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Um outro amor, de Karl Ove Knausgård

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Por Pedro Fernandes “Pela primeira vez em toda a minha vida me senti totalmente feliz. Pela primeira vez em toda a minha vida não havia nada que pudesse obscurecer a alegria que eu sentia. Estávamos juntos o tempo inteiro, nos abraçávamos de repente onde quer que fosse, nos semáforos, por cima das mesas dos restaurantes, nos ônibus, nos parques, não havia nenhuma exigência e nenhuma vontade que não fosse a presença do outro. Eu me sentia totalmente livre, mas apenas quando estava com ela, no instante em que nos separávamos eu começava a sentir saudade. Era estranho, aquelas forças eram muito intensas e muito boas.” O trecho sublinhado está longe de ser o melhor do segundo volume da série Minha Luta, do norueguês Karl Ove Knausgård, mas é, possivelmente o que reúne as condições para justificar o título, ao menos na edição brasileira ( Um outro amor ) e para justificar o paradoxo que tem sido para um leitor que tem tentado envolver-se com uma literatura de cunho mais pro...

Boletim Letras 360º #116

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Cinco dias depois de lançada a pergunta, “qual o seu livro favorito de Agatha Christie”, sorteamos uma edição belíssima da Rainha do Crime, “E não sobrou nenhum”, publicada pela nossa antiga parceira Globo Livros. Ficamos de anunciar para breve mais uma promoção: a enfim com a parceria da página Dicas de Leitura. Ainda não criamos o concurso, mas já sabemos qual livro iremos sortear. No boletim passado deixamos a curiosidade ser resolvida num comentário que a Dicas de Leitura fez numa postagem em nossa página no Facebook. Hoje, revelamos: será a “Antologia poética” de Mário Quintana que será publicada por esses dias pela Alfaguara Brasil. Nós já sorteamos certa vez livros do poeta, mas este será especial, podem ter certeza? A noite estrelada é uma das pinturas mais conhecidas de Van Gogh. Nos 125 anos sem pintor, a Holanda reinventa as formas de apresentá-lo ao público. Conheça uma dessas reinvenções ao longo deste boletim.  Segunda-feira, 04/05 >>> Colômb...

A festa do bode, de Mario Vargas Llosa

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Por Rafael Kafka  A festa do bode é o terceiro livro de Mario Vargas Llosa que leio e o primeiro sobre o qual me decido a escrever. Já lera dele Conversa na catedral e A casa verde e mesmo tendo sido profundamente tocado pelos dois grandes romances, em especial o primeiro, não tive coragem de escrever sobre ambos. O motivo era simples: a grandiosidade do gênio literário que Llosa se mostrou me assombrou. Os enredos das duas obras acima citadas utilizam-se de um processo de construção muito complicado e cheio de artimanhas para prender o leitor. Tendo como mote uma conversa em um bar e uma antiga casa de prostituição, o Prêmio Nobel de 2010 constrói uma série de histórias que se entrelaçam, se cruzam e se remexem numa espécie de quebra-cabeça vivo. São dois ou três focos narrativos contados simultaneamente em tempos diferentes, com recuos e avanços constantes no tempo transformando a ação em algo vertiginoso e multifacetado. Como se não bastasse isso, os temas es...

Praia do futuro, de Karim Aïnouz

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Por Pedro Fernandes Há muito que já não faz mais sentido a expressão: o cinema brasileiro não presta. Talvez o que nos falte é justamente descobrir as boas investidas no gênero, afinal, os grandes conglomerados cinematográficos estão muito presos ao tipo comercial, aquele que tem cobertura pela grande mídia e que às vezes a única aposta feita é a de tentar arrancar à força um riso do espectador com a falsa ideia de ser uma peça de humor. Aquilo que circula no grande circuito é, de fato, muito ruim, com raras exceções.   Aïnouz é nascido em Fortaleza e tem no currículo produções fabulosas como Madame Satã (2002), O céu de Suely (2006) e agora Praia do futuro (2014), uma narrativa que se desenvolve entre Brasil e Alemanha. Nos dois últimos títulos, o cineasta aposta na história simples, sem efeitos mirabolantes; aposta na força da forma de contar e do registro fotográfico. E consegue. Logo, alcança a essência da arte cinematográfica. O filme que teve est...

Os quadros escritos de Alessandro Baricco

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Por Alfredo Monte 1 O personagem-título de Mr. Gwyn (2011), de Alessandro Baricco, desaparece a certa altura do relato— mais precisamente no capítulo 57 (num total de 68). Logo no início, ele anunciara sua decisão de não mais escrever ou publicar livros. A seguir, não podendo desembaraçar-se de uma vida dedicada às palavras, inventara uma prática inusitada: observando uma pessoa, como um “quadro vivo”, num cenário totalmente controlado, comprometia-se a entregar a ela (e tão somente a ela, sem publicidade) o resultado verbal dessa contemplação («Era como fazer-lhes uma mesa, ou lavar-lhes o carro. Um ofício. Escreveria o que eram, só isso»). Por exemplo, com Rebecca, seu “modelo” primordial: «...qualquer coisa que tivesse imaginado e notado dela, antes de entrar naquele estúdio, se dissolvera completamente, ou não existira nunca. Assim como não lhe parecia que o tempo passasse, lá dentro, mas sim que se desenrolasse um só instante, sempre idêntico a si mesmo» 1 . ...

A biblioteca pessoal de Jorge Luis Borges

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Há quem se orgulhe dos livros que escreveu, eu me orgulho dos que li. A frase não com essas palavras, mas com esse sentido, é de Jorge Luis Borges. Sabedores que somos de que por trás de todo grande escritor vive um grande leitor, é impossível ser uma coisa sem ser a outra, sabemos também que o escritor argentino protagonizou muitos momentos de sua vida em que se demonstrou na figura que o antecede e na dedicação dada ao livro. Não é raro encontrarmos na web a expressão desse seu amor pelos livros. Penso que no paraíso como uma grande biblioteca. Terá dito, claro, não com essas palavras, mas com esse sentido noutra ocasião. E, partir de um texto de “Os livros que me fizeram escritor”, de J. M. Coetzee, que traduzimos uma vez para este blog , soubemos que Borges trabalhou na produção de algumas listas de leituras muito generosas, diga-se. Porque numa delas, a “Biblioteca de Babel”, criada em 1970 para um editor italiano, conta com 33 volumes de literatura fantástica. “Babel”...