do fruto proibido, perdem o direito de es...

Roth libertado, de Claudia Roth Pierpont

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Por Anna Caballé Sempre foi dito que Jonathan Swift, talvez o mais importante escritor em língua inglesa de seu tempo (com a licença de James Boswell), foi um escritor que unia à sua grande inteligência uma absoluta incapacidade para a ilusão. Um oculto desespero o levava ser crítico de todos os valores dominantes a fim de ameaçar as próprias raízes da existência humana como faz em As viagens de Gulliver . E agradeço a autora de Roth libertado . O escritor e seus livros , Claudia Roth Pierpont, que sugere as relações apreciáveis quanto ao talento e a sensibilidade dos dois romancistas. Porque, de fato, mesmo com séculos de distância, os dois têm relações em comum: recorrem à sátira como principal instrumento de sua literatura, e há também neles o desejo de renovar a prosa de seu tempo, dotando-a de uma nova e pulsante vitalidade. E não só isso: os dois se caracterizam por um componente obsessivo e amargo de sua personalidade que ocasionalmente o conduzem ao lugar da depres...

Graça infinita, de David Foster Wallace

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Por Pablo Guzman Serei honesto por um momento e reconhecerei que não sou capaz de resenhar este livro. Inclusive irei mais além da honestidade e direi que, no mundo, há pouquíssima gente com a capacidade de fazê-lo. É uma obra monumental, estranha, densa e complicada; foi escrita por um autor monumental, estranho, denso e complicado. Por isso, me limitarei aqui a esvaziar de minha mente tudo o que possa recordar sobre esta experiência de leitura, com o objetivo de ordenar meus pensamentos e elucidar certas questões. “Yes, I’m paranoide – buit am I paranoid enough?” Recordo que, quando findei O leilão do lote 49 , fiquei quase fechado em meu quarto. Havia chegado do instituto e faltavam cinquenta páginas para terminar e queria acabá-las com tranquilidade. Na minha mente se guardavam teorias e conspirações. Pynchon é um autor único, compreendi imediatamente. Inclusive recordo haver estado numa aula, nesse mesmo dia, e haver feito um pequeno diagrama para ordenar o qu...