Postagens

Sobre Doutor Jivago, de Boris Pasternak

Imagem
Por Christopher D Michael  Doutor Jivago , grande livro ou romance ruim? Tantos anos depois de sua publicação, a pergunta não tem uma resposta mas construí-la nos permite entrar num mundo encantando e titânico onde a herança épica do romance compete com sua dissolução vanguardista, onde se refaz a antiga querela da prosa contra a poesia e presenciamos o choque entre a história e a natureza.  A matéria em que ocorrem estes antagonismos essenciais é a Revolução Russa e a personagem principal é Pasternak, quem atravessou a pior das épocas em que poderia viver um escritor para, de maneira inverossímil, morrer em casa, próximo de sua mulher e de sua amante, atendido pelos melhores profissionais da medicina soviética.  Sua morte aconteceu poucos anos depois da publicação, pela editora Feltrinelli, na Itália, do seu único romance, obra que também lhe valeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1958, honra recusada depois da ameaça de desterro proferida pelo regime ...

As mulheres de James Joyce

Imagem
Por Gonzalo Lizardo James Joyce e sua companheira Nora em Lucerna, 1935 Congruente com suas convicções estéticas, James Joyce foi um lúcido observador do mundo e esteve intrigado com os mistérios da alma feminina. Numa carta hoje famosa, Jung o elogiou pelo conhecimento do feminino que exibia no último capítulo do seu Ulysses : “suponho que a avó do diabo sabe tanto assim da psicologia real da mulher, eu não sabia”, escreveu surpreendido pelo comportamento dessa senhora irlandesa, Molly Bloom, que além de ter uma bela voz e de ser uma mãe amorosa, pensava e sentia sem falsos pudores, consciente dos seus próprios desejos e daquilo que inspirava nos outros: uma mulher imune ao juízo alheio, que sabia valorizar a si mesmo com a verdade de seu corpo, de seu amor e do seu canto. A personagem de Molly deve ter sido muito provocadora para a sociedade irlandesa de seu tempo, onde toda mulher decente estava presa às inflexíveis virtudes do catolicismo. Contra esse protót...

Camus ante seu tempo

Imagem
Por José María Ridao Num caderno datado entre janeiro de 1942 e setembro de 1945, Albert Camus adverte numa breve entrada uma diferença raramente destacada entre os filósofos da Antiguidade e os que vieram depois. Aqueles, escreve Camus, “refletiam muito mais do que liam”, enquanto os filósofos seguintes, até chegar aos contemporâneos, “leem mais do que refletem”. Camus encontra a causa desta inversão entre reflexão e leitura, entre indagação original e aquisição do saber acumulado, na aparição da imprensa. Os filósofos que dizem refletir cara a cara com o universo, como faziam os da Antiguidade, encontram à sua disposição, graças à imprensa, o catálogo dos resultados da aventura semelhante que outros já realizaram antes deles. Afastar-se desse catálogo exigiria aos filósofos sufocar a curiosidade que os impulsiona a refletir cara a cara com o universo; não se afastar, ao contrário, os obrigaria a substituir a reflexão cara a cara com o universo pelo saber e conhecime...

60 anos do Grande Sertão: Veredas, contributo para uma reflexão

Imagem
Por Antonia Marly Moura da Silva Guimarães Rosa no Itamaraty, no Rio de Janeiro, 1964. Foto: Drew Zingg. Acervo Instituto Moreira Salles O romance Grande sertão: veredas (1956) de João Guimarães Rosa desde sua estreia tem suscitado no leitor - e também em Riobaldo, personagem central da história narrada - um emaranhado de questionamentos sem respostas, matéria exaustivamente comentada e analisada por estudiosos da área sob as mais variadas perspectivas epistemológicas. Neste ano de 2016, em que são celebrados os sessenta anos de lançamento do livro no cenário das letras nacionais, o mistério do “homem humano”, referido pelo narrador-protagonista em seu diálogo com um interlocutor mudo, ainda não esgotou a capacidade de fomentar discussões sobre questões inquietantes sobre a condição humana e temas de interesse geral. Considerado uma obra representativa da literatura brasileira do século XX, Grande sertão: veredas continua a chamar a atenção de leitores e crí...

Boletim Letras 360º #176

Imagem
Jorge Amado: pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catariana anunciam título inédito do escritor baiano.  Todas as notícias que circularam em nossa página no Facebook, coletadas dos mais diversos meios, cujo interesse abrange o universo de publicações do blog Letras in.verso e re.verso estão nas edições semanais do Boletim Letras 360º. Criamos esse mecanismo para ajudar aqueles leitores que perderam de acompanhar o que se passa no universo dos livros, afinal a vida da grande maioria não se resume às redes sociais, não é mesmo? Então, vamos lá! Segunda-feira, 27/06 >>> Brasil: Um inédito de Jorge Amado Um  grupo de jovens se reúne à espera da ordem para o início de um levante comunista. Enquanto aguardam o sinal que deflagará a revolução, a ser transmitido naquela noite chuvosa por uma rádio local, as paixões, incertezas e dramas de cada militante vão se revelando. Um deles tem um caso com a mulher de um companheiro preso. Outro sonha apen...

Auroras femininas

Imagem
Por Márcio de Lima Dantas O Rio Grande do Norte detém no seu sistema literário uma pequena plêiade de poetas dignas de constar em qualquer rol de boas mulheres escritoras. Esquecendo as canônicas Auta de Souza, Palmira Wanderley ou mesmo Nísia Floresta (como poeta), que não suportam uma segunda leitura, nem muito menos serem traduzidas para língua nenhuma, servindo apenas para que se repita os lugares-comuns de sempre, à falta de outros nomes existentes. Por que o humano não tolera o vazio é que se justifica o lugar ocupado por essas três personagens nas rumas de antologias publicadas aqui entre nós. Longe de mim destituí-las do valor histórico que compete a cada uma, agora dizer que têm valor estético é um acinte à Érato, musa da poesia lírica. Nem inventem. Respeito enormemente Nísia Floresta como ensaísta e como autora de belos livros de literatura de viagem, agora querer fazê-la poeta, é pouco compreender o fenômeno literário. Assim sendo, prefiro me restringir ao ...