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O meu memorial do convento

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Por Pedro Fernandes Agora já é tarde para responder. Sempre que me deparo com uma grande construção ou mesmo determinadas engenhosidades do dia-a-dia me pergunto sobre o esforço que terá levado a invenção ou quantas pessoas terão sido necessárias para dar forma à ideia que algum dia alguém teve. E a questão que inicialmente respondo é, qual terá sido o momento da minha vida quando desenvolvi essa curiosidade historiográfica (posso assim determiná-la), se desde sempre ou se depois de entrar em contato com obras como Memorial do convento . Dessas duas possibilidades respondo que já é tarde para responder. Embora eu acredite que a literatura tenha me despertado determinadas compreensões sobre o mundo, acredito também em casos como a leitura do Memorial , é que essa obra de José Saramago só terá causado o impacto que casou em mim por uma razão, a de que, essa coisa de saber o porquê de determinadas existências já tinha feito seu lugar em mim. E talvez tenha sido ela o que se r...

Um tesouro chamado Yasunari Kawabata

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Por Emma Rodríguez Voltar a determinados livros, a determinados autores; recuperar o som de suas vozes familiares, o pulso de suas correntezas, é como iniciar um reencontro com nós mesmos, com circunstâncias, situações, momentos presos no passado. Posso relembrar, se faço um pequeno exercício de memória, os lugares onde estive lendo muito dos romances, dos contos de Yasunari Kawabata (Osaka, 1899). Ao tirar os livros da estante e passear por suas capas recupero de algum modo os estados de alma, os vaivéns existenciais que me acompanharam enquanto ia mergulhando – já vai um longo caminho – nas vidas de suas personagens. Dizer que é um dos meus autores favoritos é pouco. Kawabata ocupa um lugar muito especial, é um autêntico tesouro para mim, um espaço de sossego, de contemplação, de atenção, mas também uma porta aberta à perplexidade, à fascinação, ao deslumbramento, ao perturbador alento do mais secreto. Posso andar metida em outros universos narrativos igualmente atra...

Submissão, de Michel Houellebecq

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Por Carlos Zanón No início parece as trombetas de Jericó. Mas no final são só violinos desafinados tocando ao pé do ouvido. Discussão midiática, livro, entrevista, tocata e fuga: um bom suflê . Para alguns, ao ponto. Para outros, demasiadamente amargo. Banal, polêmico, fútil, lúcido ou valente. E de uma forma ou de outra  todos falam e muitos compram. Descobrem que dentro do suflê há um livro e dentro do livro um autor com mais ingredientes de escritor do que aparenta. Houellebecq é como escreve. Você ama ou odeia. Sem seu talento, faro e essa artesanal e personalíssima maneira de urdir sua mecânica intelectual de tese, ficção, autobiografia, piada, sexo mecanizado, suicídio roudinesco e niilismo hedonista, Houellebecq não haveria aguentado nem o primeiro round do combate. Mas segue. Marcando o passo. Gerando debate porque, na sua maneira de expor o feio e não ceder à tentação literária de criar beleza do lixo, nos enfrenta com algo mais doloroso que a nossa p...

Boletim Letras 360º #114

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A semana finda com os leitores escrevendo para nos dizer que já receberam os livros que foram sorteados durante o Mês da Poesia (oito no total) enquanto realizamos mais um sorteio (um Kit “Dois irmãos”, a HQ e o romance) que já foi despachado e abrimos a participação em outra atividade do tipo; para marcar os 20 anos da publicação de Ensaio sobre a cegueira vamos sortear um leitor que ganhará também um Kit (o romance e o filme). Enfim, seguimos mobilizando pessoas em torno da leitura e do livro. Nessa movimentação toda restou espaço para divulgar uma série de notícias interessantes sobre o universo literário que você confere logo abaixo: Segunda-feira, 20/04 >>> Brasil: Novo título de Italo Calvino Os leitores do escritor já acompanham há algum tempo o tratamento que a Companhia das Letras dedica à sua obra. Nos últimos anos nos aproximamos de títulos como Coleção de areia , Eremita em Paris , Fábulas italianas , Palomar , Todas as cosmicômicas . E agora Mu...

O perigo das ideias prontas

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Por Rafael Kafka  Um dia, eu estava em um ônibus voltando para casa conversando com uma colega de trabalho. Não lembro ao certo o tema de nosso embate de ideias, mas lembro que girava em torno do comportamento de homens e mulheres, um tópico bastante comum para eu me meter em pequenas querelas.  Em dado momento, a pessoa se vira para mim e diz que não respeito sua opinião. Respondo em defesa que apenas ouvi sua visão e a questionei com a minha, ao que ela retruca que isso é justamente não respeitar a visão do outro! A cena em si parece banal, mas se repete bastante em minha vida. É muito comum eu ouvir pessoas dizerem que eu quero ser, sozinho, o dono da verdade; que eu quero questionar tudo e por qualquer motivo quero entrar em um debate filosófico. O que talvez seja verdade. Mas sinceramente, não vejo grande problema nisso. Claro que nem sempre estamos dispostos a discutir temas banais de forma profunda, contudo a resposta de que o outro não respeita nosso pon...

Cervantes e Shakespeare não morreram num mesmo dia

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O Dia Internacional do Livro é comemorado no dia 23 de abril porque nesse dia, em 1616, morreram os dois maiores escritores da literatura universal: Miguel de Cervantes e William Shakespeare. Mas essa coincidência é tão errônea como a maioria das teorias sobre os paralelismos entre as suas vidas e obras. Muitos especialistas ao longo da história têm comparado e encontrado semelhanças entre Dom Quixote e Hamlet ou  Rei Lear , entre Sancho e Falstaff, na duvidosa mescla de gêneros que os dois gênios se utilizaram ou simplesmente em sua contemporaneidade de vida e de morte. Mas, na verdade, as semelhanças entre eles são escassas. Muito escassas. O erro mais difundido é, certamente, o da data de morte dos dois autores. Toda a web  está repleta dele, de ponta a ponta. E, claro, a própria razão para a data celebrada no dia 23 de abril reforça o tom verídico da mentira. Sempre foi sustentado que os dois morreram num 23 de abril, em 1616, mas, nem um nem outro morr...