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Polifonia e sectarismo em A Brincadeira

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Por Rafael Kafka A Brincadeira, de Milan Kundera, é um romance construído de forma bastante engenhosa e que se caracteriza por reunir alguns temas recorrentes na obra do escritor tcheco. Temos presentes neste romance os jogos de amor, as questões existenciais ligadas ao ego e à identidade e a crítica aos regimes totalitários de esquerda que encabeçados pela União Soviética dificultaram demais a vida dos habitantes do leste europeu. A história gira em torno de Ludvik, um homem que quando jovem pertenceu ao quadro Partido Comunista. Todavia, em dado momento, ele faz uma brincadeira de aparência inocente e fútil em uma carta enviada a uma antiga namorada. A peça consiste em citar uma frase de Trotski, inimigo mortal dos comunistas stalinistas, o que é descoberto por membros da comunidade acadêmica da qual Ludvik faz parte. Levado a juízo, é expulso do partido e tem o direito de seguir os estudos negado, tornando-se uma espécie de pária na sociedade tcheca. O relato de L...

Shakespeare, o inesgotável

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Por Marcos Ordoñéz Peter Ackroyd, que escreveu uma vivaz (e volumosa) biografia sobre Shakespeare, o descreve metaforicamente como uma esponja que absorvia tudo o que estava ao seu alcance. Aprendeu das reações do público e dos atores, das histórias escritas há vários séculos (as célebres Crônicas de Inglaterra, Escócia e Irlanda , de Holinshed, publicadas em 1577, seu livro de cabeceira) e do que acabava de apresentar-se, os diálogos cortesões de John Lily e as tramas sangrentas e enlouquecidas de George Peele, e sobretudo, das exuberantes tragédias de Christopher Marlowe, seu primeiro ídolo.  “Ampliou e aprofundou enormemente seu léxico”, conta Ackroyd, “à medida que experimentava com as diversas formas da arte dramática. Estava em total sintonia com a linguagem que lhe rodeava – os poemas, as funções, os panfletos, os discursos, a fala das ruas – e devorou o que lhe apareceu pela frente. Talvez não tenha existido maior assimilador na história do teatro”.  ...

De mim já nem se lembra, de Luiz Ruffato

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Por Pedro Fernandes Há na literatura contemporânea uma diversidade de formas, estéticas, vozes e temas cuja natureza produz no leitor mais afeito à compreensão de que as obras estejam sempre tomadas por uma estética pura e simples, dotada de características determinadas se pergunte em qual escola poderíamos filiar este ou aquele escritor. Essa não é uma reflexão vazia; ela nasce de uma convenção formada naturalmente quando se estuda literatura no Ensino Médio, quando os professores muitas vezes reduzem a leitura ao deslindar de escolas literárias e esquecem ora do contínuo exercício de escritores (e mesmo outros leitores) contra a fixidez que um dia já serviu à definição das obras literárias. Também é isso um reflexo da presença e da força da história na sedimentação da compreensão sobre nossa realidade e o imperativo do didatismo com o qual tem-se reduzido as questões mais complexas. Essa diversidade muitas vezes é recorrente mesmo no conjunto da obra de um mesmo escr...

Miguel de Cervantes: uma vida de papel

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Por José Manuel Lucía Megías Miguel de Cervantes, de El Greco. Miguel de Cervantes, como a maioria dos escritores do Século de Ouro, tem criado uma personagem de si mesmo ao longo e à altura de sua obra. Duas imagens cervantinas valem mais que mil palavras. Em 27 de março de 1615, o funcionário Márquez Torres assina em Madri a aprovação que permite a publicação da segunda parte do Quixote . Depois de mil louvores, termina seu texto com uma anedota que dá conta de seu sucesso na Europa. Alguns cavaleiros franceses, ao escutar o nome de Miguel de Cervantes, "começaram a elogiar, encarecendo a estima em que, assim na França como nos reinos seus confinantes, se tinham suas obras: a Galateia , que algum deles tem quase de memória a primeira parte desta e as Novelas ".  E do êxito de suas obras a querer conhecer detalhes da vida do seu autor é só um passo. Ao perguntar-lhe sobre sua idade, profissão, quantidade e qualidade, Márquez se viu obrigado a dizer que era ...

Mario Vargas Llosa: vida e liberdade (parte 2)

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Por Enrique Krauze Mario Vargas Llosa com a prima Patricia Llosa com quem se casou depois do divórcio com Julia Urquidi A Revolução Cubana: ilusão e desencanto Quem não saudou com entusiasmo o triunfo desses valentes barbudos que lutavam contra a ditadura, enfrentaram o Império e abririam uma era de dignidade e independência para “Nuestra América?” No México não só a esquerda os aplaudiu mas um amplo espectro que cobria o centro liberal e a direita: de Daniel Cosío Villegas a Vasconcelos. Em 1958, Vargas Llosa havia escrito manifestos de apoio à Revolução, cujo triunfo o surpreendeu em Paris. Junto com uma centena de entusiastas saiu às ruas para as celebrações. Viu e viveu, por muito tempo, com uma história de libertação: “Cuba me parecia realmente uma forma renovada, mais moderna, mais também mais flexível e mais aberta, da revolução. Eu vivi isso como muitíssimo entusiasmo; além disso, considerando Cuba como um modelo que poderia ser seguido pela Améric...

Boletim Letras 360º #165

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Na primeira semana de maio, segundo anunciou a Editora Rocco, as livrarias brasileiras receberão a edição de Todos os contos , da Clarice Lispector. Organizada por Benjamin Moser, biógrafo da escritora, e sucesso de crítica e público no mundo estadunidense desde quando publicada em 2015, a antologia traz, pela primeira vez, os 85 contos - dos escritos no início da carreira aos últimos rabiscos. O blog colocou um exemplar à disposição dos leitores e sorteia no próximo dia 1º de maio. Para participar, basta acessar aqui . Contada a novidade, abaixo você tem as notícias da semana publicadas em nosso Facebook. Segunda-feira, 11/04 >>> Brasil: A coleção Otra Língua, revela a prosa breve e reflexiva do escritor peruano Julio Ramón Ribeyro Prosas apátridas , com tradução de Gustavo Pacheco, integra a coleção criada pela Editora Rocco para publicar autores da América Latina que são pouco ou não conhecidos dos leitores brasileiros. Findada em 1982, depois de...