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A montanha mágica, de Thomas Mann

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Por Rafael Kafka Terminei de ler A montanha mágica há algumas semanas e desde então me pego todo dia pensando em algo ligado a este livro. Penso que se houvesse mais atrevimento de minha parte, certamente me dedicaria a estudar esta que é uma das narrativas mais instigantes que já tive a oportunidade de ler. Tal impressão em mim se deve a uma série de fatores, inclusive na comparação a outras leituras que tenho feito ou que fiz recentemente. Mas se deve mais à interessante experiência temporal proporcionada pelo livro, a qual em muitos momentos me fez sentir a mesma temporalidade experienciada por Hans Castorp, o protagonista que um belo dia vê uma visita a um primo doente se tornar em uma mudança existencial profunda. Curiosamente, comecei a ler A montanha mágica na mesma época em que comecei a ler Problemas na poética de Dostoiévski, de Bakhtin. Por motivos ligados ao trabalho, à preguiça das férias e à dificuldade tida por mim em me desprender da leitura literária, ...

O som e a fúria

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Por Gustavo Valle Um tipo muito tímido, de óculos, amante dos gatos, fumante de várias carteiras de cigarro por dia, comedor de hambúrgueres e cachorro-quente; um sujeito que escutava rock a toda hora, inclusive enquanto escrevia. Que não era nem drogado nem alcoólatra, embora gostasse de uísque e sim escrevia quase exclusivamente sobre drogados, alcoólatras e toda sorte de sujeitos à margem da lei, à deriva, fracassados. Um tipo que aos vinte anos foi diagnosticado com lúpus, enfermidade autoimune que onze anos depois acabaria com sua vida. Tudo isso, junto com uma escrita prolífera, excessiva e alucinada, com suas paisagens de uma Bogotá desfocada em technicolor, fizeram de Rafael Chaparro Madiedo, e seu romance Ópio nas nuvens (tradução livre para Opio en las nubes ), um autor cultuado na Colômbia, o que quer dizer um autor oculto durante muitos anos, essa raça de escritores cuja obra e vida parecem sempre cruzadas por um destino prematuro, trágico e angelical. Andrés...

Anton Tchekhov: o monge negro

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Por Crypt Vihâra A literatura russa é reconhecida universalmente como uma das mais ricas em vivências humanas. É uma literatura de fundo fortemente realista, egocêntrico e psicológico. O indivíduo nela se absorve, se concentra na radical manifestação de si próprio, sem recato e com tal indiscrição de causas e de sentimentos que se inclina, se rende de maneira essencial. Quase todos os escritores russos têm o objetivo de plasmar na concepção de suas personagens a alma russa, tão autênticas que não se parecem a outras pessoas apesar de vivências e valores comuns a todos os seres humanos. Há nelas certa falta de pudor literário que é, talvez, sua força e razão primordiais. Passa com as personagens tão plasmadas em suas multifacetadas qualidades, por seu realismo humano, que não podem prescindir de fatores ambientais e outros: da neve, a estepe, a vodca, a sopa de repolho, os ícones, o pathos , se opera uma simbiose geoecológica. Cada personagem está constituída de certa...

Victoria Ocampo: quase um mundo

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Por José Carlos Mainer  Foi uma excelente ideia recolher numa edição boa parte da Autobiografia póstuma de Victoria Ocampo (1890-1979) cujos seis tomos (escritos nos primeiros anos cinquenta) foram conhecidos entre 1979 e 1984 ao lado de uma breve seleção de seus Testemunhos , título geral que deu às suas coleções de artigos. Em 1991, Francisco Ayala havia publicado um inteligente resumo, podemos assim dizer, e em 2002 saiu a biografia hoje já clássica de María Esther Vázquez ( Victoria Ocampo. O mundo como destino , tradução livre), igualmente inteligente e também minuciosa sobre a vida da escritora, editora e mecenas. Como muita razão Ayala escreveu que dilataram sua posteridade, “sua alta posição de grande senhora” e, sobretudo, aquele “estar à margem ou por cima” das coisas em virtude de sua posição de “aficionada e mecenas”. O responsável pela presente antologia (publicada no universo de língua espanhola), o poeta e crítico Carlos Pardo, fez uma boa seleção...

Rosa dos ventos, de Manuel da Fonseca (Parte I)

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Por Pedro Belo Clara Foi já no distante ano de 1940 que a obra agora apresentada conheceu a sua primeira edição. E tudo graças aos esforços empreendidos por amigos íntimos do autor, dos quais se destacavam os proeminentes Alves Redol e Mário Dionísio, que em tal trabalho viram qualidade merecedora de publicação. Dentro do género, somente mais um título seria editado: Planície , em 1942. Curiosamente, seriam estes os primeiros livros de Manuel da Fonseca, que rapidamente se virou para o exercício da prosa (contos e romances, essencialmente). O próprio, aliás, por diversas ocasiões se julgara divorciado da prática do género, mas essa “demissão do poeta”, como referia habitualmente, tardou em acontecer. Talvez por isso o livro que reúne a sua obra poética tenha merecido diversas alterações ao longo dos anos em que o autor era ainda vivo. A versão que aqui apresentamos é, portanto, aquela que considerou “definitiva”, naturalmente distante em certos aspectos daqueles primei...

Boletim Letras 360º #177

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Jorge Luis Borges. Um documentário brasileiro busca os passos do escritor. Contamos assim mais uma semana online. E aqui estão as notícias que apresentamos durante ela no compartimento mais movimentado de nossa casa: a sala de estar no Facebook.  Segunda-feira, 04/07 >>> Brasil: Nova obra de Heinrich Böll  Pela Editora Estação Liberdade, que já havia publicado O anjo silencioso , também do escritor alemão. Heinrich Böll foi o ganhador do Nobel de Literatura, em 1972 e o romance ora publicado é Pontos de vista de um palhaço . A obra traz ao leitor as questões que tensionavam a Alemanha pós‑Segunda Guerra, uma nação em reconstrução, trespassada por sérios conflitos de ordem econômica, religiosa e ideológica. Hans Shnier, personagem central, é um palhaço abandonado pela companheira – fato que o coloca numa rota reflexiva e autodestrutiva até os níveis mais profundos e sutis do conflito alemão. >>> Brasil: Nos passos de Jorge Luis Borges ...