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Boletim Letras 360º #172

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Raduan Nassar, o Prêmio Camões de 2016. Sempre que se reclamar que no Brasil não se lê, poderíamos mostrar o boletim que ora é publicado; não é sempre, mas nesta semana os lançamentos de extensa significação por editoras diversas são tantos que até mesmo um leitor mediano talvez não seja capaz de dar conta de todos eles no que ainda nos resta de 2016. E, se há publicação, imagina-se que há, mesmo pouco leitores. É evidente que não queremos negar nossa medíocre capacidade de leitores, mas só gostávamos de pensar a questão por outro ângulo. Talvez pela pergunta: e os leitores, o que fazem pelos não leitores? A proposta deste blog se consolida como uma alternativa nesse breu. Tanto que, enquanto alcançamos quase 31 mil amigos em nossa página no Facebook, ousamos, por conta própria reinvestir na aposta de agradar nossos leitores: há uma promoção que sorteia um kit com três livros da Lygia Fagundes Telles à escolha do vencedor. Saiba mais indo aqui . Mas antes não esqueça de ver o qu...

Passagem dos inocentes, de Dalcídio Jurandir

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Por Rafael Kafka Passagem dos inocentes é um romance de Dalcídio Jurandir marcado pelo signo da transição. O modo de narrar que caracterizou os primeiros livros do ciclo do extremo norte, com um ritmo mais fluido e suave, começa a dar lugar aqui aos fluxos de consciência e à temporalidade oscilante que dão ao texto um aspecto mais surrealista, angustiante e perturbador. Praticamente não temos um narrador nessa obra e a mesma se dá por meio das vozes de personagens que por meio do discurso indireto livre contam a história de como Alfredo chegou à passagem que dá nome ao romance, localizada no atual bairro da Umarizal, área nobre de Belém. Em Passagem... , Dalcídio mais uma vez foca nas desventuras de Alfredo, um garoto cheio de questionamentos existenciais e crises de identidade que veio para a capital do estado do Pará para estudar e subir na vida, sonho antigo de sua mãe, Amélia. Porém, o autor paraense como sempre consegue focar em outras histórias paralelas, evidencia...

Manhattan Transfer, de John Dos Passos

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Por José María Guelbenzu Manhattan Transfer , de John Dos Passos, foi publicado em 1925. É um dos grandiosos romances da grande década da criação literária e, como terá lembrado anos depois seu autor, um exercício que teve como inspiração – sobretudo quanto à técnica narrativa – o Ulysses , de James Joyce e The Waste Land , de T. S. Eliot, além dos experimentalismos com colagem no cinema do diretor russo Sergei Eisenstein. A grandiosidade da obra reside ainda na importante repercussão nos meios literários e entre os leitores mais importantes de seu tempo. No fim, se tratava de um romance social que apresentava algumas características mais audaciosas e inovações quanto à criação que fascinaram os leitores e escritores acostumados e obrigados às formas mais antigas da narrativa. Manhattan Transfer era um exemplo vivo de um novo modo de narrar e, por conseguinte, um verdadeiro guia para todos aqueles que tratava de enfrentar a triste e medíocre realidade circundante de um ...

Uma lista de leituras a partir da biblioteca de Julio Cortázar

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Julio Cortázar em sua biblioteca em Paris, 1975 Uma espécie de anfíbio. Ou talvez um duende que toma forma de um literato importante. Poucos sabem com certeza o que é um cronópio e, ao mesmo tempo, todos sabemos a quem se refere a palavra: esta estranha conjugação de entendimento e incerteza só foi possível na obra de Julio Cortázar, tão experimental até nossos dias num grau superlativo de desafio e performance para o leitor. Não há descrição física destes seres; a única coisa que sabe é que são verdes e voláteis, um tanto sensíveis e idealistas, beirando ao ingênuo e que protagonizam uma série de contos reunidos no livro Histórias de cronópios e famas . Por que isso vem em conta? Sensivelmente como um exemplo desse mundo cortazariano que o autor foi capaz de criar e mesclar com o que há de comum na terra e nós mortais o experimentamos. Como uma mostra de criatividade frente a algo que tem demandado um estudo profundo da crítica interessada em desvelar o misté...

Os Buddenbrook, de Thomas Mann

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Por Luiz Fernando Moreno Thomas Mann terminou Os Buddenbrook , seu primeiro romance de grande extensão, na primavera do ano de 1900, “depois de dois anos de trabalho frequentemente interrompido”, segundo relembra em sua breve autobiografia. Apenas quatro anos antes havia decidido abraçar o ofício de escritor. O êxito obtido por um completo conto, “A queda” (1894), o animou a escrever essa obra. Era um estudante desinteressado e a generosa mesada mensal obtida da venda dos negócios da família depois da morte de seu pai lhe permitia viver como boêmio, às vezes em Munique e, outras, na Itália. Depois de outra narrativa de sucesso, “A vontade de ser feliz”, apareceu essa pequena joia que é “O pequeno senhor Friedemann”, um conto de maior extensão que, dos seus precedentes, foi aceito pela prestigiada revista cultural Neu Deutsche Rundschau , da casa editorial Fischer. Foi da raiz desta pequena obra que o atento Samuel Fischer, advertindo o talento do jovem literato, o animou q...

Linguagem do eterno – aproximações ao ritmo do Livro do Desassossego

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Por Lucas Miyazaki Brancucci Estar na tensão entre os corpos, “intervalar”, habitar interstícios, “espaço entre mim e mim”, “sentir tudo de todas as maneiras” desdobrando-se a múltiplas conexões com o mundo, constituem movimentos primordiais no Livro do Desassossego , de Fernando Pessoa (utilizamos neste texto a edição organizada por Richard Zenith. São Paulo: Companhia das Letras, 2011). Sob a condição de um “sonhar sempre”, fluxo de escrita, esses movimentos giram em torno da própria língua, seu fim, articulados pelo ritmo da voz de Bernardo Soares – heterônimo (ou semi-heterônimo, ou semi-ortônimo) de Fernando Pessoa – evocada para compor essa escrita “interminável”. No Livro do Desassossego , escrever é um ato (e pacto) para habitar o mundo e constantemente modificá-lo, levar ao extremo a “sede de ser completo”, o corpo em circuito com o externo; é criar o espaço possível para esse “lugar ativo de sensações, a minha alma” (do fragmento [fr.] 219) – a “minha voz”, ...