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“Minha salvação é a literatura”. As cartas do jovem Roberto Bolaño

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O jovem Roberto Bolaño em Espanha, no final dos anos 1970. O leitor de Roberto Bolaño conhece Noturno do Chile , um denso monólogo construído de apenas dois parágrafos em que o narrador, o padre Sebastián Urrutia Lacroix, repassa de modo febril sua vida de poeta e crítico literário, procurando uma resposta às inquietações que o assaltam já próximo da morte.  Qualquer semelhança, sobretudo estética e atmosférica, entre este romance e a carta que o ainda adolescente Bolaño escreve à sua mãe na década de 1970, quando realiza uma de suas primeiras viagens sozinho, pelo interior do Chile, não será mera coincidência. Sim, saem da mesma cabeça, mas não só isso, a carta em questão foi escrita num dos momentos mais férteis de formação do imaginário literário de um escritor. Também o leitor encontrará essa necessidade de dizer tudo a um só fôlego na missiva em que descreve, abismado com tudo, sua trajetória fora de casa ou do círculo marsupial. A carta é apenas uma da série...

O quebranto das palavras com “a”: Diário da queda, de Michel Laub

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Por Alfredo Monte Michel Laub. Foto: Renato Parada I Em  Diário da queda , seu quinto romance, Michel Laub apresenta o narrador, seu pai e seu avô, entrelaçando-os numa tessitura que permite ao leitor envolver-se nas angústias e impasses de três gerações, quase num único movimento, ainda que a estrutura pareça dividi-los de forma estanque (temos seções intituladas: “Algumas coisas que  sei sobre o meu avô”; “Algumas coisas que sei sobre o meu pai”; “Algumas coisas que sei sobre mim”; mais adiante, “Mais algumas coisas que sei sobre o meu avô”; “Mais algumas coisas que sei sobre o meu pai”; “Mais algumas coisas que sei sobre mim”). Todos os três escrevem textos: o avô, dezesseis cadernos manuscritos, antes de suicidar-se (encontrado pelo filho, quando tinha catorze anos); o pai, aventurando-se a escrever suas memórias após receber um diagnóstico médico terrível da boca do seu próprio filho; e este, escritor por profissão, nosso ponto de...

Miller, Ibsen e o teatro da consciência

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Por Ignacio García May Em 1950, quando Arthur Miller começava a converter-se no dramaturgo de prestígio que mais tarde seria, estreou no Broadhust Theatre de Nova York uma adaptação de Um inimigo do povo , de Henrik Ibsen, com o grande Fredric March como protagonista. É este um dado relevante, porque se algum teatro parece haver exercido influência no autor estadunidense é precisamente o do norueguês. Sem dúvidas que há diferenças claras entre ambos: Ibsen, apesar de sua aparência de funcionário espalhafatoso era um poeta com uma veia selvagem, enquanto Miller respondia pelo arquétipo do intelectual judeu nova-iorquino, muito mais cerebral que apaixonado. No texto original, Stockmann, super-homem nietzschiano, clama: “A maioria está sempre equivocada!”, enquanto na versão de Miller a frase é: “A maioria nunca tem razão até que faça coisas boas!” Marcos Ordoñez chamou Miller uma vez de Miss Consciência Social 1940, o que fato é sua tendência ao permite que o conselho sup...

A história dentro da história: a filosofia, a poesia e os símbolos do fenômeno Guimarães Rosa

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Por Neiva Dutra Guimarães Rosa com um exemplar de Sagarana . Itamaraty, Rio de Janeiro, 1964. Foto: David Drew Zing. Arquivo do Instituto Moreira Salles O papel fundamental de Guimarães Rosa foi o de revolucionar a literatura, renovando a prosa regionalista e apresentando-a sobre uma ótica universal. Seus textos exigem um leitor atento e preparado para lidar com sua linguagem particular e sua narrativa cheia de digressões, fluxos de consciência e recursos poéticos. A ortografia própria, divergente em muitos pontos da gramática oficial, a invenção linguística que abrange o nível semântico (significado), o sintático (combinação) e o fonológico (som), que descobre associações imprevistas entre as palavras e reproduz ruídos da natureza ainda não registrados revelam uma inventividade e uma genialidade que configuram um estilo sem precedentes na literatura brasileira. João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo, no interior de Minas Gerais, em 27 de junho de 1908; "para ser...

Boletim Letras 360º #147

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Por aqui, começamos a arrumar a nossa lista de final de ano. E, claro, ainda trabalhamos no exercício de revisão de conteúdo do blog. Este parece que não terá fim; quanto a lista, sim, esta tem seu fim e deve vir a lume no último dia do ano, como tem sido costume. É, não somos nada apressadinhos; enquanto outros espaços já divulgaram as suas (vimos que algumas saíram desde novembro! Menos, não é gente, os dias se passam tão rápidos e ainda há quem queira matar o tempo antes do fim...), mas nós não temos essa necessidade. A única, por enquanto, é a de organizar as notícias da semana em nossa página no Facebook.  Liev Tolstói. O escritor e sua obra serão novamente lembrado numa iniciativa em torno de  Guerra e paz . Segunda-feira, 07/11 >>> Brasil: O centenário de Roald Dahl O autor de dezenas de obras que fazem sucesso entre as crianças, como Matilda  e A Fantástica Fábrica de Chocolate  será lembrado no Brasil em 2016 por seu centenário de nascim...

Maria Teresa Horta: as bodas de Eros e Psiquê

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Por Márcio de Lima Dantas Diferente de outras mulheres poetas que tematizaram o amor de uma maneira em que o erotismo apareceu mais ou menos explícito no conjunto de uma lírica, como Florbela Espanca, esquecida e difamada em seu tempo, a poeta portuguesa Maria Teresa Horta teve reconhecimento em vida, sendo considerada, hoje, como um do maiores expoentes, de todos os tempos da literatura escrita por mulheres. Detentora de uma lírica erótica lastreada em um requintado pudor, pois não faz uso de palavras chulas ou que beirem a vulgaridade, a poeta porta-se em toda a sua vasta obra como possuidora de um politicamente sensato, que não busca escandalizar. Mesmo porque lhe parece natural o fato de tratar com detalhes os signos vinculados ao estrato do erótico no corpo ou ao ato sexual mais propriamente explícito, em suas inúmeras possibilidades, assim como nominar as partes que dizem respeito à consecução, quando dos corpos buscando um ao outro com o objetivo de sentir e da...